Mundo

Na caravana de migrantes que vai para os EUA

Sonho de uma vida melhor fez Maribel Ponce Hernandez se unir à marcha de centro-americanos em busca de uma vida melhor

Maribel Hernandez não pretende desistir
Apoie Siga-nos no

Sentada dentro de uma barraca lotada, no meio de um centro esportivo da Cidade do México, com roupas e sacos de dormir espalhados ao seu redor, Maribel Ponce Hernandez manda um recado para o presidente dos EUA, Donald Trump.

“Eu acho que ele nunca precisou de nada, sempre teve tudo. É por isso que ele não consegue nos ver com piedade”, disse a mulher de 46 anos. “Mas eu não o julgo. É Deus quem vai lidar com ele.”

Hernandez, que viaja ao lado de quatro filhos com idades entre 11 e 25 anos, é uma entre os quase 5 mil migrantes da América Central que atravessam o México em direção aos Estados Unidos na esperança de encontrar um futuro melhor.

Leia também:
Expansão democrata é real, mas polarização importa mais
EUA vão enviar soldados para deter caravana de migrantes hondurenhos

Diante da iminente chegada da caravana, Trump prometeu enviar até 15 mil soldados para a fronteira e, na semana passada, emitiu uma ordem executiva suspendendo os direitos de refúgio para aqueles que tentam entrar ilegalmente nos EUA.

Apesar das ameaças vindas de Washington, Hernandez, que partiu de Honduras em meados de outubro, não se intimida. “Eu deixei meu país porque sou corajosa, e não porque sou covarde. E porque estou curiosa para ver onde tudo isso vai acabar”, diz. “Sou uma mãe desesperada, procurando proteção para meus filhos.”

As dificuldades de Hernandez começaram há três anos, quando o marido morreu de complicações relacionadas ao HIV, que ele contraíra 10 anos atrás e transmitiu à esposa: “Meu marido me infectou”, afirmou a migrante, enxugando as lágrimas dos olhos. “Ele pegou na rua.”

Os medicamentos antirretrovirais podem ser de difícil acesso em Honduras, onde as mortes relacionadas à Aids aumentaram 11% desde 2010, segundo a ONU. Hernandez contou que seu marido nunca cuidou corretamente de sua saúde e, quando morreu, ela passou a ser a única provedora da casa. “Foi muito difícil”, confessa. “Tivemos que mudar de casa porque eu não podia pagar o aluguel.”

Hernandez começou a vender legumes com um carrinho nos arredores de Olanchito, a pequena cidade onde morava, no nordeste de Honduras. Ela tirou seus filhos mais jovens da escola para ajudá-la no trabalho. Mas, no fim de 2017, protestos tomaram conta de Honduras após a reeleição do presidente Juan Orlando Hernandez, em meio a alegações de fraude eleitoral. Como em grande parte do país, a violência irrompeu também em Olanchito. “Foi quando a odisseia começou para nós”, conta.

O conflito eleitoral acirrou a mortal onda de violência em Honduras, que desde 2010 tem uma das maiores taxas de homicídios do mundo, de acordo com o governo dos EUA. Carolina Jimenez, diretora de pesquisa para as Américas da Anistia Internacional, diz que os efeitos da crise na América Central vão muito além dos assassinatos.

Cada vez chegam mais migrantes (Foto: Johan Ordonez/AFP)

“A violência não é mensurável apenas pelas taxas de homicídio”, afirma. “A presença de gangues e o controle que elas têm sobre o território, a impunidade que existe nesses países frente a essa violência e situações em que o Estado participa ativamente de atos violentos. Tudo isso resulta num coquetel perfeito para aqueles que se sentiram obrigados a deixar suas comunidades.”

O filho mais novo de Hernandez foi espancado nos protestos. A filha mais velha foi mais tarde atacada e roubada. Temendo por sua segurança, Hernandez manteve os filhos em casa. Mas, em luta contra o HIV, contra o diabetes e a hipertensão, ela disse que trabalhava para sobreviver: “Eu não podia trazer muito para casa. Eu era sozinha.”

