Mundo

Francisco levará seu conceito de “misericórdia” ao Brasil

Revolucionário devido à linguagem simples e simbólica, o papa pode não abordar temas “liberais” como o aborto, mas ele os perdoa. Por Gianni Carta, de Roma

Cartaz com a imagem de Francisco promove a Jornada Mundial da Juventude em missa no Rio de Janeiro, no domingo 14
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De Roma

Na segunda-feira 22, às 4 da tarde, o papa Francisco aterrissará no Rio de Janeiro, onde permanecerá até o dia 29 por conta da XXVIII Jornada Mundial da Juventude. A cidade maravilhosa é o primeiro destino internacional do papa argentino Francisco.

Chega ao Brasil, portanto, um papa diferente de seus antecessores. Ele é revolucionário porque sua linguagem é simples e objetiva. “Sou um papa que veio do fim do mundo”, disse ele do balcão da praça São Pedro, na praça São Pedro, minutos após ter sido eleito.

Mais: ele pretende reformar a cúria romana, o aparato administrativo da Igreja, o banco do Vaticano, um verdadeiro paraíso fiscal para lavagem de dinheiro, e pretende acabar com as máfias de pedofilia e homossexualidade na Igreja Católica. São tarefas no mínimo árduas. O semanário L’Espresso atualmente nas bancas indaga: “Ele conseguirá?”

Segundo Gaetano Lettieri, professor de história de culturas e religião cristã da Universidade La Sapienza, em Roma, a mensagem de Francisco é esta: “para testemunhar Cristo é preciso adentrar a pobreza, quiçá no fim do mundo, do ponto de vista social e econômico”.

Por essas e outras, o papa, consagrado o homem do ano pela revista mensal italiana Vanity Fair, homenagem para a qual ele não dá certamente a mínima visto que é contra o culto da celebridade, esteve recentemente em Lampedusa, pequena ilha ao sul da Bota onde refugiados do norte da África perdem a vida diante de sucessivos governos, a começar por aqueles do ex-premier Silvio Berlusconi, pouco preocupados com o destino do Outro.

Lampedusa, diga-se, é a porta de entrada para o Ocidente.

Lettiteri lembra que “os jesuítas foram missionários na índia e a um certo ponto começaram a falar de Índias internas e Índias externas”. Em suma, os lugares extremos, no fim do mundo, são também internos aos lugares do Ocidente. “Lampedusa é um local remoto, de fim do mundo. O fato de que o papa vá à porta do Ocidente quer dizer que ele se aproxima do outro, seja qual for a sua religião”, diz Lettieri.

A maioria dos refugiados em Lampedusa, vale exprimir, são muçulmanos.

O Rio de Janeiro, no entanto, não foi uma escolha do papa Francisco, precisou o porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi, em uma coletiva à imprensa na quarta-feira 17, mas sim de seu predecessor, Bento XVI.

O padre Lombardi acrescentou: “Estamos todos emocionados com essa primeira grande viagem”.

O motivo?

“É um viagem particularmente significativa ao seu continente”, afirmou o padre Lombardi. O porta-voz, um senhor elegante, articulado e com um apurado senso de humor, acrescentou: “O programa anterior [àquele de Bento XVI] foi adaptado, digamos também intensificado e enriquecido por mais eventos”.

O Santo Padre fez questão de incluir uma peregrinação ao santuário Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, à favela de Varginha, ao hospital São Francisco de Assis na Providência de Deus, e marcou um encontro com o Comitê do Celam, o Conselho Episcopal Latino-americano.

O documento da Aparecida, sublinhou o padre Lombardi, é de grande importância para o papa Francisco. A razão é simples: ele foi seu relator e redator como então cardeal de Buenos Aires. Para resumir, o documento foca nos temas atualmente abordados pelo papa argentino: pobreza, desigualdades sócias e luta contra o narcotráfico. De fato, Lombardi aconselhou os jornalistas a ler o documento, visto que o papa o leva tão a sério que os entrega a todos os líderes latino-americanos – e os aconselha a lê-lo em suas viagens de volta aos seus países.

Entre outros eventos, no sábado 27 à noite, o papa ira ao Campus Fidei, em Guaratiba, onde orará aos jovens. Às 10 da manhã do domingo 28 ele voltará ao Campus Fidei para “celebrar a missa conclusiva das Jornadas”. É então, na missa pela evangelização dos povos, que ocorre o clássico ato do envio: o papa oferecerá uma cruz e um livro de oração e de sinais – são cinco cópias para os cinco continentes.  Em seguida, prossegue o padre Lombardi, anunciará onde será a próxima Jornada Mundial da Juventude.

