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Após a morte misteriosa de Alexei Navalny, cresce o temor de eliminação de outros dissidentes na Rússia

Degredo. Kara-Murza (ao lado) teria sido envenenado várias vezes e cumpre pena de 25 anos. Navalny virou o símbolo da violência do regime de Putin – Imagem: Ministério de Relações Exteriores/Lituânia e Remko de Waal/ANP/AFP
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Poucos dias depois da morte do líder de oposição russo Alexei Navalny numa colônia penal, ativistas de direitos humanos e jornalistas alertaram que dezenas de outros presos políticos também podem correr risco de morte, devido ao abuso deliberado de condenados doentes no sistema prisional da Federação Russa. Dmitry Muratov, editor do jornal Novaya Gazeta e vencedor do Prêmio Nobel da Paz, disse a The ­Observer que a morte de Navalny enviou um apelo ao mundo em favor do salvamento dos presos políticos russos, que poderão morrer a seguir. “Não posso mais ajudar ­Navalny”, afirmou Muratov. “Mas há muitos dissidentes lá nas piores condições neste momento… Vou ser franco: várias outras mortes virão.” Na sexta-feira 23, saiu a notícia de que o corpo de ­Navalny havia sido entregue à sua mãe. A antiga porta-voz do ativista, Kira ­Yarmysh, escreveu na plataforma de rede social X que não sabia se as autoridades permitiriam a realização de funeral “como a família deseja e como Alexei merece”.

Entre aqueles que correm perigo mortal, Muratov citou Vladimir Kara-Murza, um destacado crítico do Kremlin condenado à pena de 25 anos por fazer lobby em governos ocidentais para a adoção de sanções contra os principais assessores e aliados de Putin, Igor Baryshnikov, levado à Justiça por publicar “informações falsas sobre os militares russos” e acometido de um câncer de próstata, e Alexei ­Gorinov, sentenciado a sete anos de cadeia por “divulgar conscientemente informações falsas sobre o exército russo”. Gorinov sofre de doença pulmonar crônica e teve um terço do pulmão removido em 2016, denuncia Muratov. Agora na prisão “ele está sufocando, está ficando azul”.

Gorinov foi um dos primeiros russos condenados sob as duras leis que ­Vladimir Putin impôs em 2022 para dissuadir os críticos da guerra. Ele foi acusado após se manifestar contra as propostas de um concurso de desenho infantil e de um festival de dança, apesar da guerra na Ucrânia, onde crianças estavam morrendo, disse Gorinov.

Há quem defenda a troca de prisioneiros entre a Rússia e o Ocidente, para salvar vidas

Amigos e familiares desconfiam que os presos políticos são alvo de maus-tratos. “Acredito que Alexei está sendo morto na prisão”, disse Darya Volya, uma amiga próxima de Gorinov, a The ­Observer. “Morto deliberadamente porque a gravidade do seu estado e sua idade são bem conhecidas. As condições em que ele está detido e a recusa em dar-lhe um tratamento adequado e imediato significam o assassinato muito doloroso de um ser humano, em câmera lenta.”

Segundo Volya, Gorinov já estava com a saúde fragilizada antes de sua prisão, devido às graves consequências da ­Covid-19. Preso, sua condição teria piorado. “Em janeiro, ele escreveu que estava no hospital e que seu corpo nunca passou por tais desafios em toda a sua vida”, disse Volya. “É claro que ele não recebe tratamento adequado, e o local onde é mantido é inabitável: é incrivelmente frio e úmido, e sempre há mais detentos do que a cela pode acomodar.”

Num apelo público, a Novaya ­Gazeta enumerou 13 presos políticos detidos “cujas saúde e vida podem ser salvas se conseguirmos forçar o Estado a abrir as mandíbulas”. Muratov afirma ter pressionado, sem sucesso, a Cruz Vermelha Internacional no ano passado para exigir acesso a Navalny na prisão e, mais tarde, pediu que outros países tentassem trocas por presos políticos russos. Ou agimos assim, afirma, ou poderemos esperar por mais mortes. “Esses são apenas os cidadãos que falaram publicamente sobre o fato de estarem doentes”, acrescenta Vera Chelishcheva, chefe da equipe de reportagem jurídica da Novaya Gazeta. “Há outros milhares de doentes que simplesmente não conhecemos.”

Os presos em casos políticos são muitas vezes maltratados ou negligenciados “intencionalmente”, acusa ­Chelishcheva. “Chegamos tarde demais para Alexei. Mas ainda há uma chance de visitar outros e salvar suas vidas.”

Ilya Yashin, um aliado de Navalny que cumpre pena de oito anos por escrever sobre os crimes de guerra russos em ­Bucha, disse temer que sua “vida esteja nas mãos de Putin”. Ele apelou aos governos estrangeiros para a libertação de Kara-Murza, que disse estar doente e que a “ameaça à vida dele não é apenas real, é fora do comum”.

Mão pesada. Skochilenko pegou sete anos por protestar contra a guerra – Imagem: Alexandra Astakhova/Mediazona

Kara-Murza queixou-se de dormência nas extremidades e outros problemas de saúde, uma aparente complicação por ter sido envenenado várias vezes. “O sistema prisional é completamente impiedoso com ambos”, disse Yashin. “­Alexei e Vladimir não saíram das celas de castigo, foram submetidos a condições de tortura. Ambos enfrentavam sérios problemas de saúde.” Os aliados dos ativistas presos pediram aos governos ocidentais a troca de prisioneiros, incluindo espiões, para garantir a libertação de críticos do Kremlin como Kara-Murza.

Em sua repressão implacável a quem discorda da guerra, o governo russo não só deteve políticos veteranos como Yashin e Kara-Murza, como também perseguiu artistas e criadores como Sasha ­Skochilenko. Em novembro passado, as autoridades condenaram Skochilenko, uma artista e musicista feminista de São Petersburgo, a sete anos de prisão por ter trocado cinco etiquetas de preços num supermercado por mensagens contra a guerra. O julgamento de Skochilenko tornou-se um dos exemplos mais proeminentes da repressão do Kremlin a todas as formas de dissidência, desde o início da guerra na Ucrânia. Ela sofre de doença celíaca e tem um problema cardíaco crônico.

“Sasha não está recebendo tratamento médico adequado”, afirmou sua parceira, Sonya Subbotina. A parceira teme que as condições crônicas de saúde de Skochilenko a levem à morte na prisão. “As condições prisionais de Sasha só vão piorar quando ela for transferida para uma colônia penal”, suspeita ­Subbotina. Skochilenko, de 33 anos, estava “frágil” e tinha depressão e transtorno do estresse pós-traumático, desencadeado por sua prisão, acrescentou Subbotina. “Sasha foi detida por cinco homens que a atiraram violentamente num carro da polícia. Ela tinha hematomas no corpo. Eles também a humilharam durante as buscas em seu apartamento e até ameaçaram estuprá-la. Ela não dorme bem e tem pesadelos constantes.”

Skochilenko continua, porém, desafiadora. “O que vocês dirão aos seus filhos? Que um dia vocês prenderam uma artista gravemente doente por causa de cinco pedaços de papel?”, disse aos promotores numa declaração final no tribunal. “Não tenho medo, e talvez seja exatamente por isso que o governo tem tanto medo de mim e me mantém numa jaula como o mais perigoso dos animais.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1300 de CartaCapital, em 06 de março de 2024.

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