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ONU investiga abusos no Louvre e no Guggenheim

Projeto dos Emirados Árabes Unidos que tem também uma filial do Museu Britânico trata trabalhadores estrangeiros como escravos modernos

Imagem conceitual da filial Louvre nos Emirados Árabes Unidos, cujo projeto é do arquiteto Jean Nouvel
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A Organização das Nações Unidas (ONU) está investigando abusos contra trabalhadores migrantes nos Emirados Árabes Unidos, onde o Museu Britânico e outros grandes museus ocidentais, incluindo o americano Guggenheim, estão envolvidos em um polo cultural de bilhões de dólares.

A medida, adotada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) da ONU, ocorre depois de uma queixa apresentada pela Confederação Internacional de Sindicatos (Ituc na sigla em inglês), que advertiu que os imigrantes atuando na construção e em residências são “com alarmante frequência… apanhados em práticas exploratórias que podem representar trabalho forçado”.

Segundo a Human Rights Watch (HRW) e a Ituc, a investigação significa que as instituições ocidentais não poderão mais confiar em garantias locais de que os milhares de trabalhadores migrantes em Abu Dhabi estão sendo bem tratados. Muitos são empregados no Saadiyat, obra de 27 bilhões de dólares de um complexo de museus e resorts de luxo.

O Observer encontrou evidências no ano passado de que a Companhia de Investimento e Desenvolvimento do Turismo de Abu Dhabi (TDIC), que supervisiona a construção dos novos museus Guggenheim e Louvre – e o Museu Nacional Zayed, do qual o Museu Britânico é assessor cultural –, não está respeitando suas políticas de emprego. Os trabalhadores foram deixados sem recursos devido a taxas de recrutamento ilegais, deportados por queixar-se de salários e fazer greve e alojados em acampamentos semelhantes a favelas. Os imigrantes que constroem a Universidade de Nova York (NYU) em Abu Dhabi, sob um lucrativo acordo separado com o governo do emirado, foram tratados ainda pior.

O grupo de campanha de artistas Gulf Labor in March [Mão-de-obra do Golfo em Marcha] descobriu abusos semelhantes. Um relatório da HRW deverá confirmar as conclusões em janeiro.

A queixa da Ituc, que salientou os abusos em Saadiyat, diz que os Emirados Árabes Unidos, integrantes da OIT, “estão infringindo seriamente suas obrigações legais” na convenção sobre trabalho forçado, que o país ratificou há mais de 30 anos. A confederação acrescenta que o país do Golfo “deixa de manter uma estrutura legal adequada para proteger os direitos dos trabalhadores migrantes” que seja coerente com a convenção e com uma emenda aprovada este ano segundo a qual os signatários a supressão do trabalho forçado. A Ituc culpa o sistema de “kafala”, que exige que os trabalhadores estrangeiros sejam patrocinados por um indivíduo. Os migrantes pobres contraem grandes dívidas com taxas de até 2.500 dólares para obter um visto de seu “kafeel”, ou patrocinador, e seus passaportes e às vezes até seus salários são retidos para impedir que partam.

A OIT pode suspender um país membro se ele se recusar a aceitar seu veredicto. Se a queixa for mantida, seria embaraçoso para os Emirados Árabes, que foram nomeados em junho para o conselho diretor da agência em 2016. A OIT lançou investigações em 2012 e 2013 contra o Catar, que opera o sistema kafala, devido a preocupações sobre os trabalhadores que constroem os estádios para a Copa do Mundo 2022. A secretária-geral da OIT, Sharan Burrow, disse: “Esses países do Golfo, entre os mais ricos do mundo, desenvolvem suas economias com base no sistema kafala, que é a escravidão moderna. Você se torna propriedade do empregador, não tem direito a mudar de emprego, não há respeito sério aos artigos fundamentais da OIT sobre os direitos dos trabalhadores, e você não tem liberdade para sair quando o trabalho se torna insuportável ou as condições de vida são tais que você não pode mais viver com dignidade. Isso tem de terminar”.

Guggenheim A imagem conceitual do Guggenheim de Abu Dhabi, que tem filiais em Nova York, Veneza e Bilbao

A investigação da OIT deveria ser um “chamado de despertar” para os três museus e a Universidade de Nova York, advertência repetida por Nicholas McGeehan, pesquisador do Golfo na HRW, que disse: “É mais uma advertência para a NYU, o Guggenheim, o Louvre, o Museu Britânico e outros de que estão abrindo filiais em um país com um péssimo registro de direitos trabalhistas – e isso terá ramificações como essa investigação. Eles estarão constantemente sob escrutínio até que seus anfitriões coloquem a casa em ordem. E a evidência sugere que não fizeram isso”.

O artista britânico Guy Mannes-Abbott, da Gulf Labor, disse que as instituições ocidentais deveriam ser responsabilizadas por “sabidamente se beneficiarem de brechas na lei internacional e nas convenções trabalhistas”. Ele acrescentou: “O mínimo que deveríamos esperar é que os museus sejam multados para reembolsar as taxas de recrutamento e custos de transporte que os trabalhadores em todas as suas obras foram obrigados a pagar durante o processo até hoje”.

Um porta-voz da TDIC disse que iria “cooperar com todas as entidades relevantes [para] o bem-estar dos trabalhadores”.

Uma porta-voz do Museu Britânico disse que sua equipe havia visitado Saadiyat em 3 de novembro passado e acrescentou: “O bem-estar dos trabalhadores no Saadiyat é importante e estamos satisfeitos com o trabalho que a TDIC implementou lá”.

Um porta-voz da NYU disse que seu campus foi concluído em abril, mas a instituição continua vigilante sobre “todas as supostas e potenciais violações”.

Leia mais em Guardian.co.uk

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