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Mais fronteiras, menos Europa

O agravamento da crise migratória divide cada vez mais os países da União Europeia e ameaça de colapso o acordo de Schengen

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O risco de desintegração da União Europeia agrava-se a passos largos. Na terça-feira 23, a Bélgica, por recear se tornar destino de parte do iminente desalojamento de um acampamento de 4 mil refugiados em Calais, reintroduziu o controle de documentos na fronteira com a França. Tornou-se a sétima dos 26 signatários do tratado de livre circulação de Schengen a suspendê-lo.

Há cada vez mais razões para recear pelo futuro desse acordo, tão importante quanto o euro para a integração do continente.

No dia seguinte, a Hungria anunciou que faria um referendo sobre o plano de redistribuição de imigrantes proposto por Angela Merkel, a chanceler da Alemanha, maneira segura de rejeitá-lo, enquanto a Áustria realizava em Viena uma minicúpula com Albânia, Bósnia, Bulgária, Kosovo, Croácia, Macedônia, Montenegro, Sérvia e Eslovênia para bloquear a passagem de refugiados vindos da Grécia.

Uma semana antes, República Tcheca, Hungria, Eslováquia e Polônia haviam se reunido em Praga com o mesmo propósito.

A França protesta contra a Bélgica e ao mesmo tempo recusa à Alemanha ampliar o acordo de distribuição de refugiados. Na quinta-feira, a Grécia, que recebeu mais 110 mil refugiados desde o início de 2016, retirou seu embaixador da Áustria em protesto contra o bloqueio da fronteira.

Países integrantes da União Europeia, teoricamente comprometidos com uma unidade cada vez mais estreita, não só fecham as portas uns aos outros como mal conseguem ter relações diplomáticas normais.

Segundo um estudo da fundação Bertelsmann, da Alemanha, o possível colapso do acordo de Schengen elevaria em 1% a 3% o custo das importações entre países europeus e teria um custo de 470 bilhões a 1,4 trilhão de euros de 2016 a 2025, sendo França e Alemanha os mais prejudicados.

Mais séria, porém, é a falência da solidariedade entre os países do continente e o desinteresse progressivo pela união, ilustrada também pelo acordo entre Londres e Bruxelas.

David Cameron, o primeiro-ministro britânico, obteve concessões que dariam ao Reino Unido um estatuto privilegiado dentro da União Europeia e lhe permitiriam desfrutar dos benefícios comerciais da organização sem se comprometer com a integração.

Mesmo assim, grande parte dos parlamentares e lideranças do Partido Conservador continuam a defender o rompimento e as pesquisas de opinião hoje indicam a vitória do “não” a Bruxelas no plebiscito marcado para 23 de junho.

Além da rejeição à migração, que mobiliza principalmente a direita, Bruxelas é ameaçada à esquerda pela desconfiança em relação ao caráter pouco democrático de suas instituições.

O acordo de cúpula entre Cameron e outros líderes europeus, crítico para o futuro da organização, foi negociado sem a participação do Europarlamento, o mais democrático de seus órgãos.

Este, por sua vez, vota decisões que os governos não são realmente obrigados a acatar, como a decisão da quinta-feira 25, por 359 votos a 212, de impor o embargo da venda de armas à Arábia Saudita, culpada de crimes de guerra ao bombardear alvos civis no Iêmen, inclusive hospitais da organização Médicos Sem Fronteiras.

O Reino Unido forneceu 11,4 bilhões de dólares em armas e munições ao reino árabe desde a posse de Cameron, 3,9 bilhões dos quais após o início dos bombardeios no Iêmen. A França orgulha-se ainda mais de suas vendas bilionárias e, só no ano passado, fechou um contrato de 12 bilhões de dólares com Riad. Itália e Alemanha também exportam centenas de milhões de dólares por ano.

Nenhum desses países está disposto a enfrentar a ira dos sauditas e de sua indústria bélica e tudo indica que a resolução se tornará mais um exemplo do déficit democrático da União Europeia.

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