Mundo

assine e leia

Pelo amor dos deuses

Atenas debate-se entre restringir e facilitar o acesso à Acrópole

Pelo amor dos deuses
Pelo amor dos deuses
Tesouro. Fonte de renda vital para a população, o turismo coloca em risco um dos maiores patrimônios históricos da humanidade – Imagem: iStockphoto
Apoie Siga-nos no

É oficial: mais de 25 séculos depois de ter sido construída e quase 200 anos depois de começar a atrair turistas, a Acrópole adotará políticas de controle de multidões para aliviar a praga moderna do número crescente de visitantes. Filas sem precedentes ao pé do local, um aumento drástico de turistas desde a pandemia de Covid-19 e cenas de mau comportamento na entrada do santuário estimularam o governo grego a agir. “Até o fim do mês, as medidas entrarão em vigor integralmente”, anunciou a ministra da Cultura do país, Lina Mendoni. “Só as visitas em junho e início de julho aumentaram 80% em relação a 2019.”

Um sistema de horários marcados, pontos de entrada em vias rápidas para grupos organizados de turistas e bilhetagem eletrônica estão entre as medidas que, segundo as autoridades, ajudarão a aliviar o congestionamento. Como o local mais frequentado do país, a ­Acrópole atrai mais de 17 mil visitantes diariamente – um reflexo do excesso de turismo que afetou a Grécia nos últimos anos.

Uma vez implementadas, espera-se que as políticas aliviem o problema das filas, agravado pela chegada de gigantescos navios de cruzeiro que despejam milhares de passageiros no ­Porto de ­Pireu, na capital grega. “No passado, esses navios tinham capacidade para transportar alguns milhares, a população de uma grande vila”, disse ­Lysandros Tsilidis, presidente da ­Federação das ­Associações Helênicas de Agências de Turismo e Viagens, que saudou as medidas. “Agora as embarcações são tão grandes que você tem o tamanho de um pequeno ­Estado a bordo, e ao menos 30% dos passageiros terão ingressos pré-comprados para visitar a Acrópole.”

Aos 72 anos, Tsilidis viu a Grécia transformar-se de um popular, embora menos conhecido, destino mediterrâneo na década de 1970 em um dos três países mais visitados do planeta em 2022. “Ninguém poderia imaginar isso”, diz ele. “Naquela época, a Grécia atraía 7 milhões de turistas. Hoje, esse número é de mais de 30 milhões, três vezes a nossa população.”

Um pouco antes das 8 da manhã da sexta-feira 7, filas de turistas podiam ser vistas a serpentear desde as bilheterias diante da entrada da Acrópole até a grande avenida de paralelepípedos que percorre todo o lado sul do monumento. No meio da manhã, aqueles que ainda não haviam subido a colina até o tesouro de Péricles, e que não tinham levado chapéus e guarda-chuvas, buscavam desesperadamente uma pausa do sol escaldante sob as oliveiras, na ausência de qualquer sombra.

Em meio século, o número de turistas na Grécia saltou de 7 milhões para mais de 30 milhões por ano

Os guias turísticos têm falado cada vez mais de visitantes que desmaiam sob o calor numa área onde qualquer intervenção é controversa por causa da natureza sagrada do local. “Dei instruções para encontrarem uma maneira de erguer toldos em locais não considerados sensíveis”, disse Mendoni, que passou grande parte de sua primeira semana de volta ao cargo – foi renomea­da depois das eleições gerais – testemunhando as multidões na Acrópole. “E em pontos discretos garantiremos que haja água fora do local.”

Arqueóloga clássica por profissão, em seu primeiro mandato no cargo, Mendoni supervisionou a instalação de caminhos de concreto em partes da rocha sobre a qual se erguem os templos. As passarelas, criadas durante a pandemia, quando o Partenon estava fechado, foram criticadas por alguns como monstruosidades.

Ao anunciar o novo plano de gerenciamento de visitantes, ela levantou a perspectiva de novas intervenções ao dizer que o congestionamento no local só poderia ser resolvido se o majestoso portal da Acrópole fosse ampliado. “Na Antiguidade havia mais de uma entrada para os templos”, afirmou. “A meu ver, a solução para o gargalo de visitantes na entrada seria a ampliação da Propilaia (porta de entrada). Não podemos demolir a Propilaia, mas podemos ampliá-la.”

Manolis Korres, o arquiteto que preside a Comissão para Conservação dos Monumentos da Acrópole, disse a The Observer acreditar que as obras não demorariam mais de dez meses, se fosse cumprido um cronograma bem elaborado. “Muitas vezes propus a reinstalação da escadaria romana na área, não porque quero facilitar o número de visitantes”, disse o professor, cujos estudos detalhados preveem a monumental entrada ampliada e reformada em grande parte na forma original. “Mesmo que houvesse dez visitantes por dia na Acrópole, acredito que deveria ser restaurada porque contribuiria para uma melhor compreensão do local.”

A subida até os tesouros, uma caminhada extenuante no verão, também seria mais fácil porque a inclinação “seria oito vezes mais larga”, disse Korres, considerado a principal autoridade da Acrópole. É improvável que o espectro de novas alterações no monumento passe despercebido em meio aos protestos de que as mudanças, incluindo a introdução de um elevador iluminado e ultramoderno, favoreceram mais o turismo de massa do que salvaram o principal local do país.

Mendoni discorda. “Se não tivéssemos feito os corredores”, disse ela, em referência aos caminhos de concreto, “a Acrópole seria hoje um monumento quase impossível de visitar.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves. 

Publicado na edição n° 1269 de CartaCapital, em 26 de julho de 2023.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo