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Nem em casa

A popularidade de Netanyahu despenca em Israel, apesar do apoio maciço ao massacre em Gaza

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Só a mídia brasileira gosta do primeiro-ministro – Imagem: Kobi Gideon/Gabinete do Primeiro Ministro/Israel
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Depois de quatro meses ­terríveis, a guerra ­Israel-Hamas prolonga-se e Tel-Aviv parece mais isolada do que nunca. Os protestos em massa nos campi universitários dos Estados Unidos e nas ruas do Reino Unido nas primeiras semanas da guerra deram lugar ao apelo da África do Sul ao Tribunal Internacional de Justiça, no qual acusa o governo israelense de genocídio. Os Estados Unidos, o melhor amigo de Israel, passaram de uma pressão discreta para reduzir a escala da guerra e permitir mais ajuda humanitária a Gaza a impor sanções aos colonos violentos na Cisjordânia e pressionar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para um cessar-fogo. Até o príncipe William do Reino Unido pediu o fim dos combates.

Essa pressão global não comoveu muito os israelenses. Em uma pesquisa realizada em meados de janeiro pela Universidade de Tel-Aviv, mais de metade dos judeus entrevistados pensava que ­Israel usava a quantidade certa de força, mas outros 43% disseram que não tinha usado o suficiente. Numa pesquisa recente realizada pelo Instituto de Democracia de Israel, a maioria era contra um acordo político detalhado para acabar com a guerra, e dois terços se opunham à ajuda humanitária a Gaza. São dados preocupantes, embora refletidos nas tendências entre o público palestino, cujas pesquisas mostram um apoio elevado ao ­Hamas e aos ataques de 7 de outubro.

A maioria das sociedades apoia um esforço de guerra. Mas há razões pelas quais os israelenses parecem imunes à crescente condenação internacional, para não mencionar o desastre humano em Gaza, que vão além das manifestações habituais em tempo de guerra. Em primeiro lugar, os israelenses estão simplesmente arrasados pelo 7 de outubro, dia que têm revivido desde então, juntamente com novos traumas da guerra. Os estrangeiros muitas vezes culpam os meios de comunicação locais pela cobertura insuficiente do sofrimento humano em Gaza, mas isso não toca o ponto principal: os israelenses recuaram para dentro. A mídia está simplesmente hiperfocada em seu público.

A confiança da população na derrota do Hamas caiu de 75% para 58%

Horas de noticiário são dedicadas todos os dias a histórias individuais de soldados mortos na guerra, civis deslocados do norte ou do sul, testemunhas e sobreviventes do dia 7 de outubro ou seus familiares. Ligue o rádio a qualquer hora e a conversa mais comum é: “Conte-nos sobre seu filho/marido/irmão morto em Gaza. Quem era ele?” A resposta nunca é “Meu pai era…”; é sempre “Papai era…”. Israel é uma sociedade muito pessoal, todo mundo quer ouvir sobre as qualidades especiais do falecido, o sorriso contagiante, a animação da festa. O tempo restante do noticiário é repartido entre matérias sobre a guerra, a política, o orçamento e questões sociais divisórias. As notícias internacionais, mesmo sobre ­Israel, podem ficar escondidas na mistura.

Não é que os israelitas não se importem com as posições globais. Os protestos globais, particularmente as audiências no Tribunal Internacional de Justiça, os abalaram – de raiva. A conclusão deles não é que a guerra de Israel foi longe demais, é sobretudo que suas suspeitas de que o mundo está sempre contra eles se confirmaram. Isso aumenta a sensação de ameaça existencial, um medo latente e constante antes do 7 de outubro, visceralmente inflamado desde então. Os cidadãos árabes, logicamente, revelam pontos de vista radicalmente diferentes em relação à guerra nas pesquisas, e não podem ser analisados em conjunto com as tendências dos israelenses judeus.

