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Príncipe Andrew, o ‘Garoto-problema’
Aos 62 anos, o príncipe Andrew envolve a família real no maior escândalo do reinado de Elizabeth II


O príncipe Andrew da Grã-Bretanha, duque de York, fará 62 anos no mês que vem. É muito mais que a idade na qual se espera que um homem deixe de causar preocupação e embaraço a seus pais. Andrew, que, segundo comentários, é o filho favorito da rainha, expôs, no entanto, sua mãe à maior ameaça para a reputação da família real de que se tem notícia.
Enquanto ele aguarda a decisão do juiz Lewis Kaplan, de Nova York, no caso de agressão sexual movido por Virginia Giuffre, o príncipe encontra-se na posição profundamente incômoda de tentar escapar do tribunal com um acordo secreto de silêncio feito por seu falecido amigo e agressor sexual condenado Jeffrey Epstein.
O acordo, assinado em 2009, declara que, em troca de 500 mil dólares, Giuffre, que então usava o sobrenome de solteira, Roberts, prometia “liberar … e quitar para sempre … segundas partes e qualquer outra pessoa ou entidade que possa ter sido incluída como réu em potencial … de todos, e todos os tipos de ações e processos de Virginia Roberts, incluindo causa e causas de ação estaduais ou federais”.
O abuso sexual dá nova munição aos britânicos contrários à monarquia
Giuffre afirma que, em 2001, quando tinha 17 anos, foi “traficada” por Epstein e sua antiga namorada Ghislaine Maxwell para fazer sexo com o príncipe britânico em três ocasiões – uma na casa de Maxwell em Belgravia (bairro elegante de Londres), onde foi tirada a foto infame dela com o príncipe, então com 42 anos, abraçando sua cintura. Na segunda ocasião, na mansão de Epstein em Nova York. E, finalmente, na ilha particular de Epstein, Little St. James, nas Ilhas Virgens Britânicas, com um grupo de garotas. O príncipe nega todas as denúncias e diz não se lembrar de ter conhecido Giuffre.
Os advogados do príncipe adotaram uma abordagem agressiva para proteger seu cliente. Primeiro, afirmaram que as intimações do tribunal não foram apresentadas adequadamente, depois tentaram arquivar o caso sob a alegação de que Giuffre não vive nos Estados Unidos. Agora eles tentam salvar o cliente com o triste fato de que ele se qualifica como réu potencial em qualquer caso de abuso sexual ligado a Epstein. Em outras palavras, parece que sua possível culpa é usada como sua defesa.
Mesmo que essa brecha legal funcione e Kaplan arquive o caso, será um resultado que não limpará o nome do príncipe, o que seus amigos insistem ser o principal objetivo. Em vez disso, acrescentado a todas as letras referentes a títulos que ele usa depois do nome – KG, GCVO, CD, ADC –, virá um tóxico ponto de interrogação.
Má companhia. Epstein morreu na cadeia
E esse é o melhor cenário possível para o príncipe. Se, em vez disso, o juiz Kaplan decidir que o caso será julgado, o príncipe seria obrigado a fazer um depósito e depois, no outono, depor no tribunal. Ele poderia teoricamente recusar as duas coisas, mas novamente a imagem seria danificada. Se ele for a julgamento, a mídia mundial ganhará uma dieta diária de detalhes sórdidos. Se ele perder o caso, juristas sugerem que não poderá mais fazer viagens internacionais, por medo de extradição criminal.
Como coloca o perito em realeza e escritor Robert Lacey, “a perspectiva de as denúncias de Virginia Giuffre contra um integrante importante da família Windsor serem expostas no tribunal e noticiadas em todo o mundo é simplesmente impossível de imaginar do ponto de vista da família real, e tenho quase certeza de que haverá um acordo no tribunal”.
Como Giuffre esperou mais de 20 anos para reconhecer o dano que diz ter sofrido, esse acordo deverá envolver uma grande soma financeira, o que levanta a questão de quem a pagará. O príncipe passou a maior parte de sua vida adulta a conviver com os super-ricos, exatamente porque ele mesmo não tem esse nível de dinheiro. Então mais uma vez sua mãe, que teria bancado sua defesa, seria sua benfeitora. Isso traz para o primeiro plano a questão contestada de se a riqueza dela é particular ou um produto de sua posição como chefe de Estado, e, portanto, sujeita a algum tipo de supervisão do contribuinte.
