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O vento frio da Geórgia

A investigação sobre a tentativa de interferência eleitoral no estado é a mais ameaçadora para Trump

O vento frio da Geórgia
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Pressão. Trump e Giuliani constrangeram republicanos e funcionários públicos a alterar de forma fraudulenta o resultado das urnas no estado - Imagem: Andrew Caballero-Reynolds/AFP e Jim Watson/AFP
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Os advogados de Donald Trump têm feito valer o que ganham. Os assessores jurídicos do ex-presidente dos Estados Unidos correram para apagar um incêndio após o outro nos últimos meses, enquanto defendem Trump de investigações sobre a ocultação de documentos secretos em Mar-a-Lago, sua participação na invasão do Capitólio durante seus últimos dias no cargo e duas sondagens sobre seus negócios em Nova York.

O maior perigo legal para Trump pode, no entanto, vir do trabalho silencioso de um júri na Geórgia que ouve evidências de suas tentativas ilegais de anular o resultado da eleição presidencial de 2020 no estado e impedir que Joe Biden assumisse o poder. “É uma ameaça jurídica maior para o presidente e alguns de seus seguidores do que qualquer outra investigação que esteja em curso agora”, disse Ronald Carlson, um dos principais advogados do estado e professor da faculdade de direito da Universidade da Geórgia. “Algumas das possíveis acusações acarretam penas muito sérias.” Segundo Carlson, mesmo que Trump fosse processado por retirar documentos confidenciais da Casa Branca, outras autoridades que desviaram material secreto receberam apenas condenações por contravenção e liberdade condicional, entre elas o ex-diretor da CIA David Petraeus.

As investigações de Nova York, prossegue o advogado, sobre denúncias de fraude financeira estão mais focadas nas empresas de Trump do que no ex-presidente. Ainda não está claro quais acusações criminais, se houver, poderão sair da investigação do Congresso sobre o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio.

O ex-presidente corre o risco de ser punido de forma severa pelos crimes

Mas Carlson disse que a forte evidência do amplo esforço de Trump para reverter sua pequena derrota para Biden na Geórgia, ao pressionar autoridades estaduais a cometer fraudes, coloca o ex-presidente diretamente no centro de uma investigação sobre supostos crimes que acarretam penas mais graves do que aquelas que ele poderá enfrentar nas outras investigações.

Uma análise da Brookings Institution, grupo de pesquisadores em Washington, concluiu que Trump está “em risco substancial de possíveis acusações estaduais baseadas em múltiplos crimes” após o que descreveu como seu “ataque constante” ao processo eleitoral na Geórgia. Entre outras alegações, os promotores parecem considerar leis anticonspiração escritas para combater o crime organizado, que potencialmente acarretam longas penas de prisão. Em Atlanta, a promotora do condado de Fulton, Fani Willis, reuniu um “júri de propósito especial” para passar até um ano focado na tentativa multifacetada de Trump de alterar o resultado da eleição na Geórgia. Willis parece construir um corpo substancial de depoimentos de alguns dos aliados mais próximos do republicano que testemunharam as ações do presidente derrotado e, em alguns casos, intervieram, incluí­do seu advogado e conselheiro Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York. Dois dias antes de testemunhar no mês passado, Giuliani foi informado de que também é alvo da investigação criminal.

O júri também busca o depoimento da senadora Lindsey Graham, ardente convertida a Trump que entrou em contato com autoridades da Geórgia para alterar a votação, e do ex-chefe de gabinete da Casa Branca Mark Meadows. Os advogados disseram que, dado que quaisquer acusações contra o ex-presidente inflamariam ainda mais a política crua dos Estados Unidos, Willis vai querer garantir que tem um caso hermético para evitar acusações de perseguição política. Isso também significa que qualquer decisão de processar pode ocorrer no momento em que a próxima campanha presidencial estiver para decolar, com Trump insinuando que concorrerá novamente.

