Mundo

O romance de Fernando Morais

‘Os últimos soldados da Guerra Fria’ prendem o leitor até o fim e mostram como os Estados Unidos boicotam a vida em Cuba

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Por Emiliano José*

Faz alguns anos, e perguntaram à jornalista Asne Seierstad, festejada autora de O livreiro de Cabul, como ele definia a atividade dela. “Sou romancista”, respondeu sem pestanejar. Creio que a mesma resposta podia ser dada por Fernando Morais, um dos melhores repórteres do Brasil, talvez o melhor biógrafo e, como Asne, um grande romancista. Como ninguém, fundado rigorosamente nos fatos, ele sabe construir personagens, encadeá-los, construir a trama, e prender o leitor.

Este, se começar a ler um livro dele, não para mais. Ele o toma pela emoção, pela tensão que consegue criar. Alguns poderiam objetar que ele encontra tudo isso nos acontecimentos e fatos que escolhe para escrever. Já seria um mérito, a capacidade de escolher os assuntos. Mas, ele sempre vai além ao produzir os tantos romances-reportagem que já ofereceu aos leitores.

A introdução é para falar, rapidamente que seja, do excelente Os últimos soldados da Guerra Fria, editado pela Companhia das Letras, e cuja primeira tiragem, de 30 mil exemplares, esgotou-se rapidamente. Um texto eletrizante, uma história emocionante que evidencia a que tipo de cerco Cuba está submetida por parte dos EUA.

Não bastasse o bloqueio econômico, conhecido e condenado mundialmente, mas nunca suspenso, o livro revela uma rede criminosa de contrarrevolucionários sediados em Miami, efetuando sucessivos ataques terroristas contra alvos civis, contra cidadãos comuns, tentando inviabilizar o turismo internacional à Ilha.

Diante dos sucessivos atos terroristas, Cuba resolveu agir. E destacou, então, militantes seus para se infiltrar em algumas das mais de 40 organizações anticastristas da Flórida. Exatamente 12 homens e duas mulheres. A Rede Vespa, que começou a surgir em 1990, pretendia apenas e tão somente colher informações, antecipar-se aos ataques e se pudesse prender os mercenários pagos pelos terroristas para entrar em Cuba e cometer crimes contra a população civil. O trabalho da Rede Vespa, enquanto ela sobreviveu, surtiu alguns efeitos, e houve mercenários-terroristas presos e condenados em Cuba como decorrência disso.

O autor revela que a idéia de contar essa história nasceu em setembro de 1998, quando ouviu no rádio do carro a notícia sobre a prisão dos agentes de inteligência de Cuba pelo FBI, minuciosamente relatada por ele, somente agora. Conta que o sigilo sobre a Rede Vespa era tão grande que a imprensa cubana noticiou o caso pela primeira vez em junho de 2001, quando houve a condenação pela Justiça americana. Noticiou assim de raspão, com o assunto permanecendo como segredo de Estado. Só em 2005, num jantar no conhecido restaurante La Floridita, é que o projeto do livro ganhou fôlego, quando o presidente da Assembléia Nacional, Ricardo Alarcón, comunicou ao autor que lhe seria liberada a documentação dos serviços de inteligência da Ilha sobre a Rede Vespa.

É um história de tirar o fôlego – tenho certeza que não exagero. E que o sentimento não está contaminando minha avaliação – não posso negar minha amizade e meu respeito por Fernando Morais. É difícil para quem não conhece Cuba e seu heroísmo para se manter de pé diante do gigante americano, de pé e mantendo a idéia e a prática do socialismo, compreender como é que homens e mulheres se lançam numa empreitada dessas, colocando suas vidas em risco, conscientes de que podiam passar o resto de suas vidas numa prisão americana.

Homens e mulheres que tinham ideais profundos, consciência da necessidade de defender a sua revolução. O autor acompanha cada passo dos agentes cubanos, o sangue-frio que tinham de ter para conviver com bandidos da pior espécie sem dar pistas de suas convicções ou, ao contrário, tendo que demonstrar idéias semelhantes às deles. Como, também, elucida a movimentação e a personalidade dos chefes contrarrevolucionários e, ainda, dos mercenários. Diria que o roteiro de um excelente filme está à disposição com este livro.

