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Napolitano poderá definir o futuro da Itália

O presidente reeleito nomeará um líder para formar um governo, ou convocará novas legislativas

Giorgio Napolitano, reeleito presidente. Foto: AFP
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Raramente um presidente italiano teve tanto poder quanto Giorgio Napolitano. O cargo do presidente da República é simbólico, visto que o premier (presidente do Conselho de Ministros) é quem segura as rédeas da política na Bota.

O primeiro mandato de sete anos do presidente Napolitano, de 87 anos, expira em 15 de maio. Napolitano, mais conhecido como “Rei Giorgio”,  o comunista preferido do ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, é o primeiro presidente a ser reeleito na Itália neste sábado 20.

Embora não detenha tantos poderes como o premier italiano, o presidente da República da Itália nomeia o primeiro-ministro e dissolve o Parlamento. No entanto, nos últimos seis meses de seu primeiro mandato Napolitano enfrentou restrições constitucionais que não lhe deram os poderes para dissolver o Parlamento, e, por tabela, para convocar novas legislativas.

E, em uma Itália dividida desde as legislativas de fevereiro, vencidas por Pier Luigi Bersani, o líder esquerdista do Partido Democrata (PD), este incapaz de formar um governo porque não obteve a maioria no Senado, o novo presidente teria justamente a árdua tarefa não confrontada por Napolitano: a de escolher um novo líder para formar um governo, ou a de convocar novas legislativas.

Sem governo, e, até sábado 20, sem um futuro presidente, a Itália continuava (e por ora continua) a ser liderada por Mario Monti, um tecnocrata instalado no cargo de premier por Napolitano, no final de 2011.

O caos político na Itália é preocupante para o Velho Continente.

De saída, um país ingovernável posterga as reformas econômicas que deveriam colocar em ordem suas finanças. A dívida pública da terceira economia da UE – de 123,5% do Produto Interno Bruto –, a maior em valor absoluto do bloco econômico, poderia ter desastrosos efeitos para toda a Zona do Euro.

Por essas e outras, o pleito presidencial tinha uma importância determinante para o futuro do país.

A eleição foi iniciada na quinta-feira 18, mas parlamentares e representantes municipais não tinham conseguido eleger um presidente em cinco turnos. Isso até este sábado, quando Napolitano se recandidatou no sexto turno do pleito presidencial – e foi reeleito sem maiores dificuldades.

Eis o problema que assolava a Bota. As eleições para um presidente, em tese um homem apartidário (a despeito de suas inclinações ideológicas), e a seguir regras constitucionais, haviam se tornado políticas.

De fato, para Pier Luigi Bersani, o líder do PD, o fiasco do pleito presidencial foi a gota d’água. Na sexta-feira 19, após ter proposto dois candidatos rejeitados à presidência, o último deles sendo o ex-premier Romano Prodi no quarto turno, Bersani informou que renunciaria após a eleição do novo presidente.

É compreensível a frustração de Bersani.

Não somente o líder do PD não conseguiu formar um governo, mas se viu forçado a fazer um pacto com o inimigo que responde por Silvio Berlusconi, ex-premier mais longevo do pós-Segunda Guerra Mundial e líder direitista da coalizão Povo da Liberdade (Pdl). Nas últimas legislativas, o Pdl obteve a maioria no Senado.

Bersani optou por um pacto com o diabo porque não conseguiu formar um governo com Beppe Grillo, ex-comediante de 64 anos que se metamorfoseou no mais lido blogueiro da Itália, e é o líder do Movimento Cinco Estrelas (M5S).

Com 163 eleitos no Parlamento, a vasta maioria dos internautas a integrar o M5S se desconhecem e não participam, como seu líder, de debates televisivos. A internet é o principal meio de comunicação com o eleitorado dos grillini, os grilinhos. Os grilinhos propõe, entre outros, um referendo para tirar a Itália da Zona do Euro. Seu objetivo-mor, contudo, é acabar com os partidos políticos e com a velha guarda.

Nesse mar revolto, Bersani tinha esperanças de que poderia colocar a casa em ordem.

No primeiro turno da eleição presidencial (primeira derrota de um candidato de Bersani), na quinta-feira 18, o líder do PD havia proposto Franco Marini, um proeminente católico do PD e ex-presidente do Senado.

E, assim, fez um acordo com Berlusconi, que julga Marini um “moderado”. Eventualmente Bersani e Berlusconi poderiam, sob o ex-presidente do Senado como presidente da República, formar um governo.

No entanto, a ala rival de Bersani no PD, encabeçada por Matteo Renzi, o prefeito de Florença de 38 anos, alertou que não votaria no conservador Marini.

Marini foi derrotado também porque não seduziu os grillini, cujo candidato responde pelo nome de Stefano Rodotà, um jurista progressista de 80 anos.

Rodotà é respeitado pela esquerda porque é incorruptível, mas não tem a estatura de outros candidatos como Romano Prodi, Giuliano Amato, ou Massimo d’Alema, três outros ex-candidatos e ex-premiers de esquerda de renome internacional.

Na verdade, a escolha do jurista foi uma provocação do líder do M5S, que se recusou a formar um governo com Bersani.

No quarto turno, Bersani estava convencido que Prodi, ex-chefe da Comissão Europeia, obteria a maioria absoluta, o suficiente para sua eleição, ao contrário dos três primeiros turnos, quando dois terços dos votos são necessários.

Com o apoio da esquerda radical, o Professor, como é conhecido Prodi, obteria, pelo menos é o que lhe garantiam os parlamentares esquerdistas, 504 votos, a maioria absoluta.

Estava descartada, é claro, a hipótese de Grillo ou Berlusconi, este rival de Prodi, votarem no Professor.

Prodi recebeu apenas 395 votos favoráveis. Com sua costumeira dignidade, Prodi pediu demissão da corrida presidencial. Bersani fez o mesmo.

Faz sentido a decisão de Bersani: um em quatro integrantes do PD não votou em Prodi – e, portanto, ficou transparente que o líder do PD não tem controle sobre sua própria legenda.

No entanto, a renúncia de Bersani mergulha a Itália em um abismo ainda mais profundo. Prodi teria sido um bom presidente.

A questão, com a reeleição de Napolitano, é se ele poderá tirar a Itália do precipício.

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