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Os mentores por trás da ideia de fechar o Parlamento britânico

Ao se encontrarem na nova equipe de Boris Johnson, em julho, Dominic Cummings e Nikki Da Costa descobriram uma causa comum

Titereiro. Assessor mais próximo do premier britânico, Cummings (à dir.)comandou a campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia. Foto: DANIEL LEAL-OLIVAS / AFP
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Durante a maior parte de agosto, o plano de fechar o Parlamento durante cinco semanas foi mantido em rígido segredo no núcleo do governo. Para as poucas autoridades do Executivo informadas desde o início, não foi difícil decifrar, porém, de quem eram as impressões digitais por toda parte. Ficou claro para esse pequeno grupo que a ideia-bomba tinha sido gestada pelo assessor mais próximo de Boris Johnson, Dominic Cummings, e pela diretora de Assuntos Legislativos do governo, Nikki da Costa.

Cummings é conhecido há muito tempo em Westminster por seu desprezo por Whitehall, sede do Executivo, e pela maneira como funciona o sistema de governo britânico. Ele não mede palavras ou tolera aqueles que considera idiotas. “Se encontrar resistência de ministros ou funcionários, apenas mandará que se f…, sejam eles quem forem”, disse uma fonte de Whitehall que trabalhou com ele.

Em 2016, Cummings realizou a bem-sucedida campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia – o chamado Brexit –, e mais tarde foi desprezado pelo Parlamento por não depor diante de um comitê seleto que investigou a disseminação de notícias falsas durante o referendo.

Da Costa, por outro lado, é menos conhecida e muito menos abrasiva. Ela serviu algum tempo como assessora de assuntos parlamentares de Theresa May. Além de ser favorável ao Brexit, tem fascínio pelo Parlamento e, segundo amigos, acredita na necessidade de fortalecer o Poder Executivo para impor medidas.

Ao se encontrarem na nova equipe de Johnson no Executivo, em julho, Cummings e Da Costa descobriram uma causa comum. “Era óbvio que a suspensão era o plano mestre de Cummings e Da Costa”, disse uma fonte.

Além do primeiro-ministro, que insistiu repetidamente durante sua campanha pela liderança conservadora que “não era atraído” pela ideia de suspender o Parlamento, embora sem nunca a descartar, poucos no gabinete ouviram alguma coisa sobre o plano até uma semana atrás.

Um que se manteve informado foi Michael Gove, que havia empregado Cummings como seu conselheiro especial quando era secretário da Educação e agora está encarregado dos preparativos para o Brexit sem um acordo prévio com a UE. Gove falou duramente contra a suspensão durante sua fracassada tentativa de liderança: “Acho que seria errado por muitas razões. Eu acho que não seria fiel às melhores tradições da democracia britânica”. Mas isso era passado e, quando as coisas começaram a se mover, Gove não resistiu.

Em algum momento de meados ao fim de agosto, entretanto, o círculo daqueles que sabiam teve de se expandir. Com o relógio a marchar para o retorno do Parlamento em 3 de setembro, era preciso buscar conselhos sobre a legalidade de uma suspensão de cinco semanas antes do discurso da rainha em 14 de outubro. O procurador-geral, Geoffrey Cox, envolveu-se formalmente, e o primeiro-ministro perguntou-lhe se uma decisão constitucional importante era legalmente possível.

Foram trocados e-mails entre um grupo maior de autoridades do governo à medida que o planejamento se intensificava. Cummings sabia que fechar o Parlamento quando os parlamentares queriam debater questões urgentes em torno do Brexit provocaria alvoroço entre os adversários da medida e os parlamentares que não eram contra a saída da UE sem acordo. Grupos de deputados de vários partidos passaram o verão planejando como usar os procedimentos parlamentares e aprovar legislação para forçar Johnson a pedir à UE uma nova extensão do Brexit, se ele não conseguisse fechar um acordo em algumas semanas.

“Parem o golpe”

Algumas autoridades ficaram tão horrorizadas quando souberam do plano que sentiram que tinham de agir. “Existe uma equipe determinada a combater isso”, escreveu o Observer há dez dias. Na sexta-feira 30, um e-mail entre uma autoridade de Whitehall e o primeiro-ministro vazou para este jornal. Ele deixou claro que Johnson procurou Cox para pedir uma suspensão de cinco semanas entre 9 de setembro e 14 de outubro. A visão inicial de Cox, a correspondência deixava claro, era que provavelmente seria legal, a menos que várias ações judiciais planejadas pelos anti-Brexit para bloquear a suspensão fossem bem-sucedidas. A resposta oficial de Downing Street, quando perguntada sobre o vazamento, foi primeiramente muda. “As autoridades do nº 10 pedem aconselhamento jurídico e político todos os dias”, sugeriu uma fonte do governo.

No sábado 31, enquanto parlamentares de todos os principais partidos de oposição continuavam em discussões urgentes sobre como usar a janela de tempo parlamentar agora muito menor (realisticamente, apenas alguns dias antes do fechamento do Parlamento) para aprovar a legislação impedindo a saída da UE sem acordo e forçar mais um adiamento do Brexit, a ira irrompeu nas ruas do Reino Unido.

Dezenas de milhares de britânicos participaram de quase cem manifestações, segurando cartazes que diziam “Parem o golpe” e “Salvem a nossa democracia”. Em Londres, multidões cantaram nos portões de Downing Street. A parlamentar trabalhista Jess Phillips, que apoia um segundo referendo do Brexit, afirmou: “É vital que nesta emergência política não deixemos ninguém separar o Parlamento do povo. Na Câmara dos Comuns, na próxima semana, votarei orgulhosamente com deputados de todos os partidos para impedir que o não acordo seja imposto à população. E nas ruas lá fora, em cidades grandes e pequenas de toda a Grã-Bretanha, o povo vai protestar para defender nosso Parlamento e nossos direitos democráticos mais prezados contra um Executivo que agora está fora de controle”.

Apenas algumas semanas atrás, quando chegou a Downing Street, Johnson prometeu entregar o Brexit e depois unir o país. Em vez disso, é acusado de tentar transformá-lo em uma ditadura. Entretanto, Westminster e forças externas unem-se contra ele. “Já derrotamos ditadores no passado”, disse o chanceler-sombra John McDonnell. “E derrotaremos esta ditadura sob Johnson.”

P.S. de CartaCapital: Na quarta-feira 4, o Parlamento derrotou Johnson e impediu um Brexit sem acordo.

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