Processo. Uma comissão do Congresso investiga a invasão do Capitólio – Imagem: Comitê 6 de Janeiro/Congresso dos EUA

As provas apresentadas ao júri são secretas, mas qualquer caso contra Trump provavelmente será construído em torno de uma gravação de sua ligação ao secretário de Estado republicano da Geórgia, Brad Raffensperger, para exigir que ele “encontrasse” votos suficientes para derrubar a vitória de Biden no estado. Quando Raffensperger rejeitou o pedido, Trump fez ameaças vagas de acusá-lo de um crime por não investigar as alegações de que os democratas haviam fraudado a votação. “Você sabe o que eles fizeram e não está denunciando. Você sabe, isso é uma ofensa criminal. E você sabe (que) não pode deixar isso acontecer. É um grande risco para você”, disse o então presidente a Raffensperger.

Trump conversou com outros republicanos da Geórgia, entre eles o governador Brian Kemp e o procurador-geral Chris Carr, para instá-los a contestar a apuração de votos no estado. Eles também resistiram à pressão. Raffensperger e Carr já depuseram ao júri. Kemp resiste a uma intimação.

O então presidente também tentou fazer com que funcionários federais do Departamento de Justiça interviessem. Seus advogados entraram com uma série de ações judiciais com alegações extraordinárias de interferência estrangeira e outras teorias conspiratórias. Todas foram rejeitadas. Quando tudo isso falhou, ­Giuliani e outros fizeram uma falsa declaração de que a lei permitia à legislatura da Geórgia substituir seus integrantes do colégio eleitoral por uma chapa que votaria no presidente derrotado. Os legisladores se recusaram a fazer o mesmo jogo e a campanha de Trump enviou 16 “falsos eleitores” com certificados eleitorais falsos – outra tentativa fracassada de derrubar a eleição replicada em seis outros estados perdidos por Trump.

Willis contou a alguns dos envolvidos na trama dos falsos eleitores que eles são alvo de investigação criminal pelo júri, incluindo o presidente do Partido Republicano na Geórgia, David Shafer, e um senador estadual, Brandon Beach. ­Carlson disse que a combinação das ações de Trump potencialmente equivale a um corpo substancial de evidências de grandes irregularidades. “O foco para este júri é a solicitação de fraude eleitoral. Presumivelmente, a maioria das evidências que eles têm recebido se concentrará nisso. Então haverá declarações falsas ao estado ou a outros órgãos governamentais. A criação de uma lista de eleitores, que assumiu a posição de que Trump tinha vencido a eleição, ficará sob esse tipo de guarda-chuva. Então, provavelmente, teremos o júri analisando conspiração criminosa e violação de juramento.”

Os promotores analisam recorrer a leis que punem o crime organizado para acusar o republicano

Uma combinação de todas ou algumas dessas acusações também poderá abrir caminho para que Trump seja processado por um padrão de atos criminosos sob o estatuto de Organizações Fraudadoras Influenciadas e Corruptas (Rico) da ­Geórgia. Embora o Rico seja mais comumente associado à acusação de crime organizado, Willis o usou sete anos atrás para condenar 11 professores de Atlanta por fraudar notas de exames de seus alunos. O promotor público trouxe um especialista em Rico para a investigação de Trump.

O júri especial poderá reunir-se até maio próximo, dando-lhe tempo suficiente para juntar provas. Mas, ao contrário dos júris regulares, que se reúnem por apenas dois meses e emitem acusações, ele só pode apresentar um relatório recomendando a acusação. Willis deve então decidir se segue essa recomendação e nomear um júri regular para buscar uma acusação contra Trump ou qualquer outro envolvido.

Carlson previu que, se o júri especial recomendar a acusação, a promotora pública seguirá em frente. “Ela é uma defensora muito vigorosa e ousada. Acredito que vá seguir em frente”, disse.

Para a Brookings Institution, se Trump for acusado de um crime, é provável que ele afirme que não pode ser responsabilizado por seus atos como presidente. Mas disse que a defesa provavelmente falhará, pois a isenção de responsabilidade se estende apenas a atos praticados pelo presidente que estavam no âmbito de seus deveres legais. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1224 DE CARTACAPITAL, EM 7 DE SETEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O vento frio da Geórgia”

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