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Ofensiva russa é ilegal, mas tratar o país como inimigo ‘não conduzirá a nada de bom’, diz ex-premiê português

Em entrevista a CartaCapital, José Sócrates refletiu sobre os impactos do conflito sobre a geopolítica mundial. ‘Se antes estávamos em uma guerra fria, agora entramos nela em definitivo’

JOSÉ SÓCRATES:Engenheiro e político português. Foi secretário--geral do Partido Socialista de 2004 a 2011 e primeiro-ministro de Portugal de 2005 a 2011. Escreve quinzenalmente para CartaCapital.
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“A ação russa é absolutamente ilegal. No entanto, eu sempre considerei ser preciso analisar a perspectiva russa de segurança”, afirmou em entrevista ao vivo a CartaCapital o ex-premiê português e José Sócrates.

Apesar de condenar os ataques russos à Ucrânia – uma reação violenta e covarde contra povos que se consideram “irmãos”, diz – Sócrates também criticou a postura da Otan quanto ao alargamento da organização no Leste Europeu, sem considerar os interesses e as preocupações russas.

“Sempre vi isso uma forma de violar um certo entendimento que havia no final da guerra fria e uma violação de um certo compromisso implícito com a Rússia que acabava de ser derrotada nessa guerra. Nunca vi com bons olhos uma expansão para leste que acentuasse uma vitória ocidental e que, de certa forma, humilhasse a Rússia”, declarou, fazendo uma referência aos tratados que colocavam como cláusula a assunção de derrota à Alemanha no fim da Primeira Guerra Mundial.

Para ele, a entrada de países do Leste na Otan deveriam ser negociadas com a Rússia. “Sempre formos contra essa aproximação sem levar em conta o que os russos pensariam sobre isso. Esse é um ponto que deveria ser considerado nas negociações”.

No entanto, após a invasão, Sócrates considera que as preocupações da Rússia com a sua segurança serão ignoradas e que o país será visto unicamente como um agressor, polarizando a região em blocos, assim como feito durante o período da Guerra Fria.

“Essa guerra vai trazer um novo quadro geopolítico ao mundo. Se estávamos em uma guerra fria, entramos nela em definitivo”, afirmou.

Para ele, a invasão também servirá de subsídio para o fortalecimento de um discurso ocidental anti-Rússia.

“A diabolização do Putin não é uma política, pelo contrário, é um álibi para não haver política”, citou.

“Rússia vai ficar muito isolada internacionalmente. A partir de agora teremos uma desconfiança tão profunda que impedirá qualquer tipo de cooperação econômica. Haverá uma retração econômica com prejuízo para os dois blocos”, acredita o ex-primeiro-ministro.

Sócrates refletiu ainda sobre a política de blocos, entendendo que ver, nesse momento, a Rússia como um inimigo, “não conduzirá a nada de bom”, fazendo uma referência a jornais portugueses que adotaram um discurso bélico e vingativo contra Moscou.

Sobre a posição do presidente Jair Bolsonaro, o ex-primeiro-ministro afirma que essa postura somente isolará mais o Brasil de decisões no âmbito internacional.

“A consequência é do Brasil permanecer como um país que não conta para a condução dos assuntos internacionais. O Brasil já não tinha votos e agora não terá mais”, disse.

Para ele, a ida de Bolsonaro à Rússia, na iminência de uma invasão à Ucrânia foi um erro. Além da viagem sem propósitos diplomáticos para tentar distensionar a situação, o posicionamento velado pró-Putin podem afetar as relações entre o Brasil e os Estados Unidos.

“Foi o único do lado ocidental que fez essa manifestação e que foi incapaz de expressar uma condenação do ato de agressão russa. E isso fica para a memória futura”, concluiu.

Sócrates ainda teceu duras críticas à postura norte-americana período anterior a invasão. Para ele, a tentativa de expansão da Otan para o Leste Europeu não considerou os aspectos russos no quesito de segurança territorial.

Ele ainda pontuou que a aproximação da Rússia com a China, neste momento, foi uma derrota estratégica para os Estados Unidos.

“Os EUA permitiram que os dois rivais que eles separaram durante a guerra fria voltassem a se encontrar. E acho que isso foi um erro estratégico por parte dos EUA”, afirmou.

Segundo o ex-primeiro-ministro, durante “mais de 50 anos os EUA tiveram a paciência geopolítica de separa-los, mas a crise ucraniana fez com que se juntassem”. 

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