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Na Tunísia, uma esperança para a Primavera Árabe

A princípio, o partido Ennahda encontrou uma forma de fazer o islã político conviver com a democracia. Até quando ela vai durar?

Moncef Marzouki, o presidente da Tunísia, exibe a nova Constituição da Tunísia
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No fim de 2010, a Tunísia foi o local de nascimento de um improvável acontecimento: as primeiras manifestações populares da história do mundo árabe que conseguiram derrubar governos. Mais de três anos depois da queda de Zine el-Abidine Ben Ali, o sonho da Primavera Árabe se degenerou em novas ditaduras, guerras e intervenções estrangeiras. Na Tunísia, entretanto, o início de 2014 vem acompanhado de boas notícias. O país parece ter encontrado uma fórmula para iniciar a conciliação entre um regime democrático com o islã político, movimento que busca organizar os países por meio de uma matriz islâmica.

Nesta segunda-feira 27, o presidente da Tunísia, Moncef Marzouki, assinou em Túnis a nova Constituição do país, aprovada no domingo 26 com 200 votos dos 216 possíveis. A carta tem diversos problemas, como não determinar o fim da pena de morte, mas é considerada a mais progressista do Oriente Médio. O texto estabelece uma divisão de poder entre o presidente e o primeiro-ministro, prevê igualdade entre homens e mulheres e liberdade de expressão e afiliação. Mais importante, a Constituição da Tunísia não estabelece a sharia, a lei islâmica, como fonte de legislação, mas reconhece o islã como religião oficial da nação. Há também um artigo a proibir “qualquer ataque ao sagrado”, visto como abertura para justificar punições de fundo religioso, mas outras salvaguardas do documento tornam a criminalização da blasfêmia mais difícil.

Como a Tunísia conseguiu chegar a este texto sendo que o partido islâmico Ennahda é majoritário no Parlamento? Por meio de um compromisso pela coexistência.

Em 2013, a Tunísia viveu um grande impasse entre o Ennahda, então no governo, e a oposição secular. A crise chegou ao ápice em julho, com o assassinato de Mohammed Brahmi, líder esquerdista da oposição, um crime atribuído a radicais islâmicos. No início deste ano, veio a solução. Temendo ser vítima de um golpe militar semelhante ao ocorrido no Egito, contra o governo da Irmandade Muçulmana, o Ennahda aceitou deixar o poder. O então premier Ali Larayedh renunciou no último dia 9, sendo substituído pelo governo tecnocrata de Mehdi Jomaa, e houve espaço para terminar a elaboração da Constituição de forma que a maior parte dos atores políticos estivesse satisfeita. O resultado da aprovação do texto, com 92,5% dos votos, é a prova disso.

O recuo do Ennahda não é encarado pelo partido como uma derrota de seu projeto político, mas sim um sinal de amadurecimento. “Fazer concessões não significa enfraquecer o movimento, mas sim dominar os mecanismos da coexistência política em nome do interesse do país”, afirmou ao jornal El-Khabar, da Argélia, o líder do Ennahda, Abdel Fattah Mourou, um dos que defendeu, no debate interno do grupo, a saída do poder. Mourou afirmou ao jornal argelino que tanto entre os islamistas quanto entre os secularistas há “radicais e reacionários”, mas disse ter esperança de que a moderação vai prevalecer. “Os islamistas devem entender que, se chegarem ao poder, isso não os autoriza a monopolizá-lo”, afirmou.

A nova postura moderada do islã político tunisiano será testada ainda neste ano. Nos próximos meses, a Tunísia vai debater uma nova lei eleitoral responsável por guiar a eleição parlamentar. A partir daí, o país deve retomar sua vida normal, agora sob um regime ao menos nominalmente democrático. Se a prática também será assim? Caberá aos tunisianos responderem.

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