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Jo Cox e o terror que vem de dentro

Assassinato de parlamentar britânica é mais um sintoma da ascensão do neofascismo na Europa

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Na tarde da quinta-feira 16, ao sair da biblioteca onde acabara de manter um encontro com cidadãos do seu distrito de Batley e Spen, no norte da Inglaterra, a deputada trabalhista Jo Cox foi baleada e esfaqueada. Horas depois, morreu no hospital.

A parlamentar defendia os direitos dos imigrantes e refugiados muçulmanos e a permanência do Reino Unido na União Europeia, contrariando os nacionalistas conservadores que defendem a “Brexit” (retirada do Reino Unido da organização, a ser submetida em referendo em 23 de junho) e o fechamento do país à imigração da Europa Oriental e Oriente Médio.

O suspeito, Tommy Mair, inglês de 52 anos, foi assinante da South African Patriot, revista de racistas brancos sul-africanos “no exílio” e tem ligações com a associação ultraconservadora Swinton Circle, aliada do braço britânico do grupo xenófobo alemão Pegida e participante do Patriotic Forum, autodefinida como “um agrupamento ad-hoc de organizações patrióticas e publicações que apoiam uma agenda neo-imperialista”.

Testemunhas dizem tê-lo ouvido gritar “Britain First”, lema nacionalista e nome de um partido neofascista e cristão que em maio ameaçou com “ação direta” os lugares onde o muçulmano Sadiq Khan, novo prefeito de Londres, “vive, trabalha e reza”.

Se ouvissem o assassino exclamar algo como Allahu Akbar ou reivindicar ligação com o Estado Islâmico, não se hesitaria em tratar o caso como terrorismo islâmico, mesmo se fosse um atentado de um solitário sem ligações reais com grupos terroristas, como foi o caso de Omar Mateen em Orlando. Por tratar-se de um nacionalista branco, certamente dirão tratar-se de um doente mental ou de um caso isolado.

Mas nem é tão isolado, pois em 25 de maio Grégoire Moutaux, francês de 25 anos da Lorena, foi detido na Ucrânia ao tentar cruzar a fronteira da Polônia com um arsenal no qual se incluíam cinco fuzis, dois lança-foguetes e 125 quilos de TNT, com o qual pretendia, segundo as autoridades ucranianas, executar quinze atentados terroristas durante a Eurocopa contra uma mesquita muçulmana, uma sinagoga judaica, órgãos fiscais, delegacias de polícia e outros locais em protesto contra as políticas de migração de seu governo, a propagação do Islã e a globalização.

Uma busca em sua casa nada encontrou de suspeito além de uma camiseta da Renouveau Français (“Renovação Francesa”), grupo de extrema-direita monarquista e cristã contra a globalização e a imigração, que apoia a Frente Nacional de Marine Le Pen. O caso tem sido tratado com discrição pela mídia e pela polícia francesa, que duvida do governo ucraniano e diz acreditar tratar-se de mero contrabando de armas.

Mesmo após o terrível caso de Anders Breivik, neofascista cristão norueguês responsável pelo assassinato de 77 jovens em 2011, grande da parte da mídia e da política europeia desdenharam a ameaça do neofascismo e ao mesmo tempo endossaram sua visão de que as ameaças reais só podem vir de fora.

Entretanto, a insatisfação com o status quo europeu e a falta de respostas por parte dos grandes partidos de centro-direita e centro-esquerda está alimentando novas formas de extremismo que em breve poderão se tornar ameaças tão graves quanto o Estado Islâmico ou a Al-Qaeda e ainda mais difíceis de detectar, na medida em que seus agentes e organizações nada têm de “estrangeiro” ou incomum aos olhos da maioria.

Nesse clima de radicalização, não é de se admirar que o Mein Kamp volte a ser um best-seller. Nunca foi difícil encontrar cópias piratas no mercado paralelo e na internet, mas até 2015, o governo da Baviera, detentor dos direitos autorais, negava autorização para novas edições legais. Agora que se completarem 70 anos da morte de Adolf Hitler e o livro caiu em domínio público, sua procura tem surpreendido editoras e livreiros.

Foi o grande sucesso da Feira do Livro de Lisboa, encerrada em 13 de junho. A editora Guerra & Paz esgotou a segunda edição, vai para uma terceira reimpressão. “Crescemos perto de 40% nas vendas. Foi a melhor Feira do Livro da editora dos últimos anos”, comemorou o editor.

Causa ainda mais espécie sua distribuição como suplemento e brinde-surpresa da edição do sábado 11 do Il Giornale de Milão, diário conservador de Paolo Berlusconi, irmão do ex-premier Silvio Berlusconi.

A iniciativa foi criticada pelo primeiro-ministro Matteo Renzi e por Renzo Gattegna, presidente da União das Comunidades Judaicas na Itália. Sejam quais forem as intenções, essa distribuição gratuita ajuda a lançar gasolina em uma fogueira já acesa.

 

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