Com a violência piorando e a situação financeira da família se deteriorando, Hernandez começou a procurar uma saída e assim ouviu falar da caravana que se preparava para deixar Honduras. Embora isso significasse uma jornada longa e difícil, e mesmo sabendo que teria que abandonar um de seus filhos, com problemas cardíacos, Hernandez decidiu que valia a pena. “Foi a fome que me fez partir”, afirma. “Para procurar uma vida melhor em outro país, a caravana foi a minha chance.”

Hernandez e seus filhos passaram por Honduras e Guatemala, subiram montanhas, atravessaram rios e fugiram da polícia. Em 19 de outubro, ela e mais de 4 mil compatriotas chegaram a uma ponte entre o México e a Guatemala. Eles sobrecarregaram os agentes de fronteira guatemaltecos e enfrentaram a polícia de choque mexicana, que disparou gás lacrimogêneo contra os migrantes.

Quando a caravana finalmente recebeu autorização de passagem, Hernandez desmaiou devido aos baixos níveis de glicose no sangue. Ela foi então levada a um hospital. Seus filhos foram conduzidos a um centro de detenção na cidade vizinha de Tapachula, no estado mexicano de Chiapas. Depois de ser liberada da clínica, Hernandez foi detida com os filhos. Ela diz que as condições eram terríveis. “Eles não nos deixavam sair. Foi uma experiência horrível.”

A resposta do governo mexicano foi fortemente criticada por ativistas locais. Segundo Anna Saiz, diretora do grupo local de defesa dos migrantes Sin Fronteras, as autoridades mantiveram cerca de 2 mil migrantes no centro de detenção de Tapachula, dos quais cerca de 30% eram crianças. “Eles estavam numa situação de detenção que era muito preocupante”, afirma Saiz. “O Estado agiu somente com intimidação e confronto contra quem se encontrava nesse êxodo.”

Hernandez e sua família foram liberados e acabaram recebendo permissão para permanecer no México por 45 dias. A hondurenha de 46 anos começou a trabalhar lavando roupas para outros migrantes, e suas filhas conseguiram emprego numa fábrica de tortilhas.

Mas quando o proprietário da fábrica se recusou a pagar suas filhas, Hernandez decidiu que era hora de sair. “Como migrante, para quem você vai reclamar?”, indaga. “Eles só vão se aproveitar de você.”

Com o apoio de um padre local, Hernandez conseguiu encontrar transporte para sua família a fim de voltar a se unir à caravana. Ela chegou à Cidade do México no início de novembro e diz que a recepção foi extremamente positiva: a administração da cidade oferece apoio médico e legal gratuito, enquanto os moradores fornecem alimentos e roupas. Mas, apesar da calorosa recepção, Hernandez disse estar determinada a continuar sua jornada.

“Eu não vim apenas para receber “, diz. “Eu quero trabalhar. Eu quero uma vida melhor, um teto sobre nossas cabeças para não termos de dormir no chão, com fome, como vivíamos lá.”

No fim da semana passada, Hernandez e seus filhos se preparavam para deixar a Cidade do México e continuar a rota restante de 2,8 mil quilômetros até a cidade fronteiriça de Tijuana, onde ela espera entrar nos Estados Unidos e começar uma vida nova.

A jornada provavelmente estará repleta de perigos, vindos especialmente dos cartéis de drogas que tomaram conta de grande parte do México. As autoridades mexicanas disseram que cerca de cem migrantes, várias crianças incluídas, haviam desaparecido da caravana. Suspeita-se que um cartel local tenha executado um sequestro em massa.

“O México é um território violento para seres humanos em trânsito”, afirmou Jimenez, da Anistia Internacional. “E embora haja alguma proteção dentro de grandes grupos, isso não significa que todos, especialmente quando falamos de mulheres e de crianças pequenas, estarão protegidos quando confrontados com a violência no México.”

Apesar dos perigos, Hernandez disse estar determinada a terminar sua odisseia. “Eu quero saber como tudo isso vai acabar”, afirma. “E um dia dizer ‘obrigada, Guatemala; obrigada, México’. Para que isto seja apenas uma história. Porque cada um de nós, nesta caravana, tem uma história.”

DW_logo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo