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Os planos de Donald Trump para voltar a dar as cartas em Washington

A queda de braço entre o morador de Mar-a-Lago e seus adversários republicanos colocará em jogo muito mais do que é possível prever

Os planos de Donald Trump para voltar a dar as cartas em Washington
Os planos de Donald Trump para voltar a dar as cartas em Washington
O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Foto: Tasos Katopodis/Getty Images/AFP
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Nova York – Quando Donald Trump deixou a Casa Branca pela porta dos fundos em 20 de janeiro, houve quem apostasse que o ex-presidente dos Estados Unidos gastaria seus dias de aposentadoria a renovar o bronzeado cor de abóbora nos campos de golfe da Flórida. Engano. Os cuidados estéticos do magnata ficaram em segundo plano. Desde então, Trump só pensa em uma coisa: encontrar um modo de voltar a dar as cartas em Washington. 

Entre o desejo e a realidade existe, no entanto, um abismo. Inspiração para muitos, engodo para tantos outros, Trump é uma liderança questionada não apenas pela oposição democrata, mas em sua própria base, sobretudo após os ataques ao Capitólio em 6 de janeiro, pelos quais foi julgado e absolvido do segundo processo de impeachment semanas mais tarde. No julgamento político, dez deputados e sete senadores do Partido Republicano votaram pela cassação do ex-presidente, um número que não esconde mais o racha na legenda. Whit Ayres, consultor político republicano e presidente da North Star Opinion Research, empresa de pesquisa de opinião pública, costuma dizer em suas entrevistas que 6 de janeiro foi a batalha inicial na guerra pela alma do Partido Republicano. “Há uma séria divisão entre a ala governista e o populismo. A primeira dominou o partido por anos e ainda predomina entre os candidatos eleitos. A ala populista sempre esteve presente, antes mesmo da candidatura de Donald Trump, mas foi ele quem a expandiu e a transformou em uma força dominante nas primárias republicanas, embora nunca tenha se tornado uma força majoritária no país”, diz Ayres a CartaCapital.   

A polarização que divide os Estados Unidos explica bem o espaço em demasia que o populismo de direita tem ganhado entre os eleitores. Grupos produtores de fake news que espalham teorias da conspiração, como o QAnon, são uma tropa de alucinados conquistando cada vez mais terreno e adeptos. Entre os republicanos são figuras fáceis de ser identificadas. Josh Hawley, Lindsey Graham, Ron Johnson e Ted Cruz aparecem entre os mais beligerantes partidários de Trump, além de uma declarada facção anti-intelectual, antimídia e anti-imigrante. Ideias que cresceram a ponto de fazer importantes lideranças republicanas desistirem de concorrer às últimas eleições, como os senadores Lamar Alexander, Pat Toomey, Richard Burr e Rob Portman.   

Mesmo sem a ala governista para alavancar a disputa, o partido abocanhou, inacreditavelmente, 40% dos sindicatos, sem contar o apoio inesperado das comunidades latinas. À época do resultado das urnas, o senador Josh Hawley comemorou o feito no Twitter: “Somos um partido da classe trabalhadora agora. Esse é o futuro”.  Ayres pondera, no entanto, que é cedo demais para prever o amanhã de um partido tão profundamente segmentado. “Se a América fosse dividida em sistemas parlamentares em vez do sistema constitucional, estaríamos divididos em quatro partidos políticos: progressistas, republicanos, democratas e populistas, mas temos um sistema que força grupos diferentes a se manterem em dois partidos e muitos republicanos não se sentem mais confortáveis dentro do grupo.”   

Trump sabe disso e, não por acaso, um mês após deixar o cargo fez sua primeira aparição pública na Conferência de Ação Política Conservadora, na Flórida. Lá, o ex-presidente colocou ainda mais lenha na fogueira ao citar, um a um, os nomes dos 17 republicanos que apoiaram o impeachment. Ele ainda prometeu, sob aplausos, “se livrar” dos adversários no partido. Semanas depois enviou uma carta ao Comitê Nacional, na qual exigia que as principais organizações republicanas de arrecadação de fundos parassem de usar a sua imagem. Ao contrário do que muitos esperavam, o ex-presidente refutou, no entanto, a criação de uma nova legenda. Trump não quer fundar uma nova legenda, mas “higienizar” a atual. “Não seria brilhante? Vamos começar um novo partido para que possamos dividir o nosso voto e nunca ganhar. Temos o Partido Republicano. Ele vai se unir e ser mais forte do que nunca”, discursou na conferência. Ayres salienta que criar uma nova agremiação exige muito dinheiro e dá trabalho. A preocupação dos republicanos deve ser outra. Para o consultor, a caça às bruxas é um erro estratégico grave que pode comprometer o futuro do partido, dando espaço para outras vitórias dos democratas. Os primeiros trunfos do governo, aliás, começaram a ser pontuados. Categoricamente e ao contrário do que anunciou o senador Josh Hawley no Twitter, os republicanos fizeram pouco ou quase nada pela classe trabalhadora, desde o início da gestão do presidente Joe Biden até agora.   

O partido não apenas vetou o reajuste gradual do salário mínimo, que não é reajustado desde 2009 – a proposta de Biden era elevá-lo de 7,25 para 11 dólares a hora −, como se recusou a colaborar com a aprovação do projeto de lei de alívio da Covid-19, de 1,9 trilhão de dólares. O pacote foi assinado pelo atual presidente no início de março, após muita barganha, e só foi adiante porque os democratas têm maioria na Câmara e no Senado. O valor aprovado vai permitir medidas como a extensão do seguro-desemprego e o envio de cheques de 1,4 mil dólares a cidadãos de renda baixa e média. Quando estava em votação, o projeto não sensibilizou um republicano sequer. O senador Hawley justificou que o programa “financia provedores de aborto”, possivelmente em referência aos 50 milhões de dólares destinados às propostas de planejamento familiar e deixando claro que a tática dele, de Ted Cruz e companhia é alimentar os eleitores com o ódio e a desinformação, ao estilo Trump, cuja performance foi limitada após três plataformas digitais, Twitter, Facebook e Instagram, terem decidido expulsá-la em janeiro por causa da invasão do Capitólio. Invisível nas plataformas, o ex-presidente está empenhado em criar a própria rede social para reunir e controlar seus seguidores. Uma pesquisa realizada pelo The Hill/HarrisX no fim de março mostrou que 54% dos republicanos pretendem usar a plataforma de Trump, enquanto outros 27% disseram que não e 19% que não tinham certeza.   

“Por que seguir Donald Trump?” continua a ser uma pergunta sem respostas objetivas. Em entrevista à HBO, o senador Lindsey Graham, antes crítico ferrenho e agora defensor obstinado, afirmou que o ex-presidente é o nome que pode fazer da legenda algo que ninguém mais seria capaz. “Ele pode torná-lo maior. Ele pode torná-lo mais forte. Ele pode torná-lo mais diversificado. E ele também pode destruí-lo. Há algo sobre Trump, existe um lado negro e há alguma mágica aí. O que estou tentando fazer é apenas aproveitar a magia.” Uma magia, creem os apoiadores, que o colocará no páreo em 2024. Antes, o ex-presidente precisará, contundo, encarar bem mais do que o sol escaldante de Palm Beach. Trump sabe que tem pela frente um preocupante número de investigações e processos judiciais pelo caminho. 

Neste início de abril, ele viu-se envolvido em mais um escândalo, com a denúncia de que sua campanha eleitoral supostamente enganou os doadores que pensavam fazer uma contribuição única, mas que passaram a pagar de forma recorrente sem consentimento explícito. Uma investigação dos registros da Comissão Eleitoral Federal feita pelo jornal New York Times descobriu que a campanha republicana, entre novembro e dezembro do ano passado, foi forçada a reembolsar cerca de 64 milhões de dólares. O valor agora passa de 100 milhões. Sem tecer comentários oficiais, a ala governista republicana segue atenta aos embaraços e acusações, mas nos bastidores garante que não será abatida facilmente pelo populismo trumpista. A queda de braço entre o morador de Mar-a-Lago e seus adversários republicanos será dura, longa e certamente colocará em jogo muito mais do que até agora é possível prever.

Publicado na edição nº 1152 de CartaCapital, em 8 de abril de 2021.

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