Algo tem mudado, porém, nas atitudes dos israelenses em relação à guerra. Pesquisas do Instituto de Estudos de Segurança Nacional mostram uma queda na confiança na própria guerra. De um pico de mais de 75% da população judia em novembro, hoje apenas 58% pensam que Israel pode alcançar todos ou a maior parte de seus objetivos de guerra. Em uma sondagem realizada em fevereiro pelo Instituto de Democracia de Israel, apenas uma minoria, 39% de todos os israelenses, pensa haver uma probabilidade elevada ou muito elevada de “vitória absoluta”, como prometeu o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Menos confiantes na aniquilação do Hamas, os israelenses criticam o governo por colocar os reféns em segundo plano – Imagem: Jack Guez/AFP

Provavelmente, não são Joe Biden, o príncipe William ou a Corte Internacional os responsáveis por mudar a opinião interna, ao menos não exclusivamente. Acredito que eles estejam preocupados com o que está acontecendo de errado na região. Os israelenses veem que o Hamas não foi destruído e continua a lutar. Enquanto escrevo este artigo, quase cinco meses depois, os tons estridentes dos aplicativos de alarme anunciam o lançamento de foguetes no sul. Relatos de que o mentor do Hamas, Yahya Sinwar, fugiu da cidade para o Sinai e levou com ele reféns podem ou não ser verdadeiros, mas ele, definitivamente, não está morto. E, após uma breve euforia quando as Forças de Defesa de Israel libertaram dois sequestrados num ataque militar, as famílias estão desesperadas com a possibilidade de seus entes queridos morrerem antes de ser libertados num acordo que nunca acontece.

Suas preocupações sobre os resultados da guerra indicam outra dinâmica predominante na opinião pública: ao contrário da maioria dos outros países, que se reúnem em torno de seus líderes em tempos de guerra, todas as pesquisas mostram que o apoio israelense ao seu governo despencou desde 7 de outubro. Três manifestações realizadas todos os sábados à noite há semanas contam a história. A maior delas é liderada pelas famílias dos reféns e mobiliza multidões da corrente dominante política, exigindo que o governo dê prioridade à libertação dos reféns, mas evitando uma mensagem abertamente antigoverno. O segundo é um grupo crescente originário do enorme movimento pró-democracia e antigovernamental de 2023. Esses manifestantes apelam aberta e furiosamente à derrubada do governo, e milhares lotam todas as semanas uma praça no centro de Tel-Aviv. Num canto afastado da praça está o terceiro grupo, um pequeno número de ativistas que protesta contra a guerra, apoia o cessar-fogo e se opõe à ocupação por Israel. Poucos lhes dão atenção.

Juntos, os manifestantes têm, no entanto, somado forças. Alguns bloquea­ram à noite a principal rodovia que sai de Tel-Aviv. Os protestos se espalharam para Jerusalém, na residência do primeiro-ministro, ou em sua casa particular em Cesareia, e outros locais. A pressão externa, provavelmente, não mudará a opinião dos israelenses por si só. Mas pode aumentar a imagem que o público tem de sua liderança como fanática, corrupta, letalmente incompetente, disposta a sacrificar a democracia e os reféns, enquanto transforma o país e sua população em párias globais. Em algum momento, assim como votaram neste governo ruinoso, os próprios israelenses terão de expulsá-lo. •

*Dahlia Scheindlin é analista política baseada em Tel-Aviv. É autora de The Crooked Timber of Democracy in Israel, ed. De Gruyter.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


Sem autoridade

Primeiro-ministro palestino renuncia ao cargo

Shtayyeh está de mãos atadas – Imagem: Thomas Kienzle/AFP

A falta de legitimidade da ­Autoridade Palestina, impotente diante dos ataques de ­Israel à Faixa de Gaza, ficou mais patente na segunda-feira 26. O primeiro-ministro, Mohammad Shtayyeh, filiado ao Fatah, renunciou ao cargo que ocupava desde 2019. “O novo momento exigirá acordos governamentais e políticos que levem em conta a realidade emergente na região, bem como a necessidade urgente de um consenso palestino”, afirmou o ­ex-premier, antes de defender a ­extensão da presença da ANP por todo o território. A ­demissão ainda precisa ser aceita pelo líder da Autoridade, Mahmoud Abbas. À agência de notícias Reuters, Sami Abu Zuhri, integrante da cúpula do ­Hamas, que ­disputa o poder com o ­Fatah, afirmou: “A renúncia só faz ­sentido se ocorrer um acordo de ­consenso nacional sobre os preparativos para a próxima fase de Gaza”. O ­primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, voltou a rejeitar a criação de um Estado palestino.

Publicado na edição n° 1300 de CartaCapital, em 06 de março de 2024.

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