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Rússia corre o risco de se isolar

Com a anexação da Crimeia, o Kremlin caminha para um severo confronto com Ocidente, do qual só pode sair derrotado. Por Ingo Mannteufel, da Deutsche Welle

O presidente russo, Vladimir Putin.
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Por Ingo Mannteufel, chefe da redação russa da DW

Ao permitir a realização do referendo na Crimeia, o Kremlin deixa a já explosiva situação na Ucrânia se acirrar ainda mais. O resultado, previsível, não desempenha nenhum papel. E isso se deve não apenas às objeções de ordem legal e constitucional ao referendo: com a votação, a Rússia desrespeita a Constituição da Ucrânia e viola vários acordos internacionais fundamentais.

De maneira exemplar, o presidente Vladimir Putin conduz o país ao isolamento internacional, do qual deverá ter dificuldades para sair. Afinal, nem mesmo a China apoia o Kremlin na sua agressiva política para a Ucrânia. O Kremlin obteve apoio apenas do regime sírio do presidente Bashar al-Assad e da Coreia do Norte, um Estado pária entre a comunidade internacional.

Politicamente decisivo é também o fato de que não se pode falar de uma livre expressão da vontade dos cidadãos da Crimeia. O referendo não apenas é ilegítimo – ele não é nem independente nem livre. Afinal, esse referendo de última hora, que não foi precedido de nenhum processo político de discussão, ocorre na presença de tropas russas armadas e das “forças de autodefesa” a elas associadas.

Todo o referendo segue um roteiro já conhecido, o mesmo que foi implementado por Stalin na Europa Centro-Ocidental ocupada durante e após a Segunda Guerra Mundial: grupos fiéis ao Kremlin, aliados ao poderio militar de Moscou, encenam um simulacro de votação, acompanhado da respectiva propaganda e que é destinado a dar um verniz legal a uma política expansionista. Ninguém leva a eleição a sério.

Talvez Putin tenha esperado que o Ocidente deixasse barato essa política agressiva e de violação ao direito internacional diante do caos da era pós-Yanukovitch na Ucrânia. Presumivelmente ele contava com uma retórica menos crítica do Ocidente. Talvez ainda acredite que a indignação política se acalme ou que o Ocidente se intimide diante da possibilidade de sanções. Afinal, há anos circula no debate público russo a falsa suposição de que o Ocidente seria dependente do fornecimento russo de energia.

Mas Putin claramente se equivocou. Pior: as lideranças no Kremlin até agora não entenderam que elas levaram o jogo longe demais e caminham rumo a um severo confronto com o Ocidente, do qual, a médio prazo, sairão derrotadas.

Já agora a economia russa está numa fase de estagnação. A desvalorização do rublo já está reduzindo o consumo e, assim, também o padrão de vida dos russos. Limitar as exportações de energia seria suicídio a longo prazo, bem como a anunciada venda das reservas internacionais russas. Já sanções bem direcionadas por parte do Ocidente deixariam marcas bem claras na Rússia.

Resta esperar que nada disso ocorra. Só que tanto os Estados Unidos como a União Europeia vão reagir nesta segunda-feira (17/03) à realização do referendo. Foram anunciados o congelamento de contas bancárias e limitações para o ingresso na União Europeia para representantes da alta elite russa.

Essas sanções políticas seriam a última tentativa do Ocidente de fazer a Rússia ceder e assim obrigar Moscou a um diálogo político-diplomático com a liderança em Kiev. Mas é de se temer uma nova negativa do Kremlin, que na próxima semana deve decidir pela incorporação formal da Crimeia à Federação Russa.

Com isso, a anexação da Crimeia estaria encerrada do ponto de vista da Rússia. Para o Ocidente, seria o justo motivo para cogitar mais sanções, tanto políticas como econômicas. A perigosa espiral das sanções terá continuidade, e o isolamento internacional da Rússia será inevitável.

  • Edição Rafael Plaisant

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