Paris mergulhada em raiva popular e gás lacrimogêneo

"Coletes amarelos" de um lado, violência estatal do outro: mais uma vez, milhares de manifestantes paralisam a França

Coletes amarelos em Paris (Foto: Lucas Barioulet/AFP)

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Um país em estado de sítio: ruas desertas, nada de automóveis nem passantes, pesadas barricadas na frente das lojas. Mal se reconhece a cidade. Quem circula por ela são só os “coletes amarelos”, acorrendo aos milhares pelas ruas laterais que convergem em forma de estrela para o Arco do Triunfo. Mais uma vez, o ponto de encontro é a avenida Champs-Élysées.

Entre eles está Anne-Laure, 35 anos, de Vernon. Juntamente com o irmão e o cunhado, este é seu terceiro sábado nas manifestações. Ela porta uma faixa que diz, em letras vermelhas sobre fundo branco: “Macron, você está pirado”. Ela está furiosa.

“Eu sou enfermeira, ganho 1.200 euros por mês, bruto. Com isso, consigo pagar as minhas contas, mas nada mais. A gente não quer muito, só ter uma vida decente.” Ela esfrega os olhos lacrimejantes. “Nós estamos aqui com cartazes, nós somos pacíficos, e a polícia joga bombas de gás lacrimogêneo. Eles querem calar a nossa boca!”

As passeatas dos “coletes amarelos” se dirigem contra o presidente da França, Emmanuel Macron, e sua política de reformas.

Diante dos maciços protestos, o governo em Paris suspendeu a elevação das taxas sobre gasolina e diesel, planejada para 2019. Nos últimos dias, milhares de colegiais e estudantes foram às ruas em protesto às mudanças na política de educação.

Também no sábado, 31 mil franceses participaram dos protestos, segundo dados oficiais. Antoine e seus amigos vieram especialmente da Normandia. Eles nunca foram políticos, afirma o pedreiro de 23 anos, mas agora alguma coisa precisa mudar.


Apesar do trabalho em horário integral, a vida é simplesmente cara demais: “Eu trabalho 45 horas por semana, meu salário só dá para o aluguel a comida”, e ele não conseguiria subsistir sem o apoio dos pais. “Isso não pode ser!”, protesta.

Indagados sobre o presidente, uma resposta surpreendentemente frequente é: “Não temos nada em especial contra Macron”, ele é simplesmente como todos os outros políticos que perderem o contato com seus cidadãos, queixam-se os manifestantes.

“A justiça social está sendo pisoteada, isso já começou muito antes de Macron, [seu antecessor François] Hollande também não era melhor”, revolta-se o mecânico de caminhões Jean-Paul, de 52 anos.

Quem, na elite política, sabe o que é se levantar todo dia às cinco da manhã e ir para a fábrica, por nada, absolutamente nada?”

Cerca de 8 mil agentes de segurança foram mobilizados, em nível nacional são 89 mil. Segundo informações do governo, somente na capital foram presas 600 manifestantes, de um total de mil prisões em todo o país. Em poder dos suspeitos foram encontradas máscaras, atiradeiras, martelos e paralelepípedos.

Do ponto de vista dos manifestantes, a pesada presença policial não contribui para distender a situação. “Eles tiraram as nossas máscaras e prometeram que não iam fazer nada contra a gente. E olhem só o que eles estão fazendo!”, grita uma participante, as lágrimas escorrendo pelo rosto.

De minuto em minuto, os policiais lançam bombas de gás em meio aos manifestantes, os quais fogem para a esquerda e a direita a cada ofensiva, tomando as calçadas da Champs-Élysées, tapando a boca e os olhos com as mãos.

Comandos especiais marcham repetidamente multidão adentro, de cassetetes erguidos, e não param diante de nada: quem não é bastante rápido, cai no chão. Os cidadãos se ajudam mutuamente, por toda parte estranhos salpicam soro nos olhos um dos outros, para aliviar o ardor – rápido, antes que venha a próxima bomba. A apenas umas centenas de metros, está o Palácio do Eliseu. Protegido por estruturas altas de aço e vidro blindex, ele é inatingível para os manifestantes.

A polícia isolou toda uma ampla área em direção à Rue du Faubourg Saint-Honoré. Ninguém sai ou entra na zona bloqueada sem passar por laboriosos controles faciais e de identidade. Só armados de documento pessoal os moradores podem chegar em casa, passando por portas de grades especialmente instaladas. Isoladas estão também atrações turísticas como a Torre Eiffel, o Museu do Louvre e diversas estações de metrô do centro parisiense. Numerosas lojas protegem suas vitrines, por medo de destruição.

Por volta do meio-dia são incendiadas as primeiras latas de lixo na Champs-Élysées. Centenas de manifestantes obstruem o cinturão rodoviário Périphérique, causando graves interrupções do trânsito. No início da tarde voam paralelepípedos, também contra o edifício da Câmara de Indústria e Comércio.

Mal se consegue distinguir as fachadas das lojas no bulevar de luxo de Paris, as vitrines da Louis Vuitton estão escondidas por densas nuvens de fumaça e gás lacrimogêneo. No terraço do restaurante de luxo Fouquet’s, em outros dias frequentados pelos grandes da política e economia, não se exibem pratos de ostras, excepcionalmente. Em vez disso, “coletes amarelos” ocupam cadeiras e mesas.


“Se vocês não nos dão nada além de gás lacrimogêneo, esta é a nossa resposta”, grita um manifestante. Anne-Laure continua brandindo seus faixas: ela não se deixa intimidar, na próxima semana estará novamente ali, afirma a enfermeira. “Até que as coisas sejam mais justas. A gente está longe do fim da história.”

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