Entre croissants e baguetes, os leitores do Le Monde iniciaram a manhã do sábado 1° servidos por uma alentada cobertura das eleições presidenciais brasileiras do dia seguinte. A chamada de capa ultrapassava a descrição objetiva dos fatos para se transformar em um apelo: Au Bresil, un vote crucial pour le pays et le climat (No Brasil, um voto crucial pelo país e pelo clima). “O impacto dessa eleição é mundial, pois Bolsonaro conduziu uma política deliberadamente antiambiental”, descreveu o diário francês. “O Brasil, que concentra 15% da biodiversidade mundial, viu a floresta amazônica se reduzir.” Da Champs-Élysées à Alexander Platz, da Piazza del Popolo à Trafalgar Square, os europeus interessados nos destinos da maior nação ocidental do Hemisfério Sul ecoavam o sentimento de mudança que soprava do Atlântico. No domingo 2, o impressionante fluxo de imigrantes eleitores fez da “festa da democracia” uma penosa via-crúcis em Lisboa e Paris. Filas intermináveis e a desorganização com ares de sabotagem foram um teste à paciência. “Sou brasileiro e não desisto nunca”, evocou um senhor que havia três horas encorpava a serpente humana enrolada no prédio da Faculdade de Direito da capital portuguesa. Outros, menos ingênuos ou resilientes, acharam melhor desistir diante da incapacidade de encontrar o fim (ou o começo) daquilo tudo. Um longo dia de espera e conjecturas. Quando o sol se punha na Europa, Ásia e Oceania, os ventos pareciam, no entanto, confirmar a manchete do Le Monde. Pelo país e pelo clima. Urnas contabilizadas no exterior, Lula venceu em 21 países, o ex-capitão, em 8.
“O Brasil não é para principiantes”, disse certa vez Tom Jobim. A esta altura, nem para profissionais, alguém poderia acrescentar. Desde a manhã da segunda-feira 3, a mídia internacional tenta decifrar a escolha dos eleitores brasileiros e expressa temores em relação ao futuro. Il Fatto Quotidiano aponta o risco de Bolsonaro jogar lenha na fogueira, “ateando fogo nas praças e acelerando seus ataques sem tréguas para desacreditar o Tribunal Superior Eleitoral”. O Washington Post concorda: “O país mergulhará agora no que pode ser seu momento politicamente mais incerto, desde que deixou o jugo da ditadura. O medo que muitos sentiam ao entrar nesta eleição – medo da violência, medo do futuro – só aumentará nas próximas semanas”. A revista The Economist, porta-voz do dinheiro globalizado, que havia apontado em edições anteriores o pendor autocrático do ocupante do Palácio do Planalto, o “Trump dos trópicos”, e classificou o resultado do primeiro turno de “vitória com gosto de derrota”, voltou ao tema: “Isso terá implicações no longo prazo. Mesmo que Bolsonaro perca a Presidência, o bolsonarismo parece uma força que chegou no Brasil para ficar. O segundo turno será um teste para as instituições brasileiras. Especialmente se Lula vencer por uma margem estreita, e Bolsonaro se recusar a aceitar o resultado”. Outra publicação britânica, The Guardian, diametralmente oposta ao pensamento liberal de The Economist, não conseguiu disfarçar a perplexidade diante das eleições para a Câmara dos ex-ministros Eduardo Pazuello e Ricardo Salles. Após descrever o atual presidente como “um ex-capitão do Exército que atacou repetidamente as instituições e vandalizou a reputação internacional” do País, o jornal prossegue: “Pazuello foi ministro da Saúde durante o auge da pandemia que levou a mais de 685 mil mortes no Brasil. Ex-general, ele promoveu curas charlatãs como a hidroxicloroquina. Salles, por sua vez, foi o ministro do Meio Ambiente que comandou o forte aumento do desmatamento na Amazônia. Uma investigação da Polícia Federal o acusa de dificultar a apuração de crimes ambientais”.
Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.
Já é assinante? Faça login