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Jihadistas inspiram-se na estética de Hollywood

Cada vez mais, vídeos de grupos terroristas como o Estado Islâmico são influenciados por formatos da cultura de entretenimento ocidental

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Em alguns vídeos do “Estado Islâmico” (EI), vê-se o escrito “Jihad” evocar o emblema de uma multinacional de artigos esportivos. E o slogan “Call of Jihad” (o chamado do jihad) é uma alusão ao nome de um videogame muito popular entre adolescentes.

A propaganda e os slogans islâmicos fazem cada vez mais referências a bem-sucedidos produtos da indústria do entretenimento, assimilando formalmente seu design tipográfico, imitando suas características até nos menores detalhes.

É preciso atentar para esses detalhes, segundo o estudioso de cinema alemão Bernd Zywietz. Só assim se entenderão as sutilezas de muitos dos vídeos islâmicos disponíveis na internet. Eles contêm numerosas referências, só reconhecíveis por quem esteja familiarizado com os modelos estéticos dos filmes e videogames famosos.

Também os jihadistas se referem à cultura popular, pois só ela é capaz de fornecer à propaganda distribuída na internet o apelo necessário para atrair os jovens à causa dos guerreiros de Alá.

Os vídeos de última geração se destacam por dirigir-se menos ao intelecto do que às emoções do público-alvo. A ideologia ainda desempenha um papel, porém a estética visual é mais importante. “A propaganda produzida de forma cara e elaborada tem o objetivo de apelar às emoções. Pode-se perfeitamente falar de uma filosofia estética desses vídeos”, analisa Zywietz.

Estética cinematográfica e pseudo-seriedade
Também do ponto de vista técnico, a propaganda jihadista se inspira, cada vez mais, nos modelos dos filmes de sucesso, especialmente os de ação. As cenas em que os combatentes enfrentam os assim chamados “infiéis”, por exemplo, caracterizam-se pelo uso de cortes rápidos e de câmera lenta.

A cor e a pós-produção também têm grande importância. E Zywietz destaca outra característica: o emprego de textos e de imagens superpostas na parte inferior do quadro. “Desse modo, a aparência desses vídeos pouco difere dos que se veem, por exemplo, na televisão, especialmente nos noticiários.”

Tais técnicas visam comunicar uma impressão de seriedade. As mensagens dos jihadistas sugerem que eles seguem os mesmos preceitos de objetividade e confiabilidade dos grandes canais de informação, aponta Zywietz. “Portanto não se aposta exclusivamente numa apresentação espetacular, mas também em dar um verniz de seriedade.”

Debate intelectual em baixa
Atualmente a aparência da propaganda islamista suplanta cada vez mais o conteúdo em importância. Essa tendência tem evoluído continuamente, ao longo dos anos, explica Marwan Abou-Taam, especialista em terrorismo do Departamento Estadual de Polícia Judiciária da Renânia-Palatinado.

“Nós observávamos que os primeiros líderes das organizações islâmicas, como Sayyid Qutb [mentor da Irmandade Muçulmana executado em 1966], escreviam livros e panfletos. Eles haviam estudado a e tentavam justificar suas posições do ponto de vista teológico.”

Osama Bin Laden, por outro lado, não escreveu quase nada, mas, em compensação, se manifestou oralmente muitas vezes. Seus discursos visavam menos os argumentos religiosos, enfatizando que os muçulmanos eram vítimas e precisavam se defender.

“A mais poderosa organização jihadista, o ‘Estado islâmico’ (EI), não publica quase nenhum texto mai longo”, diz Abou-Taam. Em vez disso, investe em vídeos. “E eles querem mostrar: não somos vítimas, mas sim escrevemos história. Somos vencedores.”

Tal narrativa do vencedor torna o EI mais atraente, porém é duvidoso que ela possa ser mantida no longo prazo, aponta o especialista, “pois no momento, precisamente, o EI não está mais numa trajetória vitoriosa”.

Choque de realidade
Muitos dos vídeos reduzem as questões ideológicas a uma linguagem visual frequentemente drástica: imagens de crianças mortas e mulheres estupradas tencionam despertar instintos protetores nos espectadores, motivando-os a ir para a Síria. “Eles confrontam o espectador com a pergunta: ‘Onde está você? Você tem o dever religioso de proteger essas pessoas.'”

Outros vídeos, em contrapartida, visam despertar o impulso oposto: a brutalidade. As imagens mais cruas mostram até mesmo decapitações. “Elas são direcionadas a quem busca esse tipo de brutalidade, quer viver suas fantasias de violência. E os vídeos sugerem: ‘Aqui, com a gente, você pode fazer isso.'”

As imagens do EI funcionam com seu público-alvo. Contrapor algo a elas é difícil, concordam Abou-Taam e Bernd Zywietz. Portanto é necessário as autoridades muçulmanas se voltarem contra o EI e sua propaganda.

Um outro inimigo do EI, no entanto, é a evidência da realidade: pois, à medida que é derrotado no confronto militar, ele igualmente perde a reputação de invencibilidade – e, com isso, também sua infalibilidade ideológica.

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