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Muito dinheiro, pouco futebol

Inflado pelos petrodólares do Catar, o PSG oscila na Europa

O time alterna boas e más partidas, o que tem irritado sua maior estrela, o sueco Ibrahimovic. Foto: Francisco Leong/AFP
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De Paris

Zlatan Ibrahimovic, o atacante sueco do Paris Saint-Germain FC, colocou os fones de ouvido e se isolou do resto do time no voo de Marselha a Paris no domingo 7. O jogo com o time local terminou empatado em 2 a 2. Dois gols de Ibra, considerado “magnífico” – e único jogador de destaque – pelo vespertino Le Parisien. A ira do sueco era dirigida ao brasileiro Maxwell e ao outro lateral, Jallet, que falharam nos gols do Olympique de Marseille. O meio-campista argentino Javier Pastore deixou a desejar. Nem o presidente do PSG, Nasser el-Khelaifi, e o brasileiro Leonardo, o diretor esportivo, não escondiam o descontentamento com o resultado.


Apesar dos altos investimentos, o PSG ocupa a segunda colocação no fraco campeonato francês. Dias antes do empate em Marselha, o time havia perdido para o Porto na Liga dos Campeões, o mais disputado e cobiçado torneio de futebol do mundo. Soma três pontos em dois jogos na liga (o Porto tem seis pontos).

A temporada mal começou, o PSG pode ir muito longe, mas os primeiros resultados não fazem jus aos gastos do fundo soberano do Catar, proprietário do clube desde maio de 2011.

Na ótica de “investir muito e imediatamente”, como diz Al-Khelaifi, o objetivo é comprar os melhores jogadores para montar a mais forte equipe do planeta. Sempre com a indicação de Leonardo e a aprovação do técnico da equipe, o italiano Carlo Ancelotti. É compreensível que Leonardo tenha um fraco por brasileiros. O PSG pagou 40 milhões de euros pelo são-paulino Lucas e ainda sonha com Neymar, embora o atacante do Santos esteja mais próximo do Barcelona. Lucas integrará o grupo a partir de janeiro e se tornará o quinto brasileiro no clube. Os outros são o já citado Maxwell, os zagueiros Thiago Silva e Alex e o atacante Nenê.

O time da capital francesa é, porém, multinacional. Os argentinos Ezequiel Lavezzi e Pastore trocaram o futebol italiano por Paris. Lavezzi veio do Napoli por 26 milhões de euros. Pastore deixou o Palermo por 42 milhões de euros. O sueco Ibrahimovic, tirado do Milan, custou 65 milhões. Ibra recebe um salário anual de 14 milhões de euros, fato que, em meio à crise, provocou polêmica na França.

O fundo soberano ­comprometeu-se a respeitar a legislação francesa. Estipulado pelo novo governo de François Hollande, o Imposto de Renda cobrará 75% de quem ganha acima de 1 milhão de euros por ano. Quem pagará os impostos de Ibrahimovic? Provavelmente o Catar.


A França, sem uma equipe de futebol decente desde a vitória na Copa do Mundo de 1998, está dividida. Os times franceses sempre foram figurantes nos principais torneios continentais, situação que o PSG pode vir a mudar. Benoit Hamon, ministro da Economia, irradiou felicidade ao constatar que os altos impostos não impedem futebolistas de renome de jogar no país. Por sua vez, Jérôme Cahuzac, ministro do Orçamento, julga o salário do atacante sueco “indecente”.

Num momento em que Michel Platini, o presidente da Uefa, tenta conter a bolha salarial do futebol europeu ao introduzir regras de fair-play financeiro, os mecenas do PSG estão interessados na sua estratégia de autopromoção. “O fenômeno não é novo”, lembra Matt Barker, repórter britânico de futebol. Ele teve início quando o oligarca russo Roman Abramovich comprou o Chelsea, em 2003. Cinco anos mais tarde foi a vez de o xeque Mansour bin Zayed al-Nahyan, por meio de outro fundo soberano, o Abu Dhabi United Group for Development and Investment, comprar o Manchester City.

