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A Colômbia conseguirá romper o ciclo de violência?

As negociações de paz com as Farc poderão finalmente dar frutos. O presidente Juan Manuel Santos fala sobre justiça, reconciliação e o futuro do país

Juan Manuel Santos durante a viagem para a Europa: a Colômbia precisa de apoio para fechar o acordo de paz com as Farc
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Dois anos atrás, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, foi indagado sobre quando poderiam terminar as negociações de paz entre seu governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que haviam começado em Oslo (Noruega) e deveriam continuar em Havana. Ele disse que esperava que durassem “meses, e não anos”.

Ele se arrependeu dessas palavras. Falando ao Observer, disse: “Quando eu disse em novembro de 2012 que esperava que isto terminasse em meses, e não anos, as pessoas interpretaram que eu estaria dizendo que terminaria em menos de um ano. Todo mundo me aconselhou a não dar um cronograma desta vez, mas novamente eu diria exatamente o que disse em novembro de 2012: espero que isso termine em meses e não anos – querendo dizer que quanto mais cedo terminarmos mais vidas salvaremos e mais sofrimento evitaremos”.

A Colômbia suportou cinco décadas de morte e sofrimento desde o início da guerra com as Farc, em 1964 (embora a violência política entre esquerda e direita remonte a 1948). O caminho para a paz nunca foi fácil ou rápido. No entanto, dois anos depois, ambos os lados estão cada vez mais confiantes que um acordo final poderá ser assinado em 2015. [Após a publicação desta reportagem, o diálogo entre o governo colombiano e as Farc foi interrompido momentaneamente, no domingo 16, por conta do sequestro de um general, atribuído às Farc]

Se isso acontecer, será o fim de um dos mais longos períodos de violência em qualquer país nos séculos XX e XXI. Em um relatório publicado no ano passado, o Centro Nacional da Memória Histórica da Colômbia estimou que a violência havia ceifado pelo menos 220 mil vidas. Mas nem sequer esse número de mortos narra a história de como a Colômbia enquanto país suportou sua própria experiência de quase morte. Houve um período, de meados para o final da década de 1990, em que a violência – que então já havia incluído não apenas as Farc, agentes das forças armadas colombianas, paramilitares de direita, bandos de narcotraficantes e mais dois grupos de rebeldes de esquerda – parecia capaz de tornar o país um Estado falido. As instituições essenciais do Estado, a polícia, o Judiciário e os políticos, estavam tão corrompidos pelo dinheiro das drogas e enfraquecidos pela violência, que a Colômbia se aproximava do colapso. Embora este processo de paz se destine a encerrar o capítulo sobre a violência ligada às Farc, o grande surto de mortes ocorreu, como o relatório deixa claro, na década de 1980, quando as milícias de extrema-direita apoiadas por uma mistura obscura de grandes fazendeiros, políticos e sindicatos da droga surgiram para conter as Farc e outros rebeldes de esquerda.

O giro de Santos por capitais europeias na semana retrasada foi uma aposta para abrir caminho, financeira e politicamente, para uma Colômbia pós-paz. Ele disse ao Observer: “Quando estamos prestes a tomar as decisões mais difíceis nesse processo – ainda temos dois itens na agenda para chegarmos a um acordo, e são os mais difíceis – são os itens que precisam do apoio da comunidade internacional para podermos alcançar uma solução de sucesso”.

As negociações de paz já chegaram a acordos sobre a reforma agrária, o futuro político das Farc e uma maneira de atacar o tráfico de drogas – que foi financiado em parte pelas Farc durante mais de três décadas. As questões restantes sobre as quais os dois lados buscam um acordo são as dificuldades das indenizações às vítimas de guerra e o desarmamento das Farc. Qual a melhor forma de equilibrar paz, reconciliação e uma compreensível sede de justiça (senão retribuição) continua sendo o problema mais difícil de resolver. Santos diz: “Onde você traça a linha entre paz e justiça? Precisamos tomar uma decisão que nos permita ter justiça suficiente, mas ao mesmo tempo alcançar a paz – onde você traça a linha é o aspecto mais difícil de todas as negociações, e é aí que precisamos de muito apoio político da comunidade internacional para que esse acordo seja legítimo”.

Dar justiça às vítimas torna-se mais complicado porque a Colômbia é o primeiro país desde o Estatuto de Roma de 2002 a tentar encerrar um conflito desse tipo. O Tratado de Roma estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI), que tem jurisdição mundial sobre certos crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Isso poderia significar que qualquer acordo alcançado nas negociações de paz seria invalidado pelo TPI.

Santos reconhece os riscos: “É por isso que precisamos de apoio político para tomarmos a decisão correta, que seja flexível o suficiente para cobrir as expectativas da comunidade internacional, as expectativas da população colombiana, de nossa Constituição – e as expectativas das guerrilhas que gostariam de depor as armas em troca de alguma coisa”.

