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Passo 1: arrependimento

O Brexit nunca foi tão impopular, mas reatar os laços com a União Europeia ainda é um trajeto longo e difícil

Passo 1: arrependimento
Passo 1: arrependimento
Fim da ilusão. Assombrados pelo desemprego e a queda na renda, efeitos colaterais do Brexit, os britânicos protestam. Daí a voltar à União Europeia, há um longo caminho - Imagem: Justin Tallis/AFP
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O Brexit tem três anos e está menos popular que nunca. Hoje, um número maior de britânicos está insatisfeito com os resultados da saída da União Europeia até agora e pessimista sobre os ganhos futuros do que em qualquer ponto do processo. “Rejoin” (Reunir) abriu uma vantagem de dois dígitos sobre continuar fora da UE nas pesquisas que perguntam aos eleitores o que eles escolheriam em um segundo referendo.

Embora os eleitores tenham oscilado contra o Brexit antes, a mudança atual é diferente. Os ganhos anteriores foram impulsionados por aqueles que em 2016 se abstiveram ou eram jovens demais para votar contra o Brexit e por mudanças demográficas que lentamente puxaram o eleitorado numa direção pró-UE. Até agora, a grande maioria dos eleitores a favor de sair ou permanecer manteve as escolhas de junho de 2016. Isso começa a mudar, e são os favoráveis ao Brexit que têm reconsiderado. Um em cada cinco eleitores da saída da UE agora diz que votaria pelo retorno, enquanto a mudança dos defensores da permanência continua muito menor. A balança da opinião pende contra o Brexit, devido às crescentes dúvidas entre os apoiadores originais.

Uma coisa que impulsiona essa mudança de opinião é o fracasso da realidade do Brexit em corresponder às promessas feitas na ocasião. A opinião dos eleitores sobre os impactos econômicos mudou de cautelosamente positiva para fortemente negativa no ano passado. “As coisas pioraram” e “não saiu como esperado” estão entre as explicações mais comuns dadas pelos eleitores da saí­da, quando questionados nas pesquisas sobre sua mudança de opinião.

O Brexit não é mais objetivo futuro abstrato, cujos benefícios vindouros podem ser discutidos, enquanto as desvantagens potenciais são descartadas como pessimismo partidário. É uma rea­lidade vivida, cujos atritos e custos são uma experiência diária e cujos ganhos prometidos não chegaram. Os resultados decepcionantes tornaram os argumentos dos céticos mais verossímeis, enquanto as promessas dos verdadeiros crentes de bons tempos à frente tornaram-se mais difíceis de engolir.

O fracasso do governo em atender às expectativas dos eleitores da saída da UE é um peso. Outro pode ser a falha do governo em geral. Em 2019, Boris ­Johnson conseguiu mobilizar a causa do Brexit para alcançar avanços conservadores em assentos tradicionalmente trabalhistas, mas com forte voto pela saída. Agora que o Brexit é uma realidade estabelecida, a dinâmica oposta pode ter entrado em ação – antipatias partidárias de longa data se reafirmam e colorem as percepções do que os trabalhistas veem como um mau acordo conservador.

A insatisfação é maior entre os eleitores trabalhistas que apoiaram a iniciativa

Os eleitores que agora veem o Brexit como um serviço malfeito sabem que ele foi defendido, promovido e implementado apenas por parlamentares conservadores. Um acordo fracassado do Brexit tem se tornado apenas mais um exemplo de traição conservadora em comunidades onde a suspeita em relação aos ­tories remonta a gerações. Pesquisas sugerem que a mudança de opinião é marcadamente maior entre aqueles que defenderam o rompimento no Partido Trabalhista do que entre os conservadores. Um terço dos trabalhistas partidários do ­Brexit agora quer voltar à União Europeia ou negociar uma relação mais próxima com Bruxelas, em comparação com apenas um quinto dos conservadores que apoiaram o ­Brexit. Cada impacto é classificado de forma mais negativa pelos trabalhistas do que pelos conservadores pró-saída.

As diferenças partidárias entre os defensores do Brexit podem ser rastreadas há vários anos. Pesquisa de opinião de junho de 2020 mostra que mais de 80% dos conservadores pró-Brexit se opunham a um alinhamento próximo com a UE, enquanto 75% desejavam cumprir o prazo de dezembro, mesmo que isso significasse sair sem um acordo comercial. Os trabalhistas pró-Brexit eram mais ambivalentes, apenas metade apoiava cada uma dessas opções linhas-duras.

Essa ambivalência inicial agora evoluiu para descontentamento com o acordo existente e um desejo de renegociar. Mais de 70% dos pró-Brexit do Partido Trabalhista questionados pela Opinium em novembro de 2022 acham que o acordo foi negativo até agora, em comparação com 40% dos conservadores pró-saí­da. A mesma pesquisa mostra o apoio da maioria dos pró-Brexit do Partido Trabalhista a várias opções de integração mais estreitas, incluindo a livre circulação e até mesmo o Reino Unido aceitar alguma legislação da UE, opções que permanecem inaceitáveis para os pró-Brexit do Partido Conservador.

Embora a insatisfação com a situação possa estar em crescimento, seus fervorosos defensores não devem ter muitas esperanças. A decepção com o ­Brexit não se traduz em desejo de mais uma campanha de referendo polarizadora. Apesar de um clima mais brando entre os trabalhistas pró-Brexit tornar mais fácil para a liderança trabalhista aproximar o Reino Unido da União Europeia sem abrir divisões em seu apoio, o caminho de volta a Bruxelas é longo e difícil. Será custoso alcançar mais do que ganhos incrementais a curto prazo, o que dificulta para Keir Starmer cumprir as promessas de “fazer o Brexit funcionar”. As esperanças frustradas também podem assombrar os trabalhistas no futuro.

Para os conservadores, a decepção com o Brexit e as divisões que se abrem entre aqueles que aprovam a saída sobre o melhor caminho a seguir adicionam fardos a um governo que luta em várias frentes e representam um profundo dilema estratégico. Abordar a crescente insatisfação entre o público exigiria mudança de postura, mas qualquer movimento na direção de relações mais próximas enfurece os verdadeiros fiéis do Brexit, tribo em declínio entre o eleitorado, mas ainda força vocal em todos os níveis do Partido Conservador. Mudar de rumo requer, primeiro, admitir que o Brexit não funciona. Essa admissão ainda é uma heresia. Os conservadores venceram com a promessa de entregar o Brexit. Eles poderão perder em breve, porque o Brexit não consegue entregar por eles. •


*Professor de Ciência Política na Universidade de Manchester e coautor de The British General Election of 2019.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1246 DE CARTACAPITAL, EM 15 DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Passo 1: arrependimento”

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