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“Não existe espaço para um Bolsonaro na Argentina”, diz escritor
Ariel Goldstein afirma que as fake news não devem ter influência nas eleições argentinas como tiveram no Brasil
O sociólogo argentino Ariel Goldstein, especializado em política brasileira, foi o autor do primeiro livro no mundo sobre Jair Bolsonaro, depois de eleito presidente. Bolsonaro, a democracia do Brasil em perigo foi lançado em março, em Buenos Aires.
Desde então, Goldstein passou a acompanhar os reflexos do governo do ex-militar na região, sobretudo na Argentina, que entra agora na corrida eleitoral. O país vizinho foi o que mais condenou militares pelos crimes durante a última ditadura.
“Acho que não existe espaço para um Bolsonaro na Argentina porque o consenso da fundação da democracia argentina rejeita os militares. As organizações de direitos humanos têm muita força. Embora haja uma direita evangélica crescente na Argentina e economistas liberais ganhem fôlego, não é possível um ex-militar – nem mesmo um candidato com um partido tão pequeno como o de Bolsonaro – chegar à Presidência”, sentencia o sociólogo.
Em visita de Estado à Argentina em junho, o presidente brasileiro apelou à “responsabilidade dos argentinos” para evitarem que o país “se torne uma Venezuela”, em alusão a eventual retorno de Cristina Kirchner ao poder. A campanha eleitoral argentina começa oficialmente dentro de uma semana. Bolsonaro voltará a Buenos Aires no próximo dia 16.
Bolsonaro, cabo eleitoral de Macri
Para Goldstein, o apoio eleitoral de Bolsonaro pode servir para Macri consolidar o voto conservador e dar um sinal de que também fará as reformas que o mercado espera, num eventual segundo mandato. “Bolsonaro vai tentar associar Cristina com a Venezuela. Isso pode servir para Macri dizer que o mundo não quer que a Argentina volte ao passado, mas Bolsonaro gera muita rejeição na Argentina pelo que ele representa, especialmente no que se refere à reivindicação da ditadura, que é algo chocante para o público argentino”, avalia Goldstein.
Mas poderia o “kirchnerismo” tentar associar a imagem de Macri com a de Bolsonaro e os dois com a repulsa que os argentinos têm pelos militares? “Não acredito que a Cristina Kirchner possa atacar o Macri associando-o com Bolsonaro. A Argentina vai precisar ter uma boa relação com o Brasil, a maior economia da América Latina, independentemente de quem ganhar as eleições”, acredita Goldstein
De fato, nesta semana, Alberto Fernández, o candidato de Cristina Kirchner disse que “não há nenhuma outra possibilidade a não ser estar bem com o Brasil que elegeu um presidente”. “Eu respeito a decisão do povo brasileiro. Com o Brasil, só podemos estar unidos”, disse Alberto Fernández, que, ao mesmo tempo, pediu: “Que o Bolsonaro continue falando mal de mim. Ele não sabe o favor que me faz”, cutucou.
Imagem de Bolsonaro na Argentina
Para o sociólogo argentino que mais estudou Bolsonaro, a imagem do presidente brasileiro na Argentina varia de acordo com o segmento social. “Para os estudantes e professores universitários, a imagem é péssima. Há uma alta rejeição devido às declarações machistas, homofóbicas e todas as demais. Mas, por outro lado, Bolsonaro pode gerar alguma admiração no campo da política de repressão, de fortalecer a segurança pública. Essa ideia de combater com força a criminalidade pode gerar admiração nos setores populares”, pondera.
Vice de Macri defende militares
Mas eis que surge um novo discurso na Argentina, a favor de rever o papel dos militares na sociedade. Essa retórica vem de Miguel Ángel Pichetto, escolhido pelo presidente Macri para ser o seu candidato a vice. Pichetto defende a renovação das Forças Armadas porque “a ditadura já acabou”.
“Esse discurso do Pichetto em relação às Forças Armadas é novo na política argentina. Nenhum político dos partidos tradicionais tem adotado um discurso em defesa das Forças Armadas. Isso obedece à pretensão de preservar o voto conservador dentro da coligação de governo e tem a ver com a vitória do Bolsonaro no Brasil”, indica Goldstein.
Cristina aprendeu com erros de Lula
Segundo o sociólogo, a oposição liderada pela ex-presidente Cristina Kirchner aprendeu com o erro do Partido dos Trabalhadores de insistir com a candidatura de Lula. Em maio, ela desistiu de concorrer à Presidência e escolheu bem cedo no seu lugar, Alberto Fernández, enquanto Kirchner fica como candidata a vice.
“O PT insistiu, até o último momento, com a candidatura do Lula, que estava preso. A Cristina Kirchner entendeu que precisava colocar um candidato cedo. Colocou o Alberto Fernández para que ele tenha tempo de fazer campanha e de receber a transferência dos votos da Cristina”, compara.
Experiência brasileira com fake news
Na comparação com a corrida eleitoral brasileira, surge a ameaça das fake news. O sociólogo não vê na Argentina uma reprodução do que aconteceu no Brasil e avalia que as notícias falsas terão menos capacidade de penetração entre os eleitores argentinos.
“A sociedade brasileira tem um baixo índice de leitura de jornais, ao contrário da argentina. O público argentino é mais politizado, acompanha mais a situação política nacional”, afirma. “Essa diferença no consumo de notícias a partir dos jornais pode ser uma contenção contra fake news na Argentina. Acredito que existe o risco, mas não será tão influente como foi na eleição brasileira”, aposta.
O livro sobre Bolsonaro é o segundo que Ariel Goldstein lança sobre a política brasileira. Há dois anos, lançou o “Imprensa tradicional e lideranças populares no Brasil” no qual estuda a postura dos jornais brasileiros O Estado de S. Paulo e O Globo durante os governos de Getúlio Vargas e Lula.
“A conclusão é que a imprensa brasileira concorre com essas lideranças populares pela definição da agenda. Essas lideranças falam muito sobre pobreza e sobre desigualdade no Brasil, enquanto a imprensa fala muito mais sobre a honestidade e sobre a corrupção dessas lideranças”, constata. “Essa concorrência pela definição da agenda política é uma reiteração que eu observei nesses dois momentos históricos do Brasil”, sublinha Goldstein.
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