Educação
França: Suicídio de jovem trans levanta debate sobre despreparo nas escolas
Fouad tirou a própria vida duas semanas depois de se assumir transgênero na escola e ser reprimida pela conselheira escolar


Fouad nasceu menino há 17 anos e, há duas semanas, havia decidido assumir publicamente que era uma garota. Moradora de Lille, no norte da França, ela foi à escola de saias, mas os colegas de classe não se surpreenderam. O coming out durou pouco: na última terça-feira 15, a jovem transgênero acabou a própria vida. O suicídio levantou um debate no país sobre a falta de preparo dos professores e educadores para receber alunos como ela.
No dia em que trocou as calças pelas saias, Fouad foi convocada pela conselheira municipal de educação do Liceu Fénelon, onde estudava. As duas discutiram e Fouad gravou discretamente a conversa. Nas imagens, ela aparece chorando, enquanto os gritos da educadora são ouvidos ao fundo. No dia seguinte ao suicídio, os colegas de Fouad protestaram em frente à escola enquanto, nas redes sociais, a hashtag #JusticePourFouad mobiliza jovens e entidades LGBTQ.
“Nós realmente precisamos de um curso”, admitiu a diretora educacional da cidade de Lille, Valérie Cabuil. “Um professor formado há 20 anos não é necessariamente bem preparado para abordar tudo isso”, constatou. Na sexta-feira (18), o ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, acrescentou que a França precisa atuar “muito melhor” nessas questões.
Pouca orientação aos professores e educadores
Uma investigação interna foi aberta para apurar eventuais falhas e responsabilidades do estabelecimento no drama. Antes da conversa filmada e divulgada, a direção da escola também teve “uma discussão” com Fouad, conforme relataram os adolescentes, mas acabou autorizando a aluna a continuar a vir de saias.
“Nenhuma recomendação clara foi dada aos estabelecimentos escolares [para lidar com os estudantes transgêneros]”, afirma o deputado centrista Raphaël Gérard, integrante da Comissão de Educação da Assembleia Nacional. Desde 2017, ele propõe emendas para inscrever na lei francesa a possibilidade de os menores escolherem o nome que preferem usar na escola, de acordo com a sua identidade de gênero.
Escola deve ser “refúgio”
Fouad morava longe da família, em um lar de acolhimento de menores. Os amigos relatam que ela não sofria discriminação em casa.
“Quando assisti ao vídeo, fiquei muito chocado porque a conselheira educacional não compreendia e sequer identificava o sofrimento de Fouad”, complementa o parlamentar. “É um sinal terrível enviado pela instituição.”
Os deputados da esquerda radical Adrien Quatennens e Bastien Lachaud, presidente de um grupo de estudos sobre as discriminações LGBTQ na Assembleia, enviaram uma carta ao ministro da Educação para pedir medidas efetivas para que as escolas francesas recebam adequadamente os alunos transgêneros e evitem novas tragédias como essa. No texto, eles alegam que as instituições têm a obrigação de serem um “refúgio” para adolescentes como Fouad.
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