Não cabe detalhar nada. O leitor é que deve ir atrás do livro e descobrir tudo que estou dizendo, nem que seja para contrariar. Falo apenas das condenações, daquilo que aconteceu ao final da jornada, depois da prisão deles pelo FBI. Os cinco agentes que se mantiveram absolutamente fiéis à Revolução Cubana – os cinco heróis cubanos, como se pode ler em outdoors espalhados por Havana, eu os vi quando estive na Ilha no final de 2007 – ouviram impassíveis, firmes, a sentença do biólogo David Bucker, representante dos 12 jurados, no dia 8 de junho de 2001, chamado que fora pela juíza Joan Lenard:

-Por unanimidade o corpo de jurados considerou os réus culpados de todos os crimes que lhes foram imputados.

No dia 11 de dezembro do mesmo ano, pouco depois, portanto, do ataque às Torres Gêmeas, a sessão de sentenciamento. Gerardo Hernández Nordelo, o mais importante dos agentes, foi condenado a duas penas de prisão perpétua e mais 15 anos de reclusão. Ramón Labañino à pena de prisão perpétua mais 18 anos. René Gonzalez, 15 anos. Fernando González, 19 anos. Tony Guerrero, condenado à prisão perpétua. Com os recursos feitos pelo advogado Leonard Weinglass em 2009, houve revisão de penas para Tony Guerrero (condenado definitivamente a 21 anos), Fernando González (17 anos e nove meses) e Ramón Labañino (30 anos). Gerardo e René ficaram com as penas iniciais.

Os cinco presos são submetidos a dificuldades adicionais. São muitas as dificuldades impostas pelo Departamento de Estado para a concessão de vistos de entrada nos EUA às mães, esposas e familiares dos cinco. E os cinco estão em prisões diferentes. O que impressionou o autor, além de tudo, foi o bom humor deles, a esperança e a confiança no futuro, especialmente o de Gerardo, com quem conversou na prisão. Prometeu que ainda tomaria uma caipirinha com Fernando Morais em Copacabana, logo que saísse.

Creio que ele poderá sair, mas não na dependência de quaisquer recursos jurídicos usuais. A liberdade deles, e a de Gerardo especialmente, só virá como conseqüência da pressão dos que defendem o direito das nações de se defenderem de ataques de mercenários e terroristas. Finalizo: o romance vale a pena ser lido. Que me desculpem pelo, no caso, indispensável lugar-comum:  Fernando Morais continua a ser um autor imperdível.

 *jornalista, escritor, autor, com Oldack Miranda, de “Lamarca, o  Capitão da Guerrilha” e de “Carlos Marighella, o inimigo número um da ditadura militar, entre outros. É deputado federal (PT/BA).

Por Emiliano José*

Faz alguns anos, e perguntaram à jornalista Asne Seierstad, festejada autora de O livreiro de Cabul, como ele definia a atividade dela. “Sou romancista”, respondeu sem pestanejar. Creio que a mesma resposta podia ser dada por Fernando Morais, um dos melhores repórteres do Brasil, talvez o melhor biógrafo e, como Asne, um grande romancista. Como ninguém, fundado rigorosamente nos fatos, ele sabe construir personagens, encadeá-los, construir a trama, e prender o leitor.

Este, se começar a ler um livro dele, não para mais. Ele o toma pela emoção, pela tensão que consegue criar. Alguns poderiam objetar que ele encontra tudo isso nos acontecimentos e fatos que escolhe para escrever. Já seria um mérito, a capacidade de escolher os assuntos. Mas, ele sempre vai além ao produzir os tantos romances-reportagem que já ofereceu aos leitores.

A introdução é para falar, rapidamente que seja, do excelente Os últimos soldados da Guerra Fria, editado pela Companhia das Letras, e cuja primeira tiragem, de 30 mil exemplares, esgotou-se rapidamente. Um texto eletrizante, uma história emocionante que evidencia a que tipo de cerco Cuba está submetida por parte dos EUA.

Não bastasse o bloqueio econômico, conhecido e condenado mundialmente, mas nunca suspenso, o livro revela uma rede criminosa de contrarrevolucionários sediados em Miami, efetuando sucessivos ataques terroristas contra alvos civis, contra cidadãos comuns, tentando inviabilizar o turismo internacional à Ilha.

Diante dos sucessivos atos terroristas, Cuba resolveu agir. E destacou, então, militantes seus para se infiltrar em algumas das mais de 40 organizações anticastristas da Flórida. Exatamente 12 homens e duas mulheres. A Rede Vespa, que começou a surgir em 1990, pretendia apenas e tão somente colher informações, antecipar-se aos ataques e se pudesse prender os mercenários pagos pelos terroristas para entrar em Cuba e cometer crimes contra a população civil. O trabalho da Rede Vespa, enquanto ela sobreviveu, surtiu alguns efeitos, e houve mercenários-terroristas presos e condenados em Cuba como decorrência disso.