O temor é que o fundo soberano do Catar acabe por alimentar, no mundo do futebol, uma bolha financeira semelhante àquela imobiliária nos EUA que provocou a crise global. Na Primeira Divisão francesa, o salário médio de um atleta ultrapassa os 500 mil euros mensais. Em miú­dos, os clubes europeus estão estruturalmente deficitários. As receitas não cobrem as despesas. O PSG, por exemplo, tem 300 milhões de euros de déficits acumulados.

Talvez igualmente importante seja a questão moral. O PSG é financiado pelos petrodólares de uma monarquia do Golfo nada democrática. O Catar não respeita a liberdade de expressão, pratica a pena de morte, emprega imigrantes estrangeiros que recebem salários e tratamento de escravo, inclusive para construir seu centro poliesportivo em Doha. Mais: a monarquia arma movimentos radicais islamitas nos países da Primavera Árabe, e, pasmem, com o aval dos Estados Unidos.

A estratégia do fundo soberano no Catar, país com a maior renda per capita do mundo, é simples: manter a influência do emirado quando não houver mais petrodólares. O fato de um fundo soberano financiar um time europeu é no mínimo questionável. Aliás, quem financia o PSG? O emir do país, Hamad bin Khalifa al-Thani, ou o fundo? Ambos, já que a receita da nação e o patrimônio do emir se confundem. A questão-mor, na verdade, é esta: o PSG, como qualquer time, tem de ser rentável. O Catar, vale lembrar, sediará a Copa do Mundo de 2022.

Além de apoiar os fundamentalistas na Síria, o Catar fundou e financia a TV Al-Jazira, responsável pela suposta “abertura” do mundo árabe. Além de ser presidente do PSG, Al-Khelaifi, o amigo e patrão de Leonardo, é diretor da rede de tevê chamada de “CNN do Oriente”. Esse acúmulo de empregos, tradicionalmente ligados a poderosos contatos, parece normal nos países árabes.

Al-Khelaifi, de 38 anos e próximo ao emir do Catar, parece, ao menos ao compor seu currículo, uma figura patética. Orgulha-se de ter sido tenista profissional, mesmo se seu melhor ranking na Associação de Tenistas Profissionais (ATP) tenha sido 995º. Em dez anos de carreira de tenista arrecadou 16 mil dólares.

De Paris

Zlatan Ibrahimovic, o atacante sueco do Paris Saint-Germain FC, colocou os fones de ouvido e se isolou do resto do time no voo de Marselha a Paris no domingo 7. O jogo com o time local terminou empatado em 2 a 2. Dois gols de Ibra, considerado “magnífico” – e único jogador de destaque – pelo vespertino Le Parisien. A ira do sueco era dirigida ao brasileiro Maxwell e ao outro lateral, Jallet, que falharam nos gols do Olympique de Marseille. O meio-campista argentino Javier Pastore deixou a desejar. Nem o presidente do PSG, Nasser el-Khelaifi, e o brasileiro Leonardo, o diretor esportivo, não escondiam o descontentamento com o resultado.


Apesar dos altos investimentos, o PSG ocupa a segunda colocação no fraco campeonato francês. Dias antes do empate em Marselha, o time havia perdido para o Porto na Liga dos Campeões, o mais disputado e cobiçado torneio de futebol do mundo. Soma três pontos em dois jogos na liga (o Porto tem seis pontos).

A temporada mal começou, o PSG pode ir muito longe, mas os primeiros resultados não fazem jus aos gastos do fundo soberano do Catar, proprietário do clube desde maio de 2011.

Na ótica de “investir muito e imediatamente”, como diz Al-Khelaifi, o objetivo é comprar os melhores jogadores para montar a mais forte equipe do planeta. Sempre com a indicação de Leonardo e a aprovação do técnico da equipe, o italiano Carlo Ancelotti. É compreensível que Leonardo tenha um fraco por brasileiros. O PSG pagou 40 milhões de euros pelo são-paulino Lucas e ainda sonha com Neymar, embora o atacante do Santos esteja mais próximo do Barcelona. Lucas integrará o grupo a partir de janeiro e se tornará o quinto brasileiro no clube. Os outros são o já citado Maxwell, os zagueiros Thiago Silva e Alex e o atacante Nenê.

