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Irã: a coragem de Rouhani dá motivos reais de esperança

O desejo do presidente iraniano de negociar com os EUA sugere a possibilidade de aproximação

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O presidente iraniano, Hassan Rouhani, eleito há três meses com uma plataforma de “prudência e esperança”, chega nesta segunda-feira 23 a Nova York para falar na Assembleia Geral da ONU amanhã, terça, algumas horas depois do tradicional discurso inaugural do anfitrião, terá um encontro com o presidente Barack Obama. “Vá despertar sua sorte”, diz um tradicional provérbio persa. Na última de uma série de medidas de surpresa, na sexta-feira Rouhani despertou a comunidade internacional com um artigo no Washington Post que sugeria um possível fim do impasse nuclear a atuar como um barril de pólvora no Oriente Médio há anos. “Uma mentalidade de guerra fria de soma zero causa perdas para todos”, escreveu Rouhani. Seu objetivo, ele explicou, é um “compromisso construtivo”.

Nos próximos dias, Obama e Rouhani se envolverão em uma delicada dança diplomática — talvez até se encontrem pessoalmente para dar demonstrações de um acordo. Pelo menos para que o segundo possa voltar para casa com um início de entendimento entre os dois países que até os pessimistas mais empedernidos do Oriente Médio possam alegar ter a promessa de algo histórico, um marco para a região.

Nos 34 anos de história da República Islâmica do Irã, o ritmo das mudanças desde a vitória inesperada de Rouhani, no verão, foi inédito. Em sua primeira entrevista coletiva, o clérigo xiita de centro prometeu que “se os Estados Unidos demonstrarem boa vontade e respeito mútuo, estará aberto o caminho para a interação”.

Na semana passada, como mais uma prova de suas intenções, 11 importantes prisioneiros políticos foram libertados, incluindo o advogado e ativista dos direitos humanos Nasrin Sotoudeh. Há rumores de mais libertações. Cartas amistosas foram trocadas entre Obama e Rouhani. Este tuitou recentemente cumprimentos de ano novo aos judeus que comemoraram o Rosh Hashanah, e ele chega a Nova York hoje acompanhado de Siamak Moreh Sedgh, o único membro judeu do Majlis, o Parlamento iraniano.

Em uma recente entrevista para um canal de TV americano, outra estreia, Rouhani disse que o Irã jamais “buscaria armas de destruição em massa, incluindo armas nucleares”. Mais: ele tinha “plenos poderes e total autoridade” para fechar um acordo nuclear. O poder final está com o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei. Observadores dizem que seu apoio a esta nova ofensiva diplomática está claro na transferência de autoridade sobre a questão nuclear do belicoso Conselho de Segurança Nacional para o Ministério das Relações Exteriores, hoje chefiado por Mohammad Javad Zarif. Educado nos EUA, ele passou cinco anos como embaixador do Irã na ONU, até 2007. Zarif teria aprovado os sinais de que “os tambores de guerra na região” estão se silenciando. Nesta terça ele deverá se reunir com William Hague, o ministro do Exterior britânico, e com a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, que participa das negociações nucleares.

Apesar dessas manobras positivas, a memória das sangrentas represálias contra a oposição iraniana, o movimento verde, depois do levante por mudanças em 2009, continua fresca. Assim como as imagens do antecessor de Rouhani, Mahmoud Ahmadinejad, que denunciou na Assembleia Geral da ONU os “sionistas incivilizados”, sugerindo que o Holocausto foi um mito e acusando os EUA de praticarem “bullying na política internacional”. Entretanto, Obama tem sua melhor chance de fazer valer sua promessa de campanha de 2008 de explorar a possibilidade de melhores relações e de uma aproximação nuclear com o Irã.

As três perguntas chaves nesta altura são: por que o Irã está fazendo gestos de abertura agora? Rouhani tem o tempo e o poder para controlar a linha dura de seu país diante da insistência de Israel de que os “mulás loucos” ainda governam e o programa nuclear do Irã continua avançando? E como seria uma aproximação, mesmo que frágil? Por que agora é uma pergunta respondida em parte pela situação da economia iraniana desde o endurecimento das sanções no ano passado. As restrições financeiras impedem que o Irã venda produtos por moeda forte. Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IIEE), a receita do petróleo caiu 45%, custando à economia cerca de 150 milhões de dólares por dia em lucros cessantes; a produção industrial caiu 40%; o desemprego subiu um terço e os preços ao consumidor dispararam 87%. Tudo isso faz aumentar o descontentamento público. Os acontecimentos recentes na Síria também reforçaram a alavancagem. O Irã apoiou intensamente Bashar al Assad. Em consequência disso, uma pesquisa em março revelou que o Irã era visto de forma desfavorável em 14 de 20 países árabes e muçulmanos. O envolvimento proativo da Rússia hoje poderá abrir uma resolução para o debacle na Síria.

Rouhani tem uma vantagem tática em curto prazo, porque a linha dura iraniana ficou desorientada desde sua surpreendente eleição. No entanto, qualquer sinal de censura, rejeição ou humilhação pelos Estados Unidos prejudicará Rouhani; segundas chances são raras. Então, que forma poderão tomar as negociações? Na quarta-feira 25, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, falará na Assembleia Geral da ONU. Se os EUA o mantiverem na linha, o otimismo poderá crescer. Há meses, porém, “Bibi” vem repetindo sua exigência de uma fórmula em quatro etapas. O Irã deve parar de enriquecer urânio; remover o urânio enriquecido do país; fechar sua usina nuclear perto de Qom; e parar a “pista do plutônio”, o caminho para as armas nucleares. De sua parte, Rouhani afirmou o direito de seu país de ter um programa nuclear pacífico, incluindo o direito de enriquecer urânio para combustível.

Os contornos de um potencial acordo de paz estão visíveis, diz a analista Dina Esfandiary, do IIEE. Eles incluem maior transparência, garantida por inspeções internacionais (que Israel continua recusando). O jornal alemão Der Spiegel relatou que Rouhani também está preparado para fechar a usina de enriquecimento nuclear de Fordow, em troca de um relaxamento das sanções.

Rouhani é um homem do establishment, e não um radical. Um protegido do ex-presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, ele foi um influente reparador de coisas desde a revolução, tornando-se chefe do Conselho de Segurança Nacional, o centro da política internacional e nuclear do Irã. Educado em parte na Universidade Caledonian de Glasgow (Escócia), ele parece interpretar as instruções de Khamenei sobre “tolerância histórica” como um apelo ao pragmatismo em um momento oportuno.

Hoje com 64 anos, Rouhani também é movido por outra força poderosa por mudanças – uma população jovem bem conectada digitalmente com o mundo exterior, apesar dos esforços contrários do regime. Foram os jovens que votaram nele como representante da oposição. “Um governo forte”, observou Rouhani, que entenda a importância desse endosso, “não é um governo que limita a vida das pessoas”.

É apenas um começo. O Irã continua sendo uma teocracia islâmica com um controle rígido dos cidadãos. No entanto, Rouhani exercitou uma coragem e uma conciliação consideráveis. Obama deve reagir com tato, propostas concretas e boa fé. O impacto para o Irã, há pouco tempo considerado uma ameaça constante à paz mundial, e para o resto do Oriente Médio, poderá ser vital. Pois este é um momento de esperança.

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