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Grupo do Iêmen e EUA se atacam no Mar Vermelho: guerra está se expandindo pelo Oriente Médio?

Pesquisadores ouvidos pelo Brasil de Fato concordam sobre papel dos houthis, mas divergem sobre rumos da guerra

Os iemenitas cantam slogans anti-Israel e anti-EUA durante um protesto em solidariedade ao povo palestino na capital Sanaa, controlada pelos huthis, em 17 de janeiro de 2024. Créditos: MOHAMMED HUWAIS / AFP
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Uma espécie de guerra marítima está em curso nos mares do Oriente Médio. O Houthi, grupo rebelde do Iêmen que apoia a causa palestina diante do massacre em curso em Gaza, vem atacando embarcações de bandeira israelense e também de outras nações aliadas de Israel, inclusive dos Estados Unidos. Os estadunidenses, em conjunto com o Reino Unido, tomaram parte atacando instalações militares dos rebeldes em território iemenita e designaram os houthis como um “grupo terrorista”.

Episódios como a escalada no Iêmen e outras ocorrências militares em países do entorno como Líbano, Síria e Iraque levantaram temor de uma possível expansão bélica na região. O Brasil de Fato ouviu pesquisadores para entender se os conflitos armados estão se espalhando na região ou se são episódios isolados.

Para Bruno Huberman, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, o conflito já está regionalizado e o ataque realizado por forças dos EUA e do Reino Unido contra alvos houthis em território iemenita na última sexta-feira 12 mostra “o imperialismo recorrendo à força para socorrer aliados, como sempre fez”.

O ataque em si, segundo ele, serviu apenas para “dissuadir os houthis” e não tem grande importância. O que é relevante nessa dinâmica, diz o pesquisador, é a solidariedade dos iemenitas aos palestinos, “a maior que a gente vê no Oriente Médio hoje em dia”. Huberman destaca a resistência dos rebeldes do Iêmen, que aguentaram ataques massivos da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos no bojo da guerra civil em seu país, iniciada em 2014.

“Se for para resolver por meio do uso da força, realmente os americanos terão que usar muitos mísseis e bombas”, concorda Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e especialista em Segurança Internacional. “No entanto, como o grupo [houthis] depende do Irã e este depende da China, é possível que os ataques houthis parem por pressão diplomática de Pequim”, cogita.

A dependência, ele explica, se dá pelo fato de a China ser o maior cliente do petróleo iraniano, além do vínculo diplomático. “Não se pode esquecer que o restabelecimento das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita foi mediado por Pequim”, diz.

Huberman acredita que se trata de uma “guerra por procuração” entre Irã e EUA, “porque os houthis, até onde a gente sabe, atuam com bastante inteligência provida pelos iranianos e por todo o eixo da resistência, que está se mostrando uma força muito mais poderosa do que a gente imaginava até 7 de outubro”. Entretanto, o pesquisador lembra que, apesar do apoio iraniano, trata-se de um grupo autônomo que age de acordo com seus interesses políticos no Iêmen.

Desafio para a indústria militar dos EUA

Já Rudzit enxerga a escalada houthi como parte do conflito entre Israel e Irã, mas também como estratégia de alguns governos no sentido de colocar em estresse as Forças Armadas dos EUA e, principalmente, sua capacidade de produção de armamento. “Sustentar os dois aliados em guerra [Ucrânia e Israel] e empreender mais algumas ações militares está realmente desafiando a base industrial de defesa dos EUA”, diz.

O Iêmen, lembra Huberman, já havia sido atacado pelos EUA em três governos anteriores: Bush, Obama e Trump. Segundo Rudzit, isso ocorreu por causa da posição estratégica do país, “como finalmente o mundo percebeu”.

O professor acredita que o front de batalha aberto pelos houthis nos mares do Oriente Médio impacta os interesses comerciais de quem depende dessa rota marítima, porque ela foi interrompida e isso aumentou o preço do barril do petróleo. Do ponto de vista geopolítico, no entanto, ele acredita que não haverá mudanças significativas, já que “o Iêmen continuará mergulhado em guerra civil e o conflito entre Arábia Saudita e os houthis não vai ressurgir”.

Olhando para o Oriente Médio como um todo, apesar de tantos outros países da região terem sido palcos de algum tipo de ocorrência militar desde o dia 7 de outubro, quando começaram os ataques em Gaza, Rudzit não acredita que o conflito esteja regionalizado “porque ele não envolveu abertamente flancos contra o Hezbollah nem contra o Irã, o que não deve acontecer”.

Sobre os houthis

Durante séculos, o zaidismo, uma seita do islã xiita, governou o Iêmen, mas passou a ser marginalizada pelo regime sunita que chegou ao poder após a guerra civil de 1962. Na década de 1990, um ex-parlamentar iemenita chamado Hussein al-Houthi lançou o “Juventude que Acredita”, movimento de resistência para representar a luta dos fiéis contra o sunismo radical, principalmente as ideias Wahhabi da Arábia Saudita. Logo, seus seguidores ficaram conhecidos como houthis.

O movimento Houthi é uma das partes em conflito na guerra civil do Iêmen, que ocorre desde 2014. Sua aliança com o Irã foi fortalecida desde o início do conflito. As autoridades iranianas apoiaram o grupo fornecendo armamento e tecnologia à medida em que o conflito escalava e a sua rivalidade com a Arábia Saudita se intensificava. Hoje, os houthis integram o “Eixo da Resistência”, uma aliança contra Israel e o Ocidente liderada pelo Irã, ao lado do grupo palestino Hamas e do libanês Hezbollah.

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