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Israel, Palestina e a limpeza étnica

Livro de Ilan Pappé consegue desconstruir mitos que estão na fundação do Estado judeu

Crianças na faixa de gaza|
Crianças palestinas observam avião israelense na Faixa de Gaza Faixa de Gaza
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Em novembro deste ano, o mundo relembra os 100 anos da Declaração Balfour, documento oficial britânico que consentia e dava apoio explícito para a criação de um lar nacional judaico na Palestina. Para refletir sobre a tragédia que se abateu sobre um povo, recomendo o livro A Limpeza Étnica da Palestina, de Ilan Pappé (Editora Sundermann, 360 págs., 60 reais).

Esse autor faz parte de um grupo de pesquisadores israelenses, saídos principalmente da Universidade Hebraica de Jerusalém, denominados “novos historiadores”, que questionam a versão oficial (e disseminada mundialmente) acerca da criação do Estado de Israel e da expulsão de mais de 1 milhão de palestinos.

Por sua postura nesse livro, Pappé foi considerado um dos mais questionadores dentre os novos historiadores, afirmando categoricamente que o que ocorreu com o povo palestino foi, sem sombra de dúvidas, uma limpeza étnica. Com essa postura, o historiador angariou inúmeros inimigos e até ameaças de morte, obrigando-o a ir viver na Inglaterra.

Pappé explica, nessa obra, que diversos “mitos fundacionais”, ou “mitos de legitimação” segundo Hobsbawm, sobre a criação do Estado de Israel estão sendo desfeitos, especialmente, e por incrível que pareça, pelos próprios acadêmicos israelenses, espantados com as deformações históricas difundidas oficialmente com relação à fundação do Estado judeu. Vejamos alguns desses mitos, explicados e depois contraditos pelo autor:

1. A “saída” de mais de dois terços dos palestinos de suas cidades e aldeias foi voluntária: as pesquisas dos novos historiadores conseguiram confirmar inúmeros casos de expulsões massivas, massacres de aldeias inteiras e outras atrocidades. Pappé explica que o principal articulador dessa limpeza étnica foi o fundador do Estado israelense, David Ben-Gurion. Em sua biografia, Ben-Gurion diz que houve basicamente quatro planos para “desarabizar” a Palestina, dos quais o Plano D (ou Dalet) descreve em detalhes a expulsão, a qualquer custo, dos palestinos. Nessa biografia, ele afirma: “Eu sou pela transferência compulsória. Não vejo nada de imoral nisso”.

2. Uma terra sem povo para um povo sem terra: a frase, difundida principalmente por Golda Meir, espalhou-se mundo afora, dando a impressão de uma Palestina desértica, praticamente desabitada, composta de beduínos, poucas aldeias e nenhuma cidade. Pappé recolheu documentos oficiais do exército israelense confirmando que as cidades palestinas, especialmente as costeiras, eram prósperas e densamente habitadas, pois havia intercâmbio comercial com diversos países árabes, especialmente Egito, Síria e Líbano, além das grandes exportações de laranjas para a Inglaterra.

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3. Os árabes em geral e os palestinos em particular sempre desejaram jogar os judeus ao mar: essa frase foi difundida pela mídia para encobrir a verdade dos fatos. Diversas cidades litorâneas palestinas foram devastadas e, literalmente, desarabizadas. Dessas cidades, a mais emblemática foi Haifa. Com quase 80 mil habitantes (dos quais um terço composto por judeus de ideologia ultraortodoxa, portanto, contra o sionismo, situação idêntica nas outras cidades palestinas), Haifa foi esvaziada em poucos dias no mês de abril de 1948 por causa do estado de terror imposto pelas tropas judaicas que cercaram a cidade e que, a partir das montanhas que a rodeiam, bombardearam impiedosamente a população desarmada.

Para fugir do massacre, e por falta de barcos suficientes, milhares de palestinos se jogaram ao mar, morrendo afogados. (Depois da “desarabização” de Haifa, outras grandes cidades palestinas tiverem o mesmo destino: Safad, Acre, Nazaré, Tiberíades, Jaffa…)

808387_Ampliada.jpg 4. Os israelenses sempre insistiram para os palestinos permanecerem em suas terras: Ilan Pappé derruba essa fantasia, afirmando: “É pura invenção essa história, que os livros ‘didáticos’ insistem em ensinar, de que houve tentativas de os judeus persuadirem os palestinos a ficar”. E para complementar a afirmação de Pappé, a professora de Pedagogia da Universidade Hebraica de Jerusalém, Nurit Pelled Elhanan, afirma também que esses livros didáticos “distorcem e desumanizam” os palestinos, transformando-os em seres primitivos e grosseiros.

5. Os israelenses sempre respeitaram os lugares sagrados: os movimentos pacifistas e os historiadores israelenses desmentem essa falsa ideia, para eles o que realmente ocorreu foi um “vandalismo de Estado”. A partir de 1948, inúmeros foram os santuários islâmicos e igrejas cristãs destruídos ou, no melhor dos casos, transformados em restaurantes, lojas, laticínios e outros comércios.

Para Pappé, “nem todos os judeus se fazem de cegos para as cenas de carnificina que os exércitos israelenses deixaram em seu rastro a partir de 1948”, e essa autocrítica terá de ser feita mais cedo ou mais tarde pelos judeus israelenses que teimam em nadar contra a corrente fundamentalista que assola seu país.

Essa corrente fundamentalista que domina, atualmente, a política israelense é a mesmíssima que possibilitou o despovoamento/destruição de mais de 500 aldeias e dezenas de cidades densamente habitadas a partir de 1948. Sem essa visão autocrítica, a ideia de uma paz abrangente e duradoura na terra santa será mais do que impossível.

Illan Pappé finaliza seu livro explicando que a Nakba (Catástrofe, em árabe) teve seu ápice em 1948, e a limpeza étnica contra os palestinos foi, e continua sendo, sistematicamente acobertada, tanto pelos governos ocidentais quanto pela imprensa. Mesmo assim, uma porcentagem cada vez maior de cidadãos israelenses, poucos ainda, está se conscientizando de que a matança de palestinos por Israel nunca teve fim, e isso precisa ser revelado à luz dos fatos históricos.

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