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O que diz o plano de paz de Trump para Gaza
Presidente dos EUA discute com Netanyahu novo plano com 21 pontos para acabar com a guerra na Faixa de Gaza. Veja o que se sabe sobre a iniciativa


Considerando que o presidente dos EUA, Donald Trump, já mentiu uma vez ao alegar recentemente ter encerrado sete guerras desde que chegou à Casa Branca, a nova promessa dele de que vai encerrar em breve a guerra em Gaza deve ser recebida com uma boa dose de ceticismo pela maioria dos analistas.
“Temos uma chance real de ALGO GRANDE NO ORIENTE MÉDIO. TODOS ESTÃO A BORDO PARA ALGO ESPECIAL, PELA PRIMEIRA VEZ. VAMOS CONSEGUIR!!!”, escreveu, em seu estilo peculiar, numa postagem em sua rede social, a Truth Social, no domingo 28.
Trump se referia ao seu plano de 21 pontos, cujos detalhes emergiram no fim de semana, antes do encontro desta segunda-feira na Casa Branca com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. É a quarta reunião dos dois neste ano.
Os pontos essenciais do plano
Em resumo, o plano de Trump cria um caminho para a criação de um Estado palestino, algo que o governo de Israel rejeita com veemência, e apresenta um roteiro para o futuro de Gaza.
O plano, que teve uma versão divulgada na íntegra no sábado pelo jornal The Times of Israel e trechos de uma outra versão publicados pelo diário americano The Washington Post no domingo, exige a libertação de todos os reféns vivos e a entrega dos restos mortais dos que faleceram em troca da libertação de centenas de palestinos mantidos em Israel. Isso deve acontecer 48 horas após Israel concordar com o acordo.
“Assim que todos os reféns forem libertados, Israel libertará 250 prisioneiros que cumprem penas de prisão perpétua, além de 1,7 mil moradores de Gaza detidos após o 7 de Outubro. Para cada refém israelense cujos restos mortais forem retornados, Israel retornará os restos mortais de 15 moradores de Gaza mortos”, diz um dos pontos do acordo, segundo o jornal americano The Washington Post.
O plano também exige a remoção do Hamas do poder e seu desarmamento — o grupo palestino é considerado uma organização terrorista pelo governo alemão, pela UE, pelos EUA e por alguns Estados árabes —, a reforma da Autoridade Palestina (AP), que governa a Cisjordânia, e a promessa de Israel de não lançar novos ataques ao Catar, que tem atuado como força mediadora no conflito.
Outros pontos incluem: a Faixa de Gaza será uma zona desradicalizada e livre de terrorismo; será criado um plano econômico para reconstruir Gaza; EUA e potências regionais lhe darão uma garantia de segurança; ninguém será forçado a deixar o território, e aqueles que optarem por sair poderão retornar.
Além disso, a área deverá ser gerida por um governo de transição “supervisionado por um novo organismo internacional estabelecido pelos EUA”, eventualmente com ex-integrantes do Hamas dispostos a aderir ao plano. Do contrário, membros do grupo poderão deixar Gaza e se exilar no exterior.
O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair foi mencionado em alguns veículos de comunicação como possível líder de uma autoridade de transição para Gaza, segundo a proposta dos EUA. O órgão operaria com o apoio da ONU e dos países do Golfo Pérsico antes de, eventualmente, entregar o controle a uma Autoridade Palestina (AP) reformada.
O plano prevê ainda que as Forças de Defesa de Israel (IDF) interrompam todas as operações imediatamente após haver um acordo e entreguem quaisquer territórios capturados. Israel também deve prometer não ocupar ou anexar Gaza.
Também há garantias planejadas de que a ajuda de agências internacionais poderá chegar a Gaza sem impedimentos de nenhum dos lados, “por meio das Nações Unidas e suas agências, além de outras instituições internacionais não associadas de nenhuma forma a nenhuma das partes”, diz a proposta, na versão divulgada pelo Washington Post.
A redação desse ponto não deixa claro se a controversa Fundação Humanitária de Gaza, que é apoiada por Israel e Estados Unidos, continuará atuando na região.
Como surgiu o plano?
O enviado dos EUA, Steve Witkoff, afirmou em 23 de setembro que Trump havia apresentado o plano numa reunião naquele dia com líderes de países árabes e muçulmanos — Catar, Arábia Saudita, Indonésia, Turquia, Paquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos e Jordânia — na ONU em Nova York. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, não pôde participar do encontro porque teve seu visto negado pelo governo americano.
Numa declaração conjunta, as nações participantes da reunião disseram que “reiteraram seu compromisso de cooperar com o presidente Trump e enfatizaram a importância de sua liderança para o fim da guerra”.
O plano teria sido apoiado pelo Instituto Tony Blair para a Mudança Global, administrado pelo ex-primeiro-ministro do Reino Unido, que está longe de ser universalmente benquisto no Oriente Médio devido ao seu apoio à controversa invasão do Iraque pelos EUA em 2003.
Blair apresentou uma proposta na qual Gaza seria governada pela “Autoridade Internacional de Transição de Gaza”, um órgão governamental que incluiria uma força de segurança multinacional.
O plano vem em um momento de apoio internacional crescente à criação de um Estado palestino, com a adesão recente de potências ocidentais como o próprio Reino Unido, a França e o Canadá — algo que Netanyahu chamou de “decisão infeliz”.
Enquanto Trump tem sido tipicamente otimista em relação ao seu plano, o premiê israelense tem sido mais cauteloso, embora não totalmente contrário. “Estamos trabalhando nele”, disse ele à emissora americana Fox News no domingo. “Ainda não foi finalizado, mas estamos trabalhando com a equipe do presidente Trump.”
Uma autoridade não identificada do Hamas disse à agência de notícias Reuters na sexta-feira que o Hamas não havia recebido o plano. O grupo divulgou um comunicado no domingo em que afirma que vai “considerar de forma positiva e responsável qualquer proposta que chegue dos mediadores, desde que tal proposta proteja os direitos nacionais dos palestinos.”
“Nada está finalizado… são apenas linhas gerais”, disse uma autoridade da região, sob anonimato, ao Washington Post. “Ainda há coisas que precisam ser resolvidas.”
Em mais um sinal das dificuldades que Netanyahu deve enfrentar mesmo que apoie o plano, seu ministro das Finanças, o radical de direita Bezalel Smotrich, evocou nesta segunda-feira uma série de “linhas vermelhas”, alegando que a segurança de Israel depende de “ações, nosso controle do território e de uma aplicação intransigente que depende unicamente dos militares e do nosso aparato de defesa.”
Smotrich também rejeitou qualquer envolvimento da Autoridade Palestina, que governava Gaza até o Hamas tomar o poder em 2007.
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