O time da capital francesa é, porém, multinacional. Os argentinos Ezequiel Lavezzi e Pastore trocaram o futebol italiano por Paris. Lavezzi veio do Napoli por 26 milhões de euros. Pastore deixou o Palermo por 42 milhões de euros. O sueco Ibrahimovic, tirado do Milan, custou 65 milhões. Ibra recebe um salário anual de 14 milhões de euros, fato que, em meio à crise, provocou polêmica na França.

O fundo soberano ­comprometeu-se a respeitar a legislação francesa. Estipulado pelo novo governo de François Hollande, o Imposto de Renda cobrará 75% de quem ganha acima de 1 milhão de euros por ano. Quem pagará os impostos de Ibrahimovic? Provavelmente o Catar.


A França, sem uma equipe de futebol decente desde a vitória na Copa do Mundo de 1998, está dividida. Os times franceses sempre foram figurantes nos principais torneios continentais, situação que o PSG pode vir a mudar. Benoit Hamon, ministro da Economia, irradiou felicidade ao constatar que os altos impostos não impedem futebolistas de renome de jogar no país. Por sua vez, Jérôme Cahuzac, ministro do Orçamento, julga o salário do atacante sueco “indecente”.

Num momento em que Michel Platini, o presidente da Uefa, tenta conter a bolha salarial do futebol europeu ao introduzir regras de fair-play financeiro, os mecenas do PSG estão interessados na sua estratégia de autopromoção. “O fenômeno não é novo”, lembra Matt Barker, repórter britânico de futebol. Ele teve início quando o oligarca russo Roman Abramovich comprou o Chelsea, em 2003. Cinco anos mais tarde foi a vez de o xeque Mansour bin Zayed al-Nahyan, por meio de outro fundo soberano, o Abu Dhabi United Group for Development and Investment, comprar o Manchester City.

O temor é que o fundo soberano do Catar acabe por alimentar, no mundo do futebol, uma bolha financeira semelhante àquela imobiliária nos EUA que provocou a crise global. Na Primeira Divisão francesa, o salário médio de um atleta ultrapassa os 500 mil euros mensais. Em miú­dos, os clubes europeus estão estruturalmente deficitários. As receitas não cobrem as despesas. O PSG, por exemplo, tem 300 milhões de euros de déficits acumulados.

Talvez igualmente importante seja a questão moral. O PSG é financiado pelos petrodólares de uma monarquia do Golfo nada democrática. O Catar não respeita a liberdade de expressão, pratica a pena de morte, emprega imigrantes estrangeiros que recebem salários e tratamento de escravo, inclusive para construir seu centro poliesportivo em Doha. Mais: a monarquia arma movimentos radicais islamitas nos países da Primavera Árabe, e, pasmem, com o aval dos Estados Unidos.

A estratégia do fundo soberano no Catar, país com a maior renda per capita do mundo, é simples: manter a influência do emirado quando não houver mais petrodólares. O fato de um fundo soberano financiar um time europeu é no mínimo questionável. Aliás, quem financia o PSG? O emir do país, Hamad bin Khalifa al-Thani, ou o fundo? Ambos, já que a receita da nação e o patrimônio do emir se confundem. A questão-mor, na verdade, é esta: o PSG, como qualquer time, tem de ser rentável. O Catar, vale lembrar, sediará a Copa do Mundo de 2022.

Além de apoiar os fundamentalistas na Síria, o Catar fundou e financia a TV Al-Jazira, responsável pela suposta “abertura” do mundo árabe. Além de ser presidente do PSG, Al-Khelaifi, o amigo e patrão de Leonardo, é diretor da rede de tevê chamada de “CNN do Oriente”. Esse acúmulo de empregos, tradicionalmente ligados a poderosos contatos, parece normal nos países árabes.

Al-Khelaifi, de 38 anos e próximo ao emir do Catar, parece, ao menos ao compor seu currículo, uma figura patética. Orgulha-se de ter sido tenista profissional, mesmo se seu melhor ranking na Associação de Tenistas Profissionais (ATP) tenha sido 995º. Em dez anos de carreira de tenista arrecadou 16 mil dólares.

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