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A vitória nas primárias de New Hampshire consolida a indicação de Trump

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Monopólio. O ex-presidente lidera em todas as faixas de idade, cor e renda do eleitorado republicano – Imagem: Timothy A. Clary/AFP
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A votação de Donald Trump nas primárias do Partido Republicano em New Hampshire ficou abaixo das projeções, mas acima do necessário. Até o fechamento desta edição, no fim da manhã da quarta-feira 24, com cerca de 90% das urnas apuradas, o ex-presidente angariava 54,8% da preferência dos eleitores, contra 42,3% da única adversária ainda na disputa pela indicação, Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora nas Nações Unidas. Nitidamente irritado, Trump dedicou mais tempo a atacar a adversária do que a agradecer ao eleitorado que garantiu sua vitória, a segunda no intervalo de uma semana. “Quem diabos foi o impostor que subiu no palco antes e reivindicou a vitória?”, perguntou, após Haley deixar o palanque. “Ela se saiu muito mal, na verdade.”

Em entrevista à rede de televisão Fox News, o ex-presidente sugeriu que a ex-governadora “deveria” suspender sua campanha. “Se ela não desistir, teremos de desperdiçar dinheiro, em vez de gastá-lo com Biden, que é o nosso foco”, insistiu. Apesar dos apelos, Haley reafirmou, no entanto, a disposição de permanecer na contenda até quando for possível. “A certa altura desta campanha, éramos 14 a concorrer e estávamos com 2% nas sondagens. Bem, eu sou uma lutadora. Agora, somos os últimos ao lado de Donald Trump e hoje conseguimos perto de metade dos votos. Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas seguimos avançando.”

Haley, imagine-se, sabe bem o que vai enfrentar. Trump é um boxeador sempre disposto a socar abaixo da linha da cintura. Ron DeSantis, governador da Flórida que desistiu da campanha às vésperas das primárias em New Hampshire, viu sua campanha sangrar e virar piada em rede nacional. Sentiu na pele os ataques do ex-presidente a tal ponto que nem seus aliados mais próximos estão convencidos de que ele terá força para manter a carreira política. Sondagens de boca de urna realizadas pelo jornal The New York Times mostram que Trump atrai quase todos os grupos demográficos ligados ao Partido Republicano: ele venceu em todas as faixas etárias, entre homens e mulheres, entre eleitores brancos e não brancos. Portanto, a vitória de 2016 não foi por acaso e o eleitor ultraconservador é maior do que se supunha. Apesar do discurso de otimismo de Haley, a história também lhe é desfavorável. Ao longo do tempo, todos os candidatos da legenda vencedores das primárias em ­Iowa e New Hampshire venceram a corrida pela indicação presidencial.

Não por menos, o presidente Joe ­Biden, minutos após a divulgação do resultado, declarou em um comunicado distribuído pela sua campanha acreditar que Trump será seu adversário nas eleições de novembro. “Minha mensagem para o país é que o que está em jogo não poderia ser maior, a nossa democracia. As nossas liberdades pessoais, desde o direito de escolha ao direito de voto. A nossa economia, que registou a recuperação mais forte do mundo desde a ­Covid. Tudo está em jogo.”

Embora estejam em lados opostos, democratas e republicanos concordam: com Trump e Biden na disputa presidencial, a linha que definirá o resultado das urnas será ainda mais tênue em comparação com aquela do embate de 2020. De acordo com o Instituto Gallup, em levantamento divulgado em 9 de janeiro, os dois estão empatados no quesito aprovação e ambos sofreram quedas porcen­tuais em comparação com os números de quatro anos atrás. Biden é visto com bons olhos por 41% dos adultos norte-americanos, 8 pontos porcentuais abaixo da sua avaliação favorável, em outubro de 2020. Trump registra 42%, porcentual ligeiramente inferior aos 45% do mês anterior à eleição em que acabaria derrotado pelo democrata. Ainda assim, o índice está acima de seus momentos de maior baixa, em 2021 e 2022. É como se a régua do eleitor dos EUA exigisse muito menos do candidato republicano e esteja dando sinais, desde já, de que nada poderá tirar de Trump o favoritismo.

Só a Suprema Corte tem o condão de retirar o republicano da corrida presidencial

Processado nas mais variadas instâncias, condenado por estupro, difamação e fraude financeira. Acusado de suborno a uma atriz pornô e de tentativa de fraude eleitoral. Denunciado por liderar a insurreição nos ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, que culminou em cinco mortes, e também no manuseio indevido de documentos sensíveis à segurança nacional, Trump tem uma ficha corrida de fazer inveja aos maiores criminosos do país. O ex-presidente é visto, no entanto, como um mártir pelo cada vez mais radicalizado eleitor republicano.

Desta vez, não há desculpas, todos conhecem Trump e sabem do que ele é capaz. Situação distinta daquela de 2016, quando derrotou a democrata Hillary Clinton. Àquela altura, muitos norte-americanos acreditavam em um acidente de percurso. Não havia resposta objetiva para uma pergunta: como o apresentador de um programa de tevê, herdeiro controverso do ramo imobiliário, com comportamentos e ideias tão abissais, poderia ir tão longe? À véspera do resultado das urnas daquele ano, jornais e revistas chegaram a colocar nas bancas suas publicações com a foto de Hillary ­Clinton eleita, sob o título ­Madam ­President. Na televisão, especialistas defendiam que Trump havia vencido não pelo desejo consciente do eleitorado, mas como forma de protesto diante das políticas de Barack Obama.

O tempo veio mostrar, no entanto, que a opinião pública estava cega diante dos anseios de uma sociedade mergulhada no submundo do Make America ­Great Again, do QAnon e outras bizarrices. Embora tenha falhado miseravelmente em áreas diversas, Trump perdeu por muito pouco as eleições de 2020. Um resultado que não pode ser justificado por uma administração responsável e equilibrada. Ao contrário. Em seus quatro anos como presidente, segundo levantamento de The Washington Post, o republicano emitiu mais de 30 mil afirmações falsas ou enganosas. Também fracassou em cumprir a principal promessa de campanha, a construção do muro que impediria a passagem ilegal de estrangeiros pela fronteira com o México. Dos 1.609 quilômetros prometidos, entregou apenas 177. Sob sua Presidência, os Estados Unidos registraram o maior número absoluto de mortes por Covid-19, cerca de 1 milhão. Apesar de tudo, indicam as pesquisas neste momento, os eleitores não parecem assustados. Querem mais. •

Publicado na edição n° 1295 de CartaCapital, em 31 de janeiro de e interesses.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O partido sou eu’

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