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Governo dos EUA contestará restrições a pílula abortiva na Suprema Corte

A mais recente batalha sobre a liberdade reprodutiva das mulheres nos Estados Unidos acontece quase um ano depois de a Suprema Corte, dominada por juízes conservadores, revogar a histórica decisão que consagrou o direito constitucional ao aborto por 50 anos

Ativistas se mobilizam em torno da questão do aborto nos Estados Unidos. Foto: Win McNamee/Getty Images/AFP
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O Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou na quinta-feira (13) que vai recorrer à Suprema Corte para contestar as restrições impostas a uma pílula abortiva de uso generalizado, em uma batalha judicial cada vez mais intensa sobre os direitos reprodutivos no país.

O anúncio do governo do presidente Joe Biden foi feito poucas horas depois de uma corte federal de apelações rejeitar as medidas para suspender a mifepristona, mas decidir limitar seu acesso.

A mifepristona, aprovada no ano 2000 pela FDA (agência federal que regula os alimentos e os medicamentos nos EUA), foi usada em mais da metade de todos os abortos nos EUA.

Ao mesmo tempo, o governador da Flórida, Ron DeSantis, assinou na quinta-feira uma lei que reduz de 15 para seis semanas o prazo para o aborto no estado, pouco depois de o texto ser aprovado pela Câmara dos Deputados com 70 votos a favor e 40 contra

“Estamos orgulhosos de apoia a vida e a família no estado da Flórida”, afirmou DeSantis, nova estrela da direita americana e possível candidato republicado à presidência em 2024.

A Casa Branca criticou a iniciativa porque antes das seis semanas muitas mulheres ainda não sabem que estão grávidas.

A porta-voz da presidêncua, Karine Jean-Pierre, chamou a iniciativa do Legislativo da Flórida de “extrema e perigosa”. Também disse que “a proibição vai contra as liberdades fundamentais”.

O Departamento de Justiça vai recorrer à Suprema Corte “para defender o julgamento científico da FDA e proteger o acesso dos americanos a cuidados reprodutivos seguros e eficazes”, disse o procurador-geral dos EUA, Merrick Garland.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, reafirmou que “a lei está do nosso lado e vamos vencer”, em declarações a jornalistas durante a visita de Biden a Dublin, capital da Irlanda.

Na noite de quarta-feira (12), a Corte de Apelações do Quinto Circuito dos Estados Unidos, em Nova Orleans, Louisiana, decidiu que a mifepristona, também conhecida como RU 486, deveria continuar disponível à espera de uma audiência completa sobre o caso.

Mas restringiu o acesso à pílula às primeiras sete semanas de gestação, em vez das atuais dez; determinou que a retirada do medicamento seja feita de forma presencial – uma exigência que havia sido eliminada; e a suspensão da entrega do fármaco pelo correio.

A decisão judicial foi tomada depois que Matthew Kacsmaryk, um juiz do Texas nomeado pelo ex-presidente republicano Donald Trump, derrubou na sexta-feira a aprovação da mifepristiona pela FDA, suspendendo, assim, sua autorização em todo o país.

Os dois juízes de Nova Orleans que votaram para tornar mais rígidas as restrições de acesso à pílula abortiva, Kurt Engelhardt e Andrew Oldham, também foram indicados por Trump. A terceira juíza, Catharina Haynes, foi nomeada pelo ex-presidente George W. Bush.

– “Vitória” e revolta –

O grupo contra o aborto Susan B. Anthony descreveu a decisão como uma “vitória”.

“A corte reconheceu que a pílula abortiva é perigosa e reverteu o esquema imprudente de aborto pelo correio de Biden”, disse uma das diretoras da organização, Katie Daniel. “Esperamos que a Suprema Corte examine o caso”.

Mas a decisão foi denunciada pela organização Planned Parenthood, a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), o Centro de Direitos Reprodutivos e outros grupos que buscam garantir o acesso ao aborto.

“Estamos furiosos de que outro tribunal opte por colocar em risco a saúde e o futuro de milhões de pessoas”, disse a presidente da Planned Parenthood, Alexis McGill Johnson.

Jennifer Dalven, da ACLU, disse que “a menos que a Suprema Corte intervenha, essa decisão vai impedir que muitas pessoas obtenham serviços abortivos e isso as obrigará a permanecer grávidas contra sua vontade”.

A mais recente batalha sobre a liberdade reprodutiva das mulheres nos Estados Unidos acontece quase um ano depois de a Suprema Corte, dominada por juízes conservadores, revogar a histórica decisão que consagrou o direito constitucional ao aborto por 50 anos.

Autoridade da FDA abalada

A mifepristona é um componente de um regime de dois medicamentos que podem ser utilizados nos Estados Unidos nas 10 primeiras semanas de gravidez. A FDA estima que 5,6 milhões de americanos a tenham utilizado para interromper a gestação desde que foi aprovada, há mais de duas décadas.

A decisão da semana passada do juiz federal do Texas Matthew Kacsmaryk, também nomeado por Trump, ocorreu depois que uma coalizão de grupos antiaborto entrou com um processo para interromper a distribuição nacional da mifepristona.

Em sua deliberação, Kacsmaryk se referiu aos prestadores de serviços de interrupção da gestação como “abortistas” e disse que o medicamento era utilizado para “matar o ser humano por nascer”.

Ele ainda acrescentou que o remédio, combinado com outro comprimido, resultou em “milhares de eventos adversos sofridos por mulheres e meninas”, incluindo sangramento intenso e trauma psicológico.

No entanto, a FDA, cientistas e o fabricante do medicamento dizem que décadas de pesquisas e testes demonstraram que o fármaco é seguro e eficaz quando utilizado corretamente.

O governo Biden e as principais empresas farmacêuticas e de biotecnologia também argumentaram que a sentença de Kacsmaryk poderia minar toda a autoridade de aprovação de medicamentos pela FDA.

“Se esta decisão for mantida, nenhum remédio, dos medicamentos de quimioterapia aos medicamentos para a asma, os comprimidos para a pressão arterial e a insulina estariam a salvo de ataques”, alertou a vice-presidente americana, Kamala Harris.

Pesquisas de opinião mostram que uma clara maioria dos americanos apoia o acesso seguro ao aborto, mesmo diante de grupos conservadores que pressionam para limitar o que antes era um direito consagrado por lei, ou proibi-lo por completo.

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