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O imperialismo isolacionista de Trump

Favorito republicano espera poder contar com os bônus de dirigir a maior potência mundial sem arcar com nenhum ônus

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Pode uma superpotência imperialista abrir mão de suas responsabilidades, isolar-se do mundo e dominá-lo ao mesmo tempo?

Donald Trump se propôs a essa quadratura do círculo ao expor sua política externa na quarta-feira 27 no discurso intitulado America First (“Primeiro os EUA”), título que além de uma proximidade desconfortável com o Deutschand über alles (“Alemanha acima de tudo”) do hino do III Reich, recorda mais diretamente (ou mesmo propositalmente) o America First Comitee, lobby isolacionista criado em 1940 para tentar impedir Washington de intervir na II Guerra Mundial e mesmo de dar apoio material ao Reino Unido.

Embora a organização tenha sido apoiada por pacifistas sinceros (e ingênuos), tinha como porta-voz o aviador Charles Lindbergh, cujo discurso era abertamente antissemita e filonazista.

Enquanto promete que os EUA serão um “amigo e aliado confiável”, Trump adverte que os países por eles protegidos terão de pagar o custo da “proteção” ou se defenderem sozinhos.

Por exemplo, Coreia do Sul e Japão deveriam providenciar suas próprias bombas atômicas como dissuasão contra a Coreia do Norte, como sugeriu em outra ocasião, o que significa abrir mão de qualquer esperança de conter a proliferação nuclear.

Da mesma maneira, os sócios europeus da OTAN, caso queiram manter essa organização que ele considera obsoleta, deveriam assumir a maior parte das despesas e, portanto, pagar pelos soldados, aviões, navios e mísseis dos EUA estacionados na Europa sem deixar de se submeter à sua liderança.

Fala de “aliados no mundo muçulmano” enquanto continua a acusar indiscriminadamente todos os seguidores do islã como terroristas em potencial. E seu isolacionismo abre uma exceção para Israel e seus interesses, pois atacou Barack Obama por esnobar e criticar o governo de Benjamin Netanyahu enquanto trata o Irã com “amor terno”.

Voltou a ameaçar com guerras comerciais e rompimento de tratados para negociar condições mais favoráveis aos EUA e promete conquistar o respeito da China e da Rússia. Promete não se envolver em intervenções para “construção de nações”, mas pretende um papel de “pacificador” internacional.

Contradição ainda mais direta comete o discurso ao dizer no início que “temos de ser imprevisíveis e começar desde já” e no fim que “a melhor maneira de alcançar nossos objetivos é por uma política externa disciplinada, deliberada e consistente”.

O discurso aparentemente agradou seus acríticos seguidores, mas seu presumível objetivo de conferir estatura de estadista ao pré-candidato fracassou ante o restante da mídia estadunidense e mais ainda na Europa. Longe de se impressionar, os aliados europeus se alarmaram com a reafirmação de uma estratégia tão tosca e inconsistente.

O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, o criticou abertamente: “nenhum presidente dos EUA poderá fugir à realidade transformada da arquitetura de segurança mundial e America First não é uma resposta a isso. Por um lado, ele afirma que fará os EUA fortes de novo. Por outro lado, enfatiza sua retirada do mundo. Estes dois lemas não parecem se encaixar”.

Peritos ouvidos pela Deutsche Welle foram ainda mais incisivos: “Como europeu, ouvi a versão americana de Le Pen, Orban e demais populistas europeus que querem nos fazer crer que a cooperação e interdependência são as fontes de todos os males”, disse Josef Janning, chefe do escritório de Berlim do Conselho Europeu de Relações Exteriores. 

“Eu fiquei, confesso, com uma vaga sensação de náusea”, disse Federiga Bindi, detentora da cátedra Jean Monnet de integração política europeia na Universidade de Roma Tor Vergata. “Trump é o populista definitivo, ele conseguiu misturar elementos de America-über-alles, ultra-pacifismo, o militarismo exacerbados e incompetência”.

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