Mundo
Homens e ideias
Yahya Sinwar não é o primeiro e talvez não seja o último líder do Hamas a ser eliminado por Israel


Israelenses e outros saudaram o assassinato de Yahya Sinwar, o líder do Hamas e mentor dos ataques a Israel em 7 de outubro do ano passado, como um “momento Osama bin Laden”. Isso reflete o que muitos em Israel pensam sobre a morte de um homem responsável pelo assassinato de 1,2 mil compatriotas, na maioria civis, mas especialistas em terrorismo há muito discutem se é eficaz eliminar os líderes de grupos extremistas violentos. Alguns sugerem que essa estratégia é contraproducente.
A verdade é que ninguém tem certeza.
Em alguns casos, a eliminação de um líder trouxe sucesso definitivo. Quando o Mossad matou Wadie Haddad, chefe de uma facção dissidente da Frente Popular para a Libertação da Palestina e responsável por uma série de ataques terroristas espetaculares na década de 1970, provavelmente com chocolates envenenados, seu grupo se desintegrou. Sequestros e bombardeios continuaram, mas foram realizados por outros.
Velupillai Prabhakaran, o líder dos Tigres de Libertação de Tamil Eelam, no Sri Lanka, morreu em 2009 numa escaramuça com forças do governo após uma campanha brutal com muitas vítimas civis, quase o mesmo número daquelas que morreram em Gaza. Isso encerrou decisivamente uma sangrenta guerra civil de décadas, com complexas raízes sociais, étnicas, religiosas e econômicas.
Assassinatos seletivos foram um pilar da estratégia dos Estados Unidos durante a “guerra ao terror” que se seguiu aos ataques de 11 de setembro de 2001, obra de Bin Laden e sua Al-Qaeda. O advento dos drones foi um dos motivos, mas a relutância cada vez maior a arriscar a vida de soldados ocidentais em combates teve o seu peso.
No Afeganistão, o assassinato de uma série de líderes do Talibã foi elogiado à época, mas não conseguiu alterar as circunstâncias, regionais e locais, que, em última análise, fortaleceram o movimento. “Caçar homens é um jogo difícil”, disse alegremente um brigadeiro britânico em Cabul em 2006. Também foi inútil. O Talibã foi prejudicado por suas perdas, sem dúvida, e alguns estudos mostram que suas capacidades sofreram, mas eles ainda conseguiram retomar o poder em 2021.
A estratégia de “decapitar” lideranças em geral produz efeitos fugazes
No Iraque, os Estados Unidos mataram sucessivos líderes de grupos jihadistas sunitas radicais. A eliminação, em 2006, de Abu Musab al-Zarqawi, o primeiro líder proeminente da afiliada da Al-Qaeda, apenas abriu caminho para homens locais competentes e discretos se reforçarem. Esses também foram mortos, permitindo que o pouco conhecido, mas implacavelmente eficaz Abu Bakr al-Baghdadi assumisse o poder. Ele liderou o Estado Islâmico na região e, mais tarde, na Europa Ocidental. Al-Baghdadi foi morto em 2019 e os líderes do EI que o seguiram foram medíocres, quando permaneceram vivos. Acredita-se que o atual chefe seja um pregador menor e líder de facção em uma parte remota da África Oriental. Então essa pode ser considerada uma vitória para aqueles que apoiam o assassinato como estratégia.
Depois, há o Hezbollah. Hassan Nasrallah tornou-se líder da organização sediada no Líbano em 1992, depois de seu antecessor ser morto por Israel, e então a dirigiu com habilidade e eficácia por 32 anos, evitando várias tentativas de assassinato. No mês passado, Israel matou não apenas Nasrallah, mas todo o escalão de liderança. Essa combinação de “decapitação” e desgaste direto é virtualmente sem precedentes. Não é de surpreender que o Hezbollah esteja cambaleando.
Os Estados Unidos tiveram seu literal “momento Bin Laden” em 2011, quando o fundador e líder da Al-Qaeda foi localizado em um esconderijo no Paquistão e morto por forças especiais estadunidenses. Posteriormente, sob Ayman al-Zawahiri, a Al-Qaeda desistiu de ataques internacionais e se entrincheirou em comunidades locais. Al-Zawahiri foi morto em 2022 e ainda não sabemos realmente quem é o atual líder da Al-Qaeda, mesmo porque não há ninguém com o perfil de um dos antecessores. O grupo ainda está por aí, embora não represente uma grande ameaça internacional no momento. Isso é menos verdadeiro para o EI, que tem ganhado terreno na África, está ativo no Afeganistão e continua a inspirar ataques em outros lugares.
Israel, é claro, matou muitos dos líderes e agentes mais capazes do Hamas nos últimos 20 anos. Cada morte forçou mudanças, mas raramente aquelas previstas. Se a história atribulada das estratégias de decapitação nos diz alguma coisa, é o fato de ser quase impossível prever qual será o efeito de matar um líder. Isso pode não importar para aqueles que ordenam os assassinatos ou para quem se alegra com as notícias de um assassinato bem-sucedido. Política e desejo totalmente compreensível de retribuição e justiça são fatores importantes.
Qualquer exultação em Israel ou em qualquer outro lugar pela morte de Sinwar deve ser, no entanto, temperada com uma consciência de que ninguém pode saber o que virá a seguir. Pode realmente ser o começo do fim da guerra em Gaza, como Benjamin Netanyahu sugeriu. Mas a história desses assassinatos indica que, no longo prazo, qualquer vitória decisiva permanecerá fugaz. •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves .
Publicado na edição n° 1334 de CartaCapital, em 30 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Homens e ideias’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.