O autor revela que a idéia de contar essa história nasceu em setembro de 1998, quando ouviu no rádio do carro a notícia sobre a prisão dos agentes de inteligência de Cuba pelo FBI, minuciosamente relatada por ele, somente agora. Conta que o sigilo sobre a Rede Vespa era tão grande que a imprensa cubana noticiou o caso pela primeira vez em junho de 2001, quando houve a condenação pela Justiça americana. Noticiou assim de raspão, com o assunto permanecendo como segredo de Estado. Só em 2005, num jantar no conhecido restaurante La Floridita, é que o projeto do livro ganhou fôlego, quando o presidente da Assembléia Nacional, Ricardo Alarcón, comunicou ao autor que lhe seria liberada a documentação dos serviços de inteligência da Ilha sobre a Rede Vespa.

É um história de tirar o fôlego – tenho certeza que não exagero. E que o sentimento não está contaminando minha avaliação – não posso negar minha amizade e meu respeito por Fernando Morais. É difícil para quem não conhece Cuba e seu heroísmo para se manter de pé diante do gigante americano, de pé e mantendo a idéia e a prática do socialismo, compreender como é que homens e mulheres se lançam numa empreitada dessas, colocando suas vidas em risco, conscientes de que podiam passar o resto de suas vidas numa prisão americana.

Homens e mulheres que tinham ideais profundos, consciência da necessidade de defender a sua revolução. O autor acompanha cada passo dos agentes cubanos, o sangue-frio que tinham de ter para conviver com bandidos da pior espécie sem dar pistas de suas convicções ou, ao contrário, tendo que demonstrar idéias semelhantes às deles. Como, também, elucida a movimentação e a personalidade dos chefes contrarrevolucionários e, ainda, dos mercenários. Diria que o roteiro de um excelente filme está à disposição com este livro.

Não cabe detalhar nada. O leitor é que deve ir atrás do livro e descobrir tudo que estou dizendo, nem que seja para contrariar. Falo apenas das condenações, daquilo que aconteceu ao final da jornada, depois da prisão deles pelo FBI. Os cinco agentes que se mantiveram absolutamente fiéis à Revolução Cubana – os cinco heróis cubanos, como se pode ler em outdoors espalhados por Havana, eu os vi quando estive na Ilha no final de 2007 – ouviram impassíveis, firmes, a sentença do biólogo David Bucker, representante dos 12 jurados, no dia 8 de junho de 2001, chamado que fora pela juíza Joan Lenard:

-Por unanimidade o corpo de jurados considerou os réus culpados de todos os crimes que lhes foram imputados.

No dia 11 de dezembro do mesmo ano, pouco depois, portanto, do ataque às Torres Gêmeas, a sessão de sentenciamento. Gerardo Hernández Nordelo, o mais importante dos agentes, foi condenado a duas penas de prisão perpétua e mais 15 anos de reclusão. Ramón Labañino à pena de prisão perpétua mais 18 anos. René Gonzalez, 15 anos. Fernando González, 19 anos. Tony Guerrero, condenado à prisão perpétua. Com os recursos feitos pelo advogado Leonard Weinglass em 2009, houve revisão de penas para Tony Guerrero (condenado definitivamente a 21 anos), Fernando González (17 anos e nove meses) e Ramón Labañino (30 anos). Gerardo e René ficaram com as penas iniciais.

Os cinco presos são submetidos a dificuldades adicionais. São muitas as dificuldades impostas pelo Departamento de Estado para a concessão de vistos de entrada nos EUA às mães, esposas e familiares dos cinco. E os cinco estão em prisões diferentes. O que impressionou o autor, além de tudo, foi o bom humor deles, a esperança e a confiança no futuro, especialmente o de Gerardo, com quem conversou na prisão. Prometeu que ainda tomaria uma caipirinha com Fernando Morais em Copacabana, logo que saísse.

Creio que ele poderá sair, mas não na dependência de quaisquer recursos jurídicos usuais. A liberdade deles, e a de Gerardo especialmente, só virá como conseqüência da pressão dos que defendem o direito das nações de se defenderem de ataques de mercenários e terroristas. Finalizo: o romance vale a pena ser lido. Que me desculpem pelo, no caso, indispensável lugar-comum:  Fernando Morais continua a ser um autor imperdível.

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