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Na primeira crise sem Chávez, o chavismo se enrolou

Diante da tentativa da oposição de afastar o presidente de uma vez por todas, governistas substituíram respostas institucionais por um clima de “no pasarán”

Parlamentares venezuelanos participam, na terça-feira 8, de sessão em que Diosdado Cabello anunciou que Chávez não tomará posse nesta quinta-feira 10. Foto: Juan Barreto / AFP
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*Artigo atualizado às 07h35 de 10 de janeiro

Operado de um câncer em dezembro, em Cuba, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, passa por uma complicada recuperação. E, pela primeira vez desde o golpe de 2002, está ausente do dia-a-dia da política venezuelana. Sem seu líder e articulador, o chavismo se perdeu e encontra-se atualmente em meio a um grave imbróglio.

O mandato atual de Chávez acaba nesta quinta-feira 10, data em que deveria ter início seu próximo período à frente do país, obtido nas eleições de 2012. Diante de sua ausência, há uma disputa sobre o que fazer daqui em diante.

A Constituição da Venezuela estabelece que, se ocorrer a falta absoluta de um presidente antes da posse, o presidente da Assembleia Legislativa deve assumir o poder e convocar novas eleições em até 30 dias. Esta é a opção preferida da oposição.

Mesmo divididos internamente, os opositores vislumbram na doença de Chávez a possibilidade de se livrar de seu maior inimigo. Para isso, estão dispostos a se submeter até mesmo a um processo integralmente controlado por chavistas. O presidente da Assembleia é Diosdado Cabello, considerado o número 3 do movimento pró-Chavez. O provável candidato do chavismo, favorito para uma futura eleição, é seu atual vice-presidente, Nicolás Maduro. A oposição prefere enfrentar Cabello e Maduro a continuar lutando contra o “coração da pátria”. Para tanto, defende de forma veemente a realização de novas eleições, dizendo que a não realização do pleito seria um rompimento da ordem democrática.

Os chavistas entendem a questão de forma diferente. Eles se apegam a um outro artigo da Constituição, segundo o qual o presidente (re) eleito poderia tomar posse diante da Suprema Corte, em uma outra oportunidade. Neste caso, não seria declarada a “impossibilidade” de Chávez assumir o cargo e ele teria um prazo de 90 dias para tomar posse, prorrogáveis por mais 90 dias. Esta é a posição defendida pelo governo Dilma Rousseff.

A alternativa do chavismo, no entanto, não responde a uma questão crucial: quem será o presidente da Venezuela a partir desta quinta-feira 10 e, possivelmente, pelos próximos seis meses, enquanto o país espera Chávez? Maduro seria a alternativa óbvia. Ocorre que, na Venezuela, o vice não é eleito na mesma chapa do presidente. Ele é indicado pelo detentor do cargo. Assim, o atual mandato de Maduro estará oficialmente encerrado nesta quinta-feira 10. Esta condição é reforçada pelo fato de a Constituição venezuelana não trazer, em nenhum de seus artigos, a continuidade de mandato públicos.

Sem Chávez, o chavismo pareceu incapaz de prever as dificuldades que teria pela frente e a complexidade da situação. Diante da tentativa da oposição de afastar o líder de uma vez (por meio de nova eleição), os governistas substituíram respostas institucionais por um clima de “no pasarán”, revelando características autoritárias do movimento.

Cabello passou a acusar a oposição de golpismo e comparou seus rivais políticos aos que tiraram Fernando Lugo do poder no Paraguai, em junho. O ministro da Defesa, Diego Molero Bellavia, anunciou “lealdade inquestionável” a Maduro. A procuradora-geral da República, Cilia Flores (mulher de Maduro), invocou o princípio da “continuidade”, ausente da Constituição. Até mesmo líderes estrangeiros, como Evo Morales (Bolívia) e José Mujica (Uruguai) foram escalados para o ato de apoio a Chávez.

Toda essa reação exagerada era desnecessária. Diante da falta de clareza da Constituição e do impasse inédito, bastava ao governo temporário de Maduro antecipar a consulta à Suprema Corte alegando a necessidade (real) de preservar o resultado das eleições. O tribunal máximo, muito influenciado pelo chavismo, se pronunciou nesta quarta-feira 9 e considerou legal a ausência da Chávez, mas líderes hábeis teriam aproveitado os últimos dias para reforçar a legitimidade do mandato popular dado a Chávez e não para defendê-lo de forma histérica como se não fosse legítimo.

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