Mundo

assine e leia

Golpe no cartel

A prisão de Ovidio Guzmán desencadeia uma guerra entre o Exército mexicano e os traficantes de Sinaloa

Golpe no cartel
Golpe no cartel
Guzmán está em um presídio na Cidade do México - Imagem: Cepropie/AFP
Apoie Siga-nos no

Álvaro Arandas aproximava-se do balcão de ­check-in no Aeroporto Internacional de Culiacán, no ­México, quando começou o pandemônio. “Você podia ouvir o tiroteio. Grandes explosões, muito barulho”, disse o empresário mexicano, que ia embarcar num voo para a cidade de San Luis Potosí, no leste do país. Em vez disso, Arandas viu-se na ânsia de se esconder, enquanto as forças de segurança e os pistoleiros do cartel lutavam pelo controle de um aeroporto que havia se tornado a última linha de frente num conflito por drogas que ceifa dezenas de milhares de vidas todos os anos na América Latina. “Houve pânico… as pessoas largaram ­suas malas e seus telefones, largaram tudo para se abrigar”, lembrou o homem de 32 anos sobre os confrontos pouco depois das 8 da manhã da quinta-feira 5.

Vinte e quatro horas depois, Arandas continuava preso no aeroporto. As tropas mexicanas lutavam para recuperar o controle da capital do estado de Sinaloa, depois que a prisão de um dos homens mais procurados do país, Ovidio ­Guzmán, provocou um dia de derramamento de sangue e caos. Ao menos 29 envolvidos no conflito morreram, dez militares e 19 supostos atiradores do cartel, e 35 soldados ficaram feridos.

Guzmán, de 32 anos, filho do ex-chefe do cartel de Sinaloa, Joaquín “El ­Chapo” Guzmán, estava atrás das grades na Cidade do México após o último capítulo sangrento na história do domínio de sua família no noroeste. “Ninguém está acima da lei”, declarou a chefe de segurança do México, Rosa Icela Rodríguez, na sexta-feira 6, ao comemorar a detenção às vésperas da visita do presidente norte-americano, Joe Biden.

O dia de drama em Culiacán começou por volta das 4h40 da madrugada de quinta-feira, segundo o jornal local ­Noroeste. A 56 quilômetros ao norte da capital, perto de uma comunidade de pescadores chamada Jesús María, as forças de segurança afirmaram ter avistado um comboio com cerca de 25 veículos do cartel, no qual estaria seu alvo – também conhecido como “El Ratón” (O Rato). Sete soldados foram mortos no tiroteio que se seguiu entre as tropas e os bandidos, com metralhadoras calibre 50 e desesperados para evitar a prisão de Guzmán, suposto traficante de cocaína, maconha e metanfetamina. Os Estados Unidos ofereceram uma recompensa de 5 milhões de dólares por sua prisão.

Um caça Black Hawk atingiu um alvo com uma metralhadora de seis canos de 3 mil tiros por minuto, semelhante àquelas usadas pelas tropas norte-americanas no Vietnã. Guzmán foi preso, mas o pior ainda estava por vir, quando pistoleiros do cartel saquearam o estado de Sinaloa, incendiaram veículos, bloquearam estradas e tentaram assumir o controle do aeroporto de Culiacán, para impedir o transporte do líder até a capital. “Pedimos aos cidadãos que não saiam”, tuitou o secretário de Segurança de ­Sinaloa, Cristóbal Castañeda, enquanto o caos se espalhava. “Daremos mais informações quando pudermos.”

O filho de “El Chapo” é um troféu do presidente López Obrador a ser exibido aos EUA

O ex-chefe da Agência de Combate às Drogas dos EUA, Mike Vigil, disse que as autoridades mexicanas foram parcialmente responsáveis pela reação do cartel à prisão de Guzmán. Quando o chefe do tráfico foi detido brevemente em outubro de 2019, o presidente ­Andrés ­Manuel López Obrador ordenou, de forma polêmica, que as tropas o libertassem depois de bandidos paralisarem a cidade em um dia lembrado como a “quinta-feira negra” de Culiacán. “Não queremos guerra”, disse na época López ­Obrador. Segundo Vigil, a decisão enviou uma mensagem clara aos líderes dos dois grupos do crime organizado mais temidos do México, os cartéis de Sinaloa e Jalisco Nova Geração, “que se um integrante importante fosse capturado e você gerasse violência em massa, havia uma boa possibilidade de serem libertados”.

Quando Arandas chegou para fazer o check-in, bandidos abriram fogo contra aviões militares e civis – alguns ainda em voo –, bem como contra prédios do aeroporto, disse o secretário de Defesa do México, Luis Cresencio Sandoval. Os ­aviões visados incluíam o voo da ­AeroMéxico para a Cidade do México, cujos passageiros perplexos foram filmados agachados para se proteger entre os assentos azuis-escuros, enquanto o ataque se desenrolava ao seu redor. “Por quê?”, uma criança assustada pôde ser ouvida perguntando a um dos pais.

Alguns analistas acreditam que a prisão de Guzmán foi um sinal para Biden, com quem López Obrador se encontrou na Cidade do México, na segunda-feira 8, para discutir questões como migração e segurança. O especialista em segurança Óscar Balderas disse que a captura permitiria que o governo mexicano sinalizasse aos Estados Unidos que o país era capaz de aplicar golpes efetivos no crime organizado. Guzmán também era um “troféu” doméstico a ser usado para afirmar que a política “Abrazos, No ­Balazos” (Abraços, Não Balas), que coloca o combate às raízes sociais do crime acima do confronto violento, funciona. “É uma demonstração de que a sua estratégia (…) não significa impunidade.”

Vigil chamou a captura de Guzmán, levado para a Cidade do México de helicóptero, de “uma vitória para a Justiça e o Estado de Direito”. O cartel de Sinaloa, ressalta, no entanto, é uma organização tão vasta e gerida horizontalmente que sua prisão provavelmente não faria grande diferença. “Eles atuam em seis dos sete continentes. O único continente onde não operam é na Antártida, porque os pinguins não têm dinheiro para comprar drogas”, brinca Vigil, antes de acrescentar: “(Isso) não terá nenhum impacto na violência no México ou nas drogas que chegam aos EUA, especialmente o fentanil”.

Na tarde de sexta-feira 6, a violência parecia ter diminuído em Culiacán. As ruas fantasmagóricas da cidade começaram a se encher quando os bloqueios do cartel foram desmontados, embora o secretário de Segurança do estado tenha dito aos moradores que dirigissem com as janelas abertas se estivessem com película escura. Poucos esperam uma calma duradoura. Alguns temem uma disputa de poder entre o enfraquecido cartel de Sinaloa e seus rivais de Jalisco. Outros suspeitam que um confronto se desenha entre os quatro filhos de El Chapo, conhecidos como Los Chapitos, e bandidos leais ao lendário líder do cartel Ismael “El Mayo” Zambada. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1242 DE CARTACAPITAL, EM 18 DE JANEIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Golpe no cartel “

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo