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O México na contramão das Américas

[vc_row][vc_column][vc_column_text] A esquerda caminha para a vitória. Mas as atitudes de Trump tanto impulsionam sua campanha quanto dificultarão seu governo Começou oficialmente a campanha para as eleições presidenciais mexicanas, marcadas para 1º de julho. Pela primeira vez, a esquerda é franca favorita. Não há segundo […]

Obrador, o favorito
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A esquerda caminha para a vitória. Mas as atitudes de Trump tanto impulsionam sua campanha quanto dificultarão seu governo

Começou oficialmente a campanha para as eleições presidenciais mexicanas, marcadas para 1º de julho. Pela primeira vez, a esquerda é franca favorita.

Não há segundo turno e Andrés Manuel López Obrador, conhecido no México pela sigla AMLO e apoiado por uma aliança de seu partido Morena (Movimento de Regeneração Nacional, herdeiro do nacionalismo de esquerda de Lázaro Cárdenas) com o PT mexicano (socialista) e o Partido Encontro Social (conservador e evangélico, paradoxalmente), aparece à frente em todas as pesquisas de março, com uma média de 42% dos votos válidos e até 55% em uma delas.

Ainda segundo as pesquisas de março, essa aliança deve ser a mais votada nas eleições para deputados, com quase 40% das preferências. Isso supõe uma reviravolta no Congresso mexicano, onde hoje seu partido está hoje em quarto lugar, com apenas 50 dos 500 deputados.

Nas pesquisas, a frente de esquerda tem em média 42% dos votos válidos

AMLO chegou muito perto da vitória em 2006, quando obteve 35,3%, contra 35,9% do vitorioso Felipe Calderón, do PAN, resultado que deixou a suspeita de fraude e foi contestado na Justiça, pois AMLO esteve à frente na apuração e a virada só se deu depois de contados 97,5% dos votos. Mas todas as pesquisas da época indicavam um empate técnico, ao passo que agora a diferença para o segundo colocado é de 15% dos votos válidos na média das pesquisas, chegando em uma delas a mais de 30%. É uma margem grande demais para ser manipulada.[/vc_column_text][vc_column_text]Em tese, a única maneira de derrotar AMLO seria uma aliança do PRI, hoje no governo, com o PAN e a desistência de um dos seus candidatos em favor do outro. O PRI, aliado ao Partido Verde (conservador e supostamente ecologista) e à Nova Aliança (liberal), tem como candidato José Antonio Meade, ex-ministro do governo de Enrique Peña Nieto, com uma média de 22% nas intenções de voto. O PAN, aliado aos teoricamente social-democratas PRD e Movimento Cidadão, tem 26% com o ex-presidente do partido, Ricardo Anaya.

Há ainda uma quarta candidata, Margarita Zavala, ex-esposa de Felipe Calderón que, inconformada com os rumos do PAN e com sua marginalização dentro do partido, se lançou como candidata independente, com 7% das intenções de voto. Outros candidatos não obtiveram o número mínimo de assinaturas para se candidatar, inclusive a líder indígena María de Jesús Patricio Martínez, apoiada por indigenistas, pelos zapatistas e pela esquerda radical.

Se sequer foi possível unificar o PAN, muito mais difícil seria uni-lo ao PRI, com o qual tem uma rivalidade de décadas. É uma manobra muito improvável apesar dos apelos do escritor peruano-espanhol Mario Vargas Llosa, que no afã de defender o legado neoliberal do governo de Enrique Peña Nieto, cometeu em entrevista a um site mexicano a frase mais estúpida de sua carreira: “O fato de mais de cem jornalistas terem sido assassinados é, em grande parte, culpa da liberdade de expressão que existe hoje e permite a jornalistas dizerem coisas que antes não diziam”.

O crescimento explosivo da violência, especialmente dos assassinatos políticos frequentemente perpetrados contra jornalistas que criticam ou investigam políticos ligados ao PRI ou ao PAN suspeitos de corrupção e ligação com o narcotráfico, é apenas uma das razões pelas quais os mexicanos dão as costas aos partidos tradicionais.

É um dos aspectos mais visíveis da desintegração dos laços sociais e comunitários, resultado do desmantelamento das estatais e da legislação trabalhista para atender aos interesses de transnacionais e atrair investimentos e da destruição da agricultura tradicional após e a abertura do mercado às importações de produtos norte-americanos pelo Nafta em 1994: 4,9 milhões de camponeses foram expulsos do campo, enquanto o trabalho sazonal na agroindústria de exportação gerou apenas 3 milhões de empregos.

Esses sacrifícios atraíram linhas de montagem de automóveis e eletrodomésticos e criaram uma indústria “maquiladora” de produtos para o mercado norte-americano, mas neste quase quarto de século o crescimento da renda per capita foi medíocre (1% ao ano, ante uma média de 1,4% na América Latina), os salários reais continuam no mesmo nível de 1980, a pobreza aumentou e o desemprego só não explodiu porque continuou aberta a válvula de escape da migração para o norte. Se o México tivesse simplesmente mantido a média de crescimento dos anos anteriores ao Nafta, hoje teria uma renda per capita superior à de Portugal ou da Grécia.[/vc_column_text][vc_empty_space height=”16px”][vc_gallery interval=”3″ images=”42188,42186,42187″ img_size=”full”][vc_column_text]E como se não bastasse, Donald Trump, desde o início de sua campanha, acusou o México de explorar os poderosos e riquíssimos Estados Unidos, ameaçou pôr fim ao Nafta se não fossem cortadas as modestas vantagens obtidas pelos mexicanos em alguns setores industriais, exigiu do governo mexicano que pagasse por um muro destinado a impedir seus próprios cidadãos de emigrarem, os chamou de criminosos, estupradores e narcotraficantes e prometeu deportá-los aos milhões.

