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O Natal de Maduro

O governo retira a ameaça de invasão da embaixada da Argentina após o exílio de Edmundo González

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O Natal de Maduro
Ironia. Maduro cumprimentou González pela decisão de deixar o país e desejou uma boa vida na Espanha ao opositor – Imagem: Juan Barreto/AFP e Redes sociais
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A ameaça de invadir a embaixada da Argentina em Caracas, sob custódia do Brasil desde a expulsão dos diplomatas de Javier Milei, e capturar opositores lá abrigados soa, a esta altura, como uma estratégia de Nicolás Maduro para atingir um outro objetivo, a saída do país de Edmundo González, adversário do atual presidente nas eleições de 28 de julho. Refugiado no escritório de representação dos Países Baixos, González tinha contra si um mandado de prisão por ter se recusado a depor em um inquérito aberto pelo Ministério Público para investigar crimes de usurpação de funções da autoridade eleitoral, falsificação de documentos oficiais, incitação de atividades ilegais, sabotagem de sistemas e associação criminosa. Todos associados à divulgação, pela oposição, de supostas atas eleitorais que comprovariam a derrota de Maduro e à convocação de protestos contra a diplomação do chavista para um novo mandato de seis anos.

Após uma negociação intermediada pelo ex-primeiro-ministro socialista ­José Luiz Zapatero, González desembarcou em Madri, onde ficará asilado. Sem esconder o sarcasmo, Maduro felicitou o concorrente em um evento público: “Todo o meu respeito pela decisão que tomou. Posso dizer ao embaixador ­González Urrutia, com quem tenho entrado em choque desde 29 de julho, que entendo o passo e o respeito”.

Mais uma vez, o presidente venezuelano, cuja vitória eleitoral continua a ser contestada pela maioria dos países ocidentais, usou o Brasil como escada. No sábado 7, diante do cerco à embaixada argentina e da escalada das ameaças do governo, Celso Amorim, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, se disse “chocado” com o comportamento do país vizinho. “Acho extremamente estranha a atitude da Venezuela, figura corrente do direito internacional é a proteção de interesses. Não tem cabimento. Claro que tem repercussões políticas. O Itamaraty respondeu corretamente e lamentamos muito a situação.” Um dia antes, o presidente Lula voltara a criticar Maduro em entrevista à rádio Difusora de Goiânia. “É um comportamento que deixa a desejar”, afirmou. “Estamos em uma posição, Brasil e Colômbia. A gente não aceitou o resultado das eleições, mas não vou romper relações e também não concordo com a punição unilateral, o bloqueio. O bloqueio não prejudica o Maduro, prejudica o povo e eu acho que o povo não deve ser vítima disso.”

O Brasil viu-se, de novo, no centro da disputa entre situação e oposição

Seja pela resposta brasileira, seja por mero cálculo, o cerco à embaixada argentina, onde estão abrigados seis dissidentes, acabou suspenso no domingo 8, depois de González chegar à Espanha. A energia foi restabelecida e os encapuzados que ameaçavam invadir o prédio deixaram as imediações. O procurador-geral, William Saab, também anunciou o fim das investigações contra o diplomata de carreira. “Nas próximas horas, nos próximos dias, estabeleceremos a forma, o horário, a maneira e o local sobre como este caso será encerrado judicialmente”, declarou à rede de tevê CNN. Aparentemente, o governo venezuelano aposta em um refluxo da tensão política com o exílio do candidato de oposição. A ver. Mentora de González, Maria Corina Machado recusa-se, por ora, a deixar o país e promete manter a “luta” e a mobilização em busca do poder. Em entrevista ao G1, ­Machado pediu a Lula que seja mais incisivo nas críticas a Maduro. “Precisamos que a comunidade internacional, especialmente o Brasil e o presidente Lula, eleve suas vozes para que termine a repressão.”

Na terça-feira 11, o Palácio Miraflores voltou a mirar os Estados Unidos. Yván Gil, ministro das Relações Exteriores, acusou o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, de anunciar “de forma grosseira e vulgar” um golpe na Venezuela. “Os seus planos foram pulverizados pelo voto e pela unidade e mobilização cívico-militar-policial”, declarou Gil, em resposta às críticas de Blinken ao asilo de González. Segundo o assessor de Joe ­Biden, a fuga é “resultado direto das medidas antidemocráticas” de Maduro.

Enquanto mantém a pressão sobre os opositores e tenta acalmar os ânimos internos, após um mês e meio de conflitos que deixaram um rastro de 27 mortos, 200 feridos e 2,4 mil presos, o presidente venezuelano busca maneiras de desviar a atenção. Em entrevista ao canal oficial ­Globovisión, Maduro anunciou a antecipação do Natal para 1° de outubro, em “homenagem e agradecimento” ao povo venezuelano e em comemoração às “boas perspectivas econômicas. “Nada, nem ninguém, vai evitar a paz no país”, afirmou. Não é a primeira vez que o chavista antecipa as festas natalinas. Em 2013, o objetivo era fazer frente à crise financeira, em 2020 e 2021, combater o baixo astral provocado pela pandemia de Covid-19. Comemorar a data mais cedo não se restringe a produzir um efeito simbólico, psicológico, ou enfeitar ruas e casas. Em princípio, as empresas e o setor público ficam autorizados a antecipar o bônus pago aos trabalhadores, uma maneira de ampliar a circulação de dinheiro e adiantar o aquecimento da economia. A dúvida é saber se a ­Venezuela está em clima de festa. E se, para a oposição, Maduro aparecerá como ­Papai Noel ou como o Grinch. •

Publicado na edição n° 1328 de CartaCapital, em 18 de setembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O Natal de Maduro’

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