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‘Mercado de corpos’: como funciona a troca de mortos entre Israel e o Hamas

O acordo de cessar-fogo prevê a entrega dos corpos de 15 palestinos para cada refém cujos restos mortais foram devolvidos

‘Mercado de corpos’: como funciona a troca de mortos entre Israel e o Hamas
‘Mercado de corpos’: como funciona a troca de mortos entre Israel e o Hamas
A Cruz Vermelha Internacional tem atuado como mediadora nas trocas de corpos – Foto: Omar al-Qattaa/AFP
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Em meio ao frágil cessar-fogo vigente desde 10 de outubro em Gaza, um aspecto sombrio da guerra entre Israel e o Hamas vem ganhando contornos cada vez mais explícitos: a troca sistemática de cadáveres entre os dois lados. O Ministério da Saúde de Gaza anunciou nesta segunda-feira 3 que Israel devolveu 45 corpos de palestinos. O que antes era uma prática pontual, hoje se configura como um verdadeiro mercado de corpos, onde restos mortais são negociados como moeda diplomática e estratégica.

Segundo os termos do acordo, Israel deve entregar 15 corpos de palestinos a cada corpo de refém israelense devolvido por Gaza. Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, Israel devolveu recentemente os restos mortais de 45 palestinos como parte do acordo de trégua. No total, 225 cadáveres palestinos já foram entregues em troca de 15 corpos israelenses, incluindo reféns mortos em cativeiro e soldados desaparecidos.

Israel confirmou nesta segunda-feira que recebeu, no dia anterior, os corpos de três reféns. Em seguida, o Ministério da Saúde de Gaza divulgou um comunicado informando que “recebeu hoje 45 corpos de mártires entregues pelo ocupante israelense por meio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, elevando para 270 o número total de corpos de mártires recebidos” no âmbito da troca.

Desde 10 de outubro, o Hamas devolveu 20 corpos de reféns, entre eles os de um cidadão tailandês e um nepalês — casos em que nenhum corpo palestino foi entregue em troca. O grupo islamista, que inicialmente deveria ter devolvido os 28 corpos de reféns ainda retidos em Gaza até 13 de outubro, afirma ter restituído apenas 20 até agora. Segundo o Hamas, localizar os corpos restantes é uma tarefa extremamente difícil e complexa, devido à devastação provocada por dois anos de guerra no território.

A operação é mediada pela Cruz Vermelha Internacional, que atua como intermediária na entrega dos corpos. Mas o processo está longe de ser apenas técnico: envolve pressões políticas, acusações de violações da trégua e, sobretudo, um profundo impacto emocional sobre as famílias envolvidas.

Corpos como moeda de negociação

Um corpo israelense por 15 corpos palestinos: a lógica da proporção revela não apenas um desequilíbrio numérico, mas também simbólico. Os restos mortais dos palestinos, muitos deles com sinais de tortura, mãos e pés amarrados, são devolvidos em sacos brancos, sem cerimônia. Já os cadávares israelenses são recebidos com honras militares e passam por identificação forense antes do sepultamento.

Em alguns casos, o Hamas entregou restos mortais incompletos ou incorretos, o que gerou acusações de má-fé por parte de Israel. As falhas nas devoluções de corpos foram usadas como justificativa para novos bombardeios recentemente, que mataram mais de 100 pessoas em Gaza em uma única noite.

Uma engrenagem econômica da guerra

Mais do que uma prática diplomática, a troca de corpos se insere em uma economia de guerra que transforma morte e destruição em oportunidade comercial. Um relatório da ONU, intitulado From economy of occupation to economy of genocide (Da economia da ocupação à economia do genocídio, em tradução livre), denuncia que Gaza se tornou o epicentro de uma engrenagem internacional que lucra com o sofrimento palestino. Empresas de tecnologia, construção, armamento e vigilância estão diretamente envolvidas nesse sistema, que recompensa a guerra e legitima a ocupação.

A devolução de corpos, embora traga algum alívio às famílias, também escancara a brutalidade do conflito. Em Gaza, onde mais de 68 mil pessoas já morreram desde o início da guerra, o luto coletivo se mistura à indignação. A troca de cadáveres virou rotina, e os corpos passaram a ter valor estratégico — não por sua dignidade, mas por seu potencial de barganha.

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