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O mistério do MH370 vai ao cerne de nossos medos

O desaparecimento do avião da Malaysia Airlines levanta a ideia incômoda de que talvez não devêssemos voar

Militares malaios fazem busca pelo avião perdido
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Por Stephanie Merritt

O site humorístico The Onion disse tudo na quinta-feira. Segundo ele, a investigação sobre o destino do voo MH370 foi ampliada “para incluir não apenas as possibilidades de falha mecânica, erro do piloto, atividade terrorista ou sequestro malogrado, mas também o âmbito maior do espaço, tempo e lugar da humanidade no universo”.

Está certo brincar sobre o que poderá se transformar em uma enorme tragédia? Talvez uma combinação de humor negro e teorias da conspiração seja a nossa resposta instintiva para a confusão que cerca um incidente como esse. Mas um incidente como o quê? Especialistas de todos os costados repetem a expressão “sem precedentes”, e é exatamente essa sensação de mistério que nos mantém colados ao noticiário 24 horas, aguardando o próximo capítulo. Aposto que não há um escritor de suspense no mundo que não esteja desejando, com sensação de culpa, que tivesse sonhado um roteiro como esse.

Pensávamos viver em um mundo tão envolvido por vigilância digital e pegadas eletrônicas que seria praticamente impossível um indivíduo desaparecer totalmente, quanto menos um jato internacional. A história do sumiço do MH370 teve todas as características de um livro de suspense na última semana: as distrações, a desinformação, os passageiros suspeitos, as ramificações políticas maiores. No entanto, no centro de todas as teorias e contra-alegações, permanece um buraco negro: o avião continua desaparecido.

Sendo uma aerofóbica crônica, fiz ao longo dos anos vários cursos destinados a ajudar as pessoas a superar o medo, a maioria deles baseada na ideia de que saber é poder. Pilotos comerciais e engenheiros de aviação com mais de 30 anos de experiência se posicionam diante de cem fóbicos trêmulos e explicam pacientemente por que seus piores pesadelos simplesmente não podem acontecer na aviação moderna.

Na última vez em que fui a um desses, um ano atrás, as pessoas perguntaram sobre falhas no sistema, brechas de segurança, perda de energia, incêndios, despressurização, colisões em pleno ar, choques com aves, falta de treinamento dos pilotos, falhas no trem de pouso (nós, fóbicos, temos uma imaginação vívida). Nossos pilotos, com milhares de horas de voo e de treinamento entre elas, nos tranquilizaram sobre todos os pontos. A tecnologia da aviação, tanto no solo como na aeronave, é tão sofisticada hoje que é quase impossível que ocorra alguma coisa adversa sem que uma série de sistemas de apoio entre em ação.

Não adianta discutir as estatísticas: hoje é mais seguro voar do que nunca. No entanto, parece que um avião inteiro pode desaparecer dos céus simplesmente acionando-se um interruptor para cortar as comunicações. Nenhum de nós pensou em perguntar isso.

Os aeroplanos exercem um poder único em nossa imaginação. É por isso que tantos filmes de desastres começam com um acidente aéreo ou são ambientados em um avião com defeito. É por isso que os terroristas os visam — para ter um impacto máximo. Talvez seja a combinação de poder e audácia que eles representam: uma espécie de complexo de Ícaro, o simples medo de que na verdade não deveríamos fazer isso, e portanto devemos ser punidos.

Na ausência de fatos, nossa obsessão pela história se alimenta da incerteza, e é isso que The Onion satirizou. Que um objeto do tamanho de um 777, equipado com todos os instrumentos de navegação e de comunicação modernos, possa simplesmente desaparecer sem deixar vestígios é um mistério que nos remete imediatamente às lendas sobre o Triângulo das Bermudas.

Stephanie Merritt escreve livros de suspense com o pseudônimo SJ Parris

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