Durante a coletiva na Santa Sé, o padre Lombardi sublinhou que o papa Francisco (ele prefere ser chamado de arcebispo de Roma), não é o primeiro Santo Padre a visitar o Brasil. João Paulo II (que estabeleceu a Jornada Mundial da Juventude, em 1985) esteve quatro vezes no Brasil, e Bento XVI uma, por ocasião do encontro com o Comitê do Celam.

O papa foi convidado pelos bispos a organizar o evento e a promover a Jornada Mundial da Juventude, e logo após sua eleição, em março, confirmou que compareceria ao evento. A presidenta Dilma Rousseff também o convidou o para o evento no Rio de Janeiro quando de sua vinda a Roma para celebrar a eleição do pontífice. A presidenta receberá o papa no aeroporto, terá um encontro privado com o papa, e estará presente durante a missa de domingo.

Durante a coletiva, o porta-voz do Vaticano havia falado sobre as manifestações no Brasil. “Temos total confiança nas autoridades brasileiras […], e portanto iremos com total serenidade, cientes de que as manifestações não têm nada a ver em específico em relação do papa e da Igreja”, ponderou o padre Lombardi.

Após a coletiva à imprensa, o porta-voz da Santa Sé respondeu algumas perguntas feitas por CartaCapital. Por exemplo: o Vaticano enviou dois automóveis, os papamobili, que servem para proteger o papa, ao Rio. O Vaticano não confia nos serviços de  segurança do Rio? Lombardi: “Confiamos, como disse na coletiva, nas forças de segurança no Brasil, mas esses são os carros do papa. Se ele quiser usá-los para curtas e longas distâncias será sua escolha. Se quiser deixá-los e se misturar ao público, como costuma fazer, será sua escolha”.

Mas ele, Lombardi, não está preocupado com a situação de manifestações que poderia afetar o papa no Brasil?

“Não creio que afeta o papa Francisco”, retrucou.

Indagado se era verdade, como anunciou o diário espanhol El País, de que o discurso do papa havia sido reescrito após o início dos protestos no Brasil, o padre Lombardi retrucou: “Discursos são reescritos constantemente. O papa provavelmente o está fazendo neste momento em que falamos”.

A poucos passos da sala de imprensa da Santa Sé tremula a bandeira brasileira. O novo embaixador brasileiro da Santa Sé responde por Denis Fontes de Souza Pinto. Acabou de chegar ao Vaticano, e domingo parte para o Rio de Janeiro para receber o papa Francisco I na segunda-feira.

O embaixador lembra: “As relações entre o Brasil e a Santa Sé remontam ao início da colonização. O primeiro nome do Brasil foi Terra de Santa Cruz”.

A importância dessa visita do papa Francisco ao Brasil, diz o embaixador brasileiro na Santa Sé, é o fato de ele “conhecer por experiência própria as realidades da América Latina”. A prova disso, continua Souza Pinto, é o fato de o papa ter expandido seu programa no Brasil, inclusive a vista ao santuário nossa Senhora Santa Aparecida.

O embaixador refuta críticas no Brasil de que o Estado, incluindo os governos federal e municipal, estar financiando a vinda do papa ao Brasil. “O papa Francisco é um líder espiritual, mas também um chefe de Estado”. Em miúdos, ele precisa receber a adequada segurança “na maior nação católica do mundo”. Ademais, pelo fato de ser um chefe de Estado, além de espiritual, e que por tabela atrai multidões maiores do que aquelas para outros líderes mundiais, o papa merece uma proteção redobrada.

Para Souza Pinto, o papa Francisco só poderá trazer ao Brasil “uma mensagem de paz, de caridade e de inclusão”.

“O papa tem tudo a ver com o espírito acolhedor do brasileiro”, finaliza o embaixador.

Certos grupos dizem que o papa reforça o conservadorismo da Igreja Católica. Ele não aborda temas como o aborto, homossexualidade e direitos das mulheres. Mas, como diz Lettieri, o acadêmico, “é claro que o papa não pode se tornar favorável ao aborto”, um dogma da Igreja Católica. De fato, o atual papa, ao contrário de seus antecessores, diz que esses são assuntos para os políticos. No entanto, ele fala em  misericórdia, e todos os atos considerados como pecados pela Igreja podem ser superados “por uma lógica do perdão”.

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