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Líder sírio anuncia adesão à coalizão antijihadista e obtém suspensão parcial de sanções após encontro com Trump
Ahmad al-Sharaa assumiu a presidência síria após a queda de Bashar al-Assad
Em um gesto diplomático sem precedentes, o ex-presidente norte-americano Donald Trump recebeu na segunda-feira 10 o presidente interino da Síria, Ahmad al-Sharaa, na Casa Branca. A visita, mantida longe das câmeras e do protocolo tradicional, marca a primeira vez que um chefe de Estado sírio, no caso um ex-líder jihadista que encabeçou a lista de procurados do FBI, é recebido oficialmente em Washington, desde a independência do país em 1946.
Após a reunião com Trump, a Síria afirmou que vai integrar a coalizão internacional antijihadista contra o grupo Estado Islâmico, um dos principais anúncios da visita histórica do presidente sírio a Washington.
Quanto às sanções econômicas, Ahmed al-Sharaa, obteve uma nova prorrogação de 180 dias. Em outras palavras, uma isenção temporária de seis meses. Donald Trump não podia fazer mais do que isso, pois essas sanções foram aprovadas em 2019 pelo Congresso. A decisão final — de suspendê-las definitivamente — cabe aos parlamentares norte-americanos.
Trata-se de medidas muito rigorosas, tomadas na época contra o regime de Bashar al-Assad, que isolam a Síria do sistema bancário internacional e proíbem investimentos ou transações em dólares. No entanto, a Casa Branca sabe que há muito a ser reconstruído em território sírio — e que há muito dinheiro em jogo para as empresas norte-americanas.
Há meses, o governo Trump vem pressionando os parlamentares. O Senado já disse “sim” para encerrar as sanções. Mas a Câmara dos Representantes ainda resiste. Algumas figuras políticas manifestam abertamente preocupação com as minorias sírias. Entretanto, a imprensa norte-americana também vê nisso a influência de Israel, que estaria conduzindo um lobby discreto junto a seus aliados políticos nos Estados Unidos para manter a Síria em seu atual estado de fragilidade econômica.
Transformação
Ahmad al-Sharaa, de 43 anos, liderou a coalizão islamista que derrubou o regime de Bashar al-Assad em dezembro de 2024, encerrando quase 14 anos de guerra civil. Até poucos dias antes da visita, ele figurava na lista de terroristas internacionais dos Estados Unidos, com uma recompensa de 10 milhões de dólares oferecida pelo FBI por informações que levassem à sua captura. O motivo: sua liderança no grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), antiga ramificação da Al-Qaeda na Síria. Uma reviravolta espetacular para o ex-jihadista, que combateu as tropas norte-americanas no Iraque.
A transformação de al-Sharaa — de comandante jihadista a interlocutor diplomático — é vista por analistas como um marco simbólico da nova fase síria. “Trump traz al-Sharaa à Casa Branca para mostrar que ele não é mais um terrorista, mas um líder pragmático e flexível, que sob orientação norte-americana e saudita pode transformar a Síria em um pilar estratégico regional”, afirmou Nick Heras, especialista em Oriente Médio.
Durante o encontro, realizado a portas fechadas, Trump elogiou o líder sírio: “Ele tem um passado brutal, e, francamente, sem um passado brutal, você não tem chance [de chegar ao poder].” O ex-presidente também declarou: “Faremos tudo o que pudermos para que a Síria tenha sucesso.”
Sanções suspensas e base militar norte-americana
A visita coincidiu com o anúncio do Departamento do Tesouro dos EUA de uma nova suspensão de 180 dias das sanções impostas pela Lei César, que, desde 2019, restringe severamente as transações financeiras da Síria com o exterior. A medida já havia sido aplicada em maio, após o primeiro encontro entre Trump e al-Sharaa na Arábia Saudita.
Segundo fontes diplomáticas, os Estados Unidos planejam instalar uma base militar próxima a Damasco para coordenar ajuda humanitária e monitorar os desdobramentos das relações entre Síria e Israel. A base também serviria como ponto estratégico para operações de vigilância e logística, em meio à tentativa de Washington de mediar um pacto de segurança entre os dois países.
Aproximação com Israel e os Acordos de Abraão
Al-Sharaa tem sinalizado disposição para normalizar as relações com Israel, desde que “as condições certas” sejam atendidas. Em reunião com o congressista norte-americano Cory Mills, o presidente sírio expressou interesse em aderir aos Acordos de Abraão — iniciativa lançada por Trump em 2020 que estabeleceu relações diplomáticas entre Israel e países árabes como Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos.
Apesar da abertura, al-Sharaa evitou comprometer-se com negociações diretas, citando os mais de mil ataques israelenses à Síria nos últimos anos e a necessidade de garantias de segurança. Como gesto diplomático, o novo governo sírio prendeu dois líderes da Jihad Islâmica Palestina, sinalizando distanciamento do Irã e das facções armadas palestinas.
Reconstrução e reintegração internacional
Desde que assumiu o poder, al-Sharaa tem buscado romper com o passado extremista e apresentar uma imagem moderada. Em setembro, discursou na Assembleia Geral da ONU, sendo o primeiro líder sírio a fazê-lo em quase seis décadas. Estima-se que a reconstrução da Síria exigirá entre 600 e 900 bilhões de dólares, e o novo governo aposta em investimentos internacionais para reerguer o país.
A visita à Casa Branca representa o ponto alto de uma ofensiva diplomática que inclui encontros com líderes europeus e árabes, além de negociações com Washington para a reintegração da Síria ao sistema financeiro global.
(com agências)
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