Por sugestão do então ministro da Fazenda Luis Videgaray, ansioso por agradar a um possível futuro presidente, Peña Nieto não só humilhou a si mesmo ao convidar o então candidato a visitar o país em agosto de 2016 e permitir-lhe repetir seus impropérios preconceituosos ao lado do chefe do Estado mexicano sem lhe dar resposta, como impulsionou sua campanha ao deixá-lo posar como estadista ousado.[/vc_column_text][vc_column_text]Videgaray foi afastado dias depois, mas nomeado chanceler às vésperas da posse de Trump. Se isso foi feito com a esperança de que sua boa vontade para com o republicano lhe amenizasse a hostilidade para com os mexicanos, foi em vão. Ao longo de 2017, Trump demonstrou que esse discurso não era retórico de campanha e sim plano de governo.

Se não rompeu com o Nafta no primeiro dia de governo, como chegou a ameaçar durante a campanha, foi provavelmente por sentir que não era o momento de criar caos nas indústrias estadunidenses que tinham incorporado o México às suas linhas de montagem, mas desde então recusou todas as propostas desse país e do Canadá sobre a revisão do acordo e fez exigências inaceitáveis, com a visível intenção de sabotá-lo.

Nas últimas semanas, o discurso antimexicano de Trump se exacerbou. Mais que a frustração por ainda não ter conseguido do Congresso a verba para a construção do muro na fronteira, parecem pesar as investigações do FBI sobre as conexões de sua campanha eleitoral com o governo russo, as atenções de fiscais e da imprensa aos negócios obscuros de sua família (principalmente do genro Jared Kushner) e as embaraçosas acusações da atriz pornô Stormy Daniels sobre as tentativas do presidente de calá-la sobre seu passado relacionamento.

A ansiedade por desviar a atenção da mídia e dos eleitores desses assuntos também leva Trump a lançar ataques públicos e gratuitos a jornalistas da CNN e NBC, à Amazon, aos democratas e até ao seu próprio Departamento de Justiça.

O México e os mexicanos continuam o alvo favorito de Trump, por mobilizar os ódios e preconceitos de suas bases

Depois de ter passado algum tempo tentando um acordo com os democratas para aprovar verba para o muro juntamente em troca da regularização dos cerca de 800 mil jovens imigrantes desamparados pela revogação da DACA (Ação Adiada para os Chegados na Infância, em inglês), passou subitamente a repudiar qualquer concessão sobre os imigrantes e, na falta do muro, ordenou à Guarda Nacional patrulhar a fronteira, uma medida de natureza tão demagógica quanto a intervenção militar ordenada pelo governo Temer no Rio de Janeiro.[/vc_column_text][vc_empty_space height=”16px”][vc_single_image image=”42192″ img_size=”full”][vc_column_text]

Peña Nieto e Trump (Foto: AFP)

[/vc_column_text][vc_empty_space height=”10px”][vc_column_text]Que isso exacerbe o nacionalismo mexicano, hoje representado apenas pela esquerda, não parece estar entre suas preocupações. Mas cria um clima ideal para a campanha de AMLO. Meade, o candidato do PRI ligado ao grupo de Videgaray, é inseparável do nefasto governo de Peña Nieto e seu servilismo ante Washington e as transnacionais.

Anaya, o candidato do PAN, está pessoalmente envolvido em um evidente caso de lavagem de dinheiro. Comprou um terreno de um amigo empresário por meio milhão de dólares e dois anos depois o vendeu de volta por 3 milhões. E ao aliar-se ao PRD, dissidência do PRI que nos anos 1990 foi o principal partido da esquerda mexicana, amarrou-se a um cadáver em decomposição.

Dominado por fisiologismos locais, o partido perdeu AMLO em 2012 e em 2014 foi deserdado pelo próprio fundador, Cuauhtémoc Cárdenas, após o caso Ayotzinapa, quando 43 estudantes que protestavam em Iguala foram sequestrados e executados por policiais e narcotraficantes a serviço do prefeito do PRD, aliado do governador do mesmo partido.

Dentro da lógica, a vitória de AMLO tornou-se praticamente inevitável. Não se deve perder de vista, porém, que a perspectiva de vitória da esquerda e o domínio dos meios de comunicação por oligopólios e monopólios conservadores, notadamente a Televisa, devem fazer desta uma campanha extraordinariamente suja, com o apoio habitual de bilionárias fundações estadunidenses e consultorias com especializadas na manipulação das redes sociais.

Tudo é possível: o México tem precedentes tanto para acusações forjadas quanto para assassinatos de candidatos presidenciais. Contrariar os investimentos feitos nos últimos anos para voltar a América Latina para a direita não será coisa simples – e mais difícil ainda será governar contra uma máquina governamental hostil e uma provável guerra econômica movida pelos EUA, que exigiria um esforço inédito de redirecionamento da economia e das exportações.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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