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Futuro nebuloso

A queda de Bashar al-Assad não reduz as incertezas na Síria, diz Reginaldo Nasser

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Fuga. Sem o apoio dos principais aliados, o ditador sírio foi obrigado a deixar o palácio e aceitar o refúgio oferecido por Putin – Imagem: Omar Haj Kadour/AFP
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Após 24 anos no poder, 13 sob guerra civil, o ditador Bashar ­al-Assad foi obrigado a fugir da Síria diante do avanço dos rebeldes do Hayat Tahrir al-Sham, antiga célula ligada à Al-Qaeda. Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC de São Paulo e colunista do site de CartaCapital, analisa os impactos da mudança de poder no país.

CartaCapital: Como se explica essa queda repentina do regime de Bashar al-Assad?
Reginaldo Nasser: Vou inverter a pergunta. Como Assad foi capaz de se manter no poder por tanto tempo? O governo da Síria foi gradativamente se desintegrando. Começou com a Primavera Árabe, seguida pela guerra civil, iniciada em 2011. O território sírio acabou fragmentado, dividido entre vários grupos, e o regime de Assad controlava uma pequena parte do país. A intervenção militar direta da Rússia e os apoios do Hezbollah e do Irã o mantiveram na cadeira. Mas a guerra da Ucrânia, que desviou o foco do Kremlin, a crise econômica no Líbano, prejudicial ao Hezbollah, e a entrada tanto do grupo libanês quanto dos iranianos no conflito com Israel diminuíram o apoio ao governo da Síria. Ao mesmo tempo, a Turquia aumentou o apoio aos insurgentes. Mesmo com um número maior de combatentes, ocorreu uma debandada do regime.

CC: A mídia ocidental tem apresentado os insurgentes, uma antiga célula da Al-Qaeda, como moderados. É isso?
RN: A mídia ocidental sempre age assim. Uma milícia islâmica que derruba um governo aliado, é terrorista. Quando ataca um regime “inimigo”, é libertadora. Apesar do discurso moderado, obviamente trata-se de um grupo sem nenhum lastro democrático. Claro, não são loucos de entrar em conflito com todos. Vão buscar negociações. A Embaixada da Síria em Moscou foi, por exemplo, reaberta. Mas são questões militares. De qualquer forma, os insurgentes não têm capacidade de estabelecer um governo de âmbito nacional. Os curdos do norte vão permanecer entrincheirados e não parecem dispostos a entregar o poder.

CC: Qual o impacto geopolítico no Oriente Médio?
RN: Não dou tanta importância à Síria. O país perdeu poder faz tempo e a queda do regime não deve provocar grandes efeitos. O território continua, claro, importante. A ponte terrestre entre o ­Hezbollah e o Irã fica interditada. As monarquias do Golfo ainda não se manifestaram claramente. A Turquia apoia o grupo que chegou ao poder e provavelmente essas monarquias ficarão contra. É possível que a Síria fique em uma situação parecida com aquela da Líbia, uma guerra fria em suspenso. Diferentemente da Líbia, a Síria faz, no entanto, fronteira com várias nações importantes. ­Donald Trump promete não se meter. Ficará a cargo das potências regionais administrar a situação. •

Publicado na edição n° 1341 de CartaCapital, em 18 de dezembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Futuro nebuloso’

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