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Na Venezuela, a militarização avança

Forças Armadas sempre tiveram papel de peso na política venezuelana, mas militarização da esfera pública alcança níveis alarmantes

Nicolás Maduro, o presidente da Venezuela, durante discurso em 2 de setembro
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“O Equador é um convento, a Colômbia é uma universidade, e a Venezuela é um quartel.” A frase, atribuída ao herói da independência sul-americana Simón Bolívar (1783-1830), continua valendo cerca de dois séculos depois.

Sempre parece haver motivo para evocar tais características supostamente dominantes no perfil desses países. A Venezuela, por exemplo, passa há 15 anos por um processo de militarização, indicando que Bolívar tinha razão.

“Já faz um século que o Exército exibe um alto nível de organização. Se agora consegue se fundir com o partido do governo – o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o grupo político mais forte atualmente –, será muito difícil saber ao certo quem detém as rédeas do país: os civis ou os uniformizados”, diz o especialista Víctor M. Mijares, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), salientando que a fusão cívico-militar é o objetivo da elite chavista.

Neste ano, várias iniciativas da ala “bolivariana revolucionária” apontaram para essa direção: a militarização das operações para reprimir os protestos contra o governo; a criação da Brigada Especial contra as Atuações dos Grupos Geradores da Violência (BEGV), com objetivos similares; o incentivo à vigilância e à delação entre cidadãos mediante a figura do “patriota cooperativo”; a decisão judicial que aprovou a participação dos militares em atos político-partidários e a promulgação de uma nova lei de alistamento militar.

O serviço militar é obrigatório para pessoas físicas e jurídicas – entre os 18 e os 60 anos – e não tolera objeções de consciência. Quem não se inscreve não pode tirar carteira de motorista nem receber título universitário ou posto de trabalho no setor público ou privado. “Se impõe, assim, a noção de cidadão combatente, subordinado, sem possibilidade de dissidência, à figura do presidente, que é comandante das Forças Armadas”, diz o especialista Ivo Hernández, da Universidade de Münster.

“A isso se soma a pretorianização [militarização] do Exército, sua instrumentalização para alcançar as metas de um regime, como se faz nas ditaduras. Como se isso não bastasse, com a ajuda do regime castrista em Cuba, cruzar a informação proporcionada por esse novo alistamento militar com a de outras bases de dados permitirá ao governo venezuelano saber quem é quem, o que faz com determinadas pessoas, onde, quando e para quê. E isso propicia um controle quase total sobre a população. É uma situação muito grave”, acrescenta Hernández. O especialista considera que, para os venezuelanos, isso significa a perda da condição de cidadãos. “O que militariza uma sociedade não a civiliza.”

A Constituição de 1999 deu aos militares o direito ao voto, mas não à militância política. Por isso, algumas das novas prerrogativas da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) – cujo nome por si só já é polêmico, devido a suas implicações ideológicas – são consideradas inconstitucionais.

“Houve atos do PSUV do qual participaram oficiais ativos uniformizados, e já se prevê que os militares concorram a cargos em eleições”, diz Mijares. “Essa seria una anomalia num sistema que ainda se diz democrático”, acrescenta.

Segundo o cientista político, o que se busca com tudo isso é a consolidação de uma verdadeira aliança cívico-militar – representada por uma fusão do PSUV com a FANB como partido hegemônico, um partido vermelho e verde-oliva com capacidade máxima de mobilização. “Um partido como esse seria muito difícil de tirar do poder, tanto pela via pacífica como pela força, porque governo e Estado teriam se fundido numa única entidade”, afirma.

  • Autoria Evan Romero-Castillo (ip)

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