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Hollande, humanitário ou conservador?

O presidente francês diz que receberá de volta Leonarda, deportada com os pais da França. Mas ela terá de escolher entre a escola e a família. Por Gianni Carta

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François Hollande, o presidente francês, é como vários políticos neste mundo globalizante um tipo ambíguo. Isso para dizer pouco. Por exemplo, não se sabe ao certo se quer mostrar seu lado humanitário ao readmitir nesse país a jovem estudante “kosovar” Leonarda Dibrani, de 15 anos, expulsa no início de outubro da França. O presidente quer realmente ajudar a moça – e acalmar os estudantes franceses e legendas esquerdistas francesas, todos inconformados com sua exclusão?

Ou estaria Hollande simplesmente em vias de garantir a posição de seu popular ministro socialista do Interior, Manuel Valls? Segundo uma investigação legal, Valls teve razão de deportar Leonarda porque sua família estava em situação irregular na França.

A resposta para o jogo duplo de Hollande é simples: às vésperas das eleições municipais em março, um termômetro para os socialistas e outras agremiações, Hollande quer matar dois coelhos com uma cajadada. Em síntese: ele se mostra humanitário com a jovem, e com os estudantes e legendas esquerdistas que podem votar no seu Partido Socialista; ao mesmo tempo, poupa o ministro do Interior, este um linha-dura como o ex-ministro do Interior e ex-presidente ultraconservador Nicholas Sarkozy.

Portanto, Valls é apreciado pela direita.

Os socialistas, vale sublinhar, vão mal. Segundo enquetes, Marine Le Pen, líder da Frente Nacional (FN), o partido extremista que agora tem aliados na desnorteada direita clássica, aquela nostálgica de Sarkozy, é a candidata francesa mais cotada nas eleições europeias em maio.

Além dos extremistas, votam na FN a direita clássica, operários e, segundo enquetes, até cerca de 11% dos eleitores que apoiraram Hollande nas últimas Presidenciais. Detalhe: Le Pen processa quem chama sua legenda de extremista, e alega não mais pertencer à direita. As fricções entre direita e esquerda teriam sido substituídas por aquelas entre o nacionalismo e a globalização, sustenta Le Pen.

Nesse cenário político revolto, Hollande, líder do segundo partido da França depois da FN e na dianteira da conservadora União por uma União Popular (UMP), quer agradar gregos e troianos.

No sábado 19, Hollande disse ao povo em uma curta alocução televisiva: “Se ela (Leonarda) quiser seguir seus estudos na França, um lugar lhe será reservado, mas somente a ela”.

Valls, agora sossegado no cargo, havia ameaçado pedir demissão caso Leonarda voltasse com família para a França.

Do Kosovo, Leonarda disse para a AFP: “Não vou abandonar minha família. Não sou a única que tem de ir à escolar, há também meus irmãos e irmãs”.

Na verdade, Resat Dubrani, era o único habitante nascido no Kosovo. A mulher e filhos, salvo a menor nascida na França, vieram ao mundo na Itália. Mas como na França, e no Reino Unido, nascer na Itália de pais estrangeiros não implica em uma cidadania automática.

Resat Dubrani e a família estavam na França fazia cinco anos e pediam asilo político como kosovares devido à discriminação que sofriam como roma (ciganos) no Kosovo.

Dubrani apresentou um certificado de casamento falso obtido em Paris por 50 euros, no qual ele e a mulher eram apresentados como kosovares.

Ademais, Resat Dubrani tinha problemas com a justiça. E há, embora também não confirmadas, reclamações de violência por parte de Resat contra Maria, a irmã mais velha de Leonarda, e contra a própria.

Segundo o prefeito de Fano, na Itália, onde a família viveu vários anos, “as crianças nunca iam à escola e viviam a pedir esmolas na rua”.

No entanto, às vésperas de eleições municipais e europeias, Hollande vai de mal a pior. Tem razão Harlem Désir, secretário-geral do PS. Segundo Désir, Leonarda deveria voltar para a França com a mãe e irmãos.

A imigração, um tema jamais discutido pelo dividido Partido Socialista, finalmente veio à tona — e às vésperas de importantes pleitos.

Qualquer que seja o caso, a maneira como Leonarda foi presa de deportada foi humilhante – e uma verdadeira escorregada política, ou talvez uma demonstração de força para a direita por parte de Valls. A polícia já havia prendido e deportado os pais e irmãs para o Kosovo. No dia seguinte, quando a menina voltava de uma excursão escolar foi presa , diante dos colegas, ao sair do ônibus.

Isso jamais será esquecido pelos mais humanistas e pelas esquerdas. Além disso, ao admitir o retorno de Leonarda, Hollande diz: “Você volta, mas esqueça tua família”. Eis um tema fundamental: o chefe de Estado não respeita a integridade das famílias.

Para a direita, igualmente dividida, a concessão de Hollande a Leonarda criará precedentes. “Fiasco”, diz a manchete do diário conservador Le Figaro na segunda-feira 21.

Não espanta o sucesso de Marine Le Pen.

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