Os monarquistas insistem que a riqueza particular e as despesas públicas são coisas separadas, mas qualquer acordo pago pela rainha daria aos republicanos munição balística. O que parece extraordinário é que essa conclusão vem se aproximando constantemente há mais de uma década, e o príncipe, com todos os que afirmaram repetidamente sua inocência, estiveram congelados em negação, apenas à espera de que tudo desapareça.
Mesmo que a monarquia sobreviva à crise atual, é provável que o faça numa versão mais enxuta
Catherine Mayer, autora de uma biografia do príncipe Charles e cofundadora do Partido da Igualdade das Mulheres, diz que o Palácio de Buckingham fez “uma coisa muito idiota” quando surgiu o escândalo, em 2011. Pouco depois que Andrew foi fotografado com Epstein, em 2019, no Central Park, em Nova York, após a soltura da prisão do norte-americano pela acusação de oferecer uma menor para prostituição, o príncipe foi dispensado de seu cargo de enviado comercial internacional e reutilizado em outras questões, inclusive como guru empresarial real com a iniciativa Pitch@Palace. Mayer acredita que a decisão foi sintoma de uma vontade de contornar a questão, em vez de enfrentá-la. “Toda a história é uma verdadeira tragédia, por causa de todas as vidas que arruinou”, disse. “Mas também há essa característica de novela, em que você vê personagens ignorando as coisas, tentando encobri-las acreditando que vão melhorar a situação, e você, como espectador, sabe que elas vão piorar. Eu tive essa sensação.”
Observadores da realeza comentam que funcionários que trabalham para o príncipe Charles e o príncipe William deram informações contrárias a Andrew. Uma mistura de proteção da rainha, o desespero cansado de outras famílias da realeza e a resistência de Andrew a conselhos sólidos o deixaram a forjar sozinho sua estratégia improvisada. Ela resultou na decisão fatídica de dar seu lado da história durante a dolorosa entrevista a Emily Maitlis, no programa Newsnight, em novembro de 2019. Como exemplo de como não fazer limitação de danos, é improvável que seja superada tão cedo. “Você via que ele é totalmente desligado da realidade externa”, diz Mayer.
É claro, Andrew não seria o primeiro integrante desagradável da realeza, nem o primeiro príncipe dissoluto. A história da instituição está cheia de personagens malcomportados. Mas hoje estamos na terceira década do século XXI, em um momento de transição não só para a família real britânica, que se prepara para a perspectiva de um novo monarca, mas para a sociedade como um todo.
Futuro nebuloso. A realeza resistirá desta vez?
Dez anos atrás, no tempo anterior ao #MeToo, um magnata do cinema como Harvey Weinstein podia aterrorizar e abusar de mulheres impunemente. Seu amigo Epstein praticamente se safou com estupro e tráfico sexual graças à influência política que conseguiu exercer.
E, em 2011, pode ter parecido que as denúncias de Giuffre contra Andrew estivessem destinadas a continuar a ser o grito excêntrico de alguém inconsequente, um rumor improvável que se dissiparia com todas as outras denúncias negligenciadas contra os ricos e poderosos. Até uma fotografia tirada no interior da casa de Maxwell pode ser considerada falsa, mas como uma jovem poderia ter acesso a uma imagem do príncipe que nunca foi vista por ninguém para colocá-la em uma foto forjada? Isso nunca pegou, e com o passar do tempo a tentativa de se afastar daquela cena perturbadora na casa de seu amigo parece cada vez mais uma tática desesperada. Assim como a alegação do príncipe de que ele ficou com Epstein durante quatro dias para lhe dizer que não queria mais ser seu amigo por uma questão de “honra” sempre foi absurda e tristemente inútil.
Mesmo que a monarquia sobreviva a esta crise, é provável que o faça numa versão mais enxuta, com menos passageiros. Os dias de playboys velhuscos a usar o nome da família em troca de companhia remunerada e compensações a ex-mulheres devem estar contados. Se estiverem, será devido, em boa medida, aos esforços de um grupo de mulheres de meios sociais geralmente humildes que se recusaram a recuar diante de seus abusadores. •
Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1191 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JANEIRO DE 2022.
CRÉDITOS DA PÁGINA: STEVE PARSONS/AFP E REDES SOCIAIS – ALBERT NIEBOER/ROYAL PRESS EUROPA/DPA/AFP
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