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O fim da era James Bond

O jornalista português José-Manuel Diogo lança no Brasil livro sobre a história das principais agências de inteligência internacionais

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Quando escreveu As Grandes Agências Secretas há dois anos, o jornalista José-Manuel Diogo não previa a escalada de denúncias de espionagem praticadas pelos Estados Unidos por meio da NSA, Agência Nacional de Segurança. A obra, dedicada a esmiuçar os êxitos e os fracassos da CIA, KGB, Mossad e outras cinco agências de inteligência internacionais, é lançada no Brasil em meio ao calor das notícias sobre a bisbilhotagem norte-americana à presidenta Dilma Rousseff e à Petrobras. Profissional de comunicação corporativa há 20 anos, Diogo decidiu aprofundar-se no tema pois considerava ser uma das últimas oportunidades para se escrever um livro histórico sobre os espiões clássicos. Na entrevista, ele comenta sobre as mudanças atuais na espionagem, as diferenças entre a CIA e a NSA, a peculiaridade do caso chinês e o atraso da inteligência brasileira. “Como posso ser a sétima economia do mundo, estar na ONU ou no G20 votando contra os Estados Unidos, mas continuar a ter uma inteligência do século passado?”

CartaCapital: O senhor atuou por 20 anos na comunicação corporativa. Seu trabalho foi uma inspiração para abordar a história das principais agências de inteligência?

José-Manuel Diogo: Claro. Eu passei toda a minha vida bolando histórias para os meus clientes, para empresas, para os políticos, com a preocupação em criar, sem mentiras, uma narrativa melhor para os seus interesses. Mas e quando se pode mentir? Cheguei então aos agentes secretos. Seria como o lado B da minha profissão, a não-ética.

CC: E por que escrever sobre o assunto?

JMD: O trabalho das agências como foi até os anos 1990 nunca será igual. Foi a última oportunidade de escrever um livro histórico sobre o assunto. Aquele espião romanceado de “Casablanca”, “James Bond” ou “Missão Impossível”, aquele cara sensual e atlético, não vai existir mais. O novo espião é um “geek”, um “nerd”, nunca vai ao ginásio, usa óculos e consegue navegar no Tor, que dá acesso à rede anônima da internet. É o caso do Edward Snowden.

CC: Na introdução de seu livro, você comenta como a CIA sempre teve sua existência propagandeada pelos presidentes americanos, enquanto a NSA era chamada de “No Such Agency”, algo como “agência inexistente”. Agora as atividades da NSA estão sendo desveladas. Para o governo americano, seria melhor a agência continuar a ser desconhecida do grande público?

JMD: Eu não sei quais outras NSAs não estão sendo criadas pelo governo americano no momento. A CIA e a NSA têm funções completamente diferentes no Estado, mas elas não são totalmente determinadas pelo Estado. A CIA sempre esteve envolvida em tentativas de matar presidentes, buscou acabar com o comunismo, teve uma postura proativa. Ela foi usada pelos governos como uma panela de pressão e uma válvula de escape, para poder ser a Geni da história. Mas tem outras organizações, como a NSA, que assumem esse tipo de espionagem mais secreta. Que outras? Quantas outras? Não sei.

CC: O senhor menciona em seu livro uma piada americana sobre o serviço de inteligência chinesa, o MSS. Para estudar uma praia com 100 mil grãos de areia, os russos mandariam uma equipe de agentes frios e atléticos ao local, enquanto a CIA usaria satélites. No caso chinês, a inteligência enviaria 100 mil turistas, que trariam para casa um grãozinho de areia cada. Como explicar essa piada? Os chineses são espiões-voluntários?

JMD: Qual foi o plano chinês nas últimas décadas? Dominar o mundo. Isso parece teoria da conspiração, mas não é. Eles precisam dominá-lo, eles necessitam de alimentos e de recursos energéticos para o crescimento econômico sustentável e o de sua população. Para tanto, tinham de adquirir conhecimento. Como a diáspora chinesa é a maior do mundo, cada chinês que deixa o país aprende a recolher informações, escrevê-las e enviá-las às autoridades. Os chineses chegaram a um ponto onde eles não precisam mais copiar, eles inovam. Mas para chegar a esse ponto, ao perderem a Revolução Industrial e com o atraso promovido pela Revolução Cultural, o primeiro passo foi se especializar em contrafação, em copiar produtos estrangeiros.

CC: Como é a inteligência em Portugal atualmente?

JMD: Podemos fazer um paralelo com o Brasil. A inteligência em regimes totalitários, tanto o de Salazar como o da ditadura brasileira, tinham um papel muito importante. Mas, ao fim das ditaduras, as agências de inteligência dos regimes são banidas e mal vistas. Aqui no Brasil, o que aconteceu com a Serviço Nacional de Informações, o SNI, é o mesmo que ocorreu com a Polícia Internacional e de Defesa do Estado, a PIDE. Ninguém queria ouvir falar de espiões. Foram criados então os Serviços de Informação Portugueses, o SIS. Os espiões do SIS são como os brasileiros da Abin, eles não têm porte de arma e não podem dar ordem de prisão. Seriam os espiões “light”.

CC: Por que não abordar o caso brasileiro, visto que a obra ganhou uma edição voltada para o público daqui?

JMD: Como vou falar do Brasil no clima atual de espionagem? Agora sai notícia todo dia. Tem um pedido no site da Abin por recursos para contratar 200 novos agentes, saiu há pouco tempo. Essa luta do Brasil contra a espionagem revela seus defeitos. Como posso ser a sétima economia do mundo, estar na ONU ou no G20 votando contra os Estados Unidos, mas continuar a ter uma inteligência do século passado?

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