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O que explica a divergência nos números de mortes divulgados por Rússia e Ucrânia?

Para Manuel Furriela, ex-coordenador do curso de Relações Internacionais da FMU, as contagens de Kiev são mais improváveis

Foto: Daniel LEAL / AFP
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Por Bruno Penteado e Lorena Lindenberg, em colaboração para CartaCapital

Na quarta-feira 2, a Rússia divulgou seu primeiro balanço de mortes desde o início da guerra com a Ucrânia. O contraste entre as informações russas e ucranianas não poderia ser mais gritante: Moscou afirmou ter perdido 498 soldados, enquanto Kiev declarou que suas forças mataram 7 mil russos (nesta terça 8, os ucranianos já dizem que o número chegou a 11 mil).

A discrepância nos números confunde o público que busca entender o que acontece no leste europeu.

Manuel Furriela, ex-coordenador do curso de Relações Internacionais da FMU, explica que, por serem muito organizados, os militares possuem um censo com o nome de cada combatente. Assim, quando ocorre alguma baixa no conflito, as Forças Armadas de cada país conseguem descobrir a identidade exata de seu soldado abatido, o que viabiliza uma contabilização precisa das perdas.

Com os civis, o cenário é distinto. Neste caso, as mortes são registradas, no primeiro momento, em forma de estimativa, baseada nas técnicas de combate de cada país e em dados de autoridades locais. Para medir as baixas do exército inimigo, prossegue Furriela, os militares costumam saber o tamanho da força que combatem e, por isso, conseguem projetar após o confronto quantos adversários foram abatidos.

No entanto, por mais que os exércitos saibam exatamente quantas perdas foram computadas de seu lado, não possuem a capacidade de apontar com igual precisão o status de seus oponentes. Isso se deve a dois fatores, que, segundo Furriela, são a “guerra de narrativas – porque você quer atribuir uma perda maior ao outro lado para falar que o seu está tendo um desempenho melhor –  e o próprio caos do momento”.

“Você está num momento de guerra, tem combates acontecendo, pessoas se perdendo, corpos que não foram encontrados ainda etc. O caos da guerra justifica ter dados que não são precisos”, diz o especialista. “[O número] é muito diferente de um lado e de outro porque um quer mostrar que o outro teve mais perdas e o outro quer mostrar que teve menos. Então, num momento como este, você não tem a verdade sendo dita.”

Para Furriela, porém, os dados ucranianos são mais improváveis. Para chegar a essa conclusão, ele estabelece uma comparação com o conflito no Afeganistão. Após o fim da ocupação do país, em 2021, estima-se, com base nos dados da Statista, que ao longo de 20 anos Estados Unidos e aliados somaram cerca de 3.407 mortes. Considerando a qualidade do exército russo, semelhante ao norte-americano, o especialista considera pouco crível o número de 7 mil soldados mortos em tão pouco tempo.

Por fim, ele afirma que, nos conflitos militares em geral, os países menos favorecidos pela guerra possuem maior tendência a inflar sua eficácia no combate, a fim de motivar seus soldados e gerar mobilização. Na avaliação de Furriela, o fato de os russos apresentarem superioridade bélica indica que seus dados sobre baixas durante o combate são provavelmente mais precisos que os revelados pela Ucrânia.

“O lado ucraniano, que está sendo menos favorecido, porque tem forças militares mais fracas diante da condição de enfrentar a potência que é a Rússia, tem uma tendência a inflar um pouco mais os dados. O lado que está sendo atacado, principalmente o lado que tem menor capacidade bélica, tem uma tendência, até historicamente, a inflar.”

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