É notável que as negociações tenham chegado aonde chegaram. Ter concordado sobre a futura participação política das Farc é em si um pequeno milagre, diante do que aconteceu na última vez em que um processo de paz criou espaço para antigas guerrilhas de esquerda entrarem na política. Foi em 1985, quando as Farc e o Partido Comunista – depois de negociações com o então presidente – fundaram o partido União Patriótica (UP) como meio de entrar formalmente na política.

O que aconteceu depois ainda é um dos períodos mais inacreditáveis da história colombiana recente. Durante sete anos a partir de 1985, paramilitares de direita, cartéis da droga e agentes do Estado orquestraram uma campanha sistemática para assassinar seguidores e ativistas da UP. Mais de 3 mil foram mortos, incluindo dois candidatos presidenciais, figuras políticas destacadas e milhares de ativistas locais. Alguns o compararam a uma espécie de extermínio político. Com isso em mente, quais são as garantias de que as Farc podem depor as armas e embarcar em um futuro político sem enfrentar a violência que matou a UP?

Santos acredita que as garantias implementadas, e acordadas pelas Farc, sugerem um resultado diferente. “A Colômbia é hoje um país diferente dos anos 1980: as culturas da droga eram poderosas, elas se mancomunavam com os paramilitares que também eram poderosos, estávamos à beira de ser declarados um Estado falido, e nossas forças de segurança eram muito fracas. Na Colômbia de hoje isso não aconteceria – temos algumas das melhores forças armadas de nossa história, leais a nossas instituições democráticas e que apoiam o processo de paz”.

Mas forças poderosas lideradas pelo ex-presidente Álvaro Uribe continuam firmemente opostas a um acordo de paz. Foi a presidência Uribe que ajudou a desarmar os paramilitares, mas no passado ele foi acusado de supostas conexões com as milícias (mais recentemente por um senador colombiano, há dois meses) e, de maneira mais exagerada, ao cartel de Medellín. Um despacho de 1991 da Agência de Inteligência de Defesa dos EUA (divulgado em 2004) alegou que Uribe estava “dedicado à colaboração com o cartel de Medellín” – apesar de o Departamento de Estado americano afirmar que o relatório não tinha credibilidade. No ano passado, Uribe montou um novo partido político para se opor ao acordo de paz.

Mas as negociações continuam firmes, e talvez mais significativo que um acordo para garantir o futuro das Farc no processo político seja o acordo de reforma agrária que os dois lados assinaram. Já que a razão de ser original das Farc era representar os pobres rurais contra a elite fundiária rica (antes de sucumbir a objetivos menores como extorsão, sequestro, negócios com o tráfico e o uso de menores em seu “exército”), o acordo para estabelecer um “banco da terra” que distribui terras para agricultores e os pobres da zona rural é a chave para abordar uma das outras injustiças históricas da Colômbia. Santos reconhece a importância da terra na história da violência de seu país. “Para mim, é crucial continuar a perseguir esse objetivo porque faz parte dos objetivos gerais do processo de paz. Estamos criando o que chamamos de banco da terra, para dar terras às pessoas.”

As perspectivas de paz nunca pareceram melhores, mas a assinatura de qualquer acordo será apenas a primeira tentativa no que continuará sendo uma jornada perigosa. Santos diz: “Estou fazendo o possível para ensinar as pessoas a se reconciliarem, e uma coisa que descobri é que as vítimas são mais dispostas a perdoar e reconciliar-se do que o cidadão médio. Se as vítimas estão prontas a perdoar, então é uma base muito forte para que a paz seja sustentável em longo prazo”.

Uma das vítimas que concordou em ir para as negociações de Havana ilustra perfeitamente a esperança e os perigos que aguardam a Colômbia. Uma jornalista premiada, que investigou todos os lados do conflito colombiano, Jineth Bedoya sofreu nas mãos de forças de esquerda e de direita. Em 2000, enquanto investigava os paramilitares de direita, ela foi sequestrada e estuprada – mais tarde um soldado paramilitar confessou ter sido um dos agressores. Em 2003, enquanto investigava as Farc, ela foi sequestrada, depois libertada e mais recentemente foi alvo de ameaças de morte pelo grupo.

Que Bedoya esteja disposta a representar as vítimas e participar da cura diz muito sobre a força do processo. Entretanto, o fato de que Bedoya sentiu necessidade de divulgar uma declaração recente, dizendo que as vítimas que participaram das conversas de paz precisam de maior proteção depois de receberem ameaças de morte de paramilitares e gangues do tráfico, mostra o longo caminho que o país ainda tem a percorrer.

O processo de paz representa a melhor esperança para a Colômbia de um futuro marcado por menos violência que os últimos 50 anos. E, apesar dos que se opõem, a esperança é que quando o acordo final for submetido à votação nacional uma maioria esmagadora escolherá seguir uma rota diferente da percorrida no passado.

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