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França: Ameaçado por Le Pen, Macron tenta mobilizar as bases no fim da campanha
Depois de um aumento inicial no apoio ao presidente após a invasão da Ucrânia pela Rússia, as consequências domésticas começam a afetar a sua popularidade


Nesta mesma época, quase cinco anos atrás, Caroline Janvier integrava o exército de candidatos a parlamentares do recém-eleito presidente Emmanuel Macron. Esses “novatos”, como La République En Marche – “A República em Marcha”, o partido pop-up criado para levar Macron ao poder – os chamou, eram tão verdes que foram enviados para um curso intensivo de um dia sobre como conduzir uma campanha, organizar e motivar uma equipe e lidar com a imprensa. Janvier, 40 anos, formada pela faculdade de elite Sciences Po e funcionária de uma associação para pessoas com deficiência, ganhou seu assento em Loiret, ao sul de Paris, apesar de ser uma desconhecida na política.
No sábado 2, Janvier viajou para ver Macron, que tenta a reeleição, realizar sua primeira e última reunião de campanha na maior sala de concertos da Europa, no bairro de La Défense, em Paris – evento que sua equipe prometeu que seria uma ocasião no estilo do Super Bowl norte-americano. Cerca de 30 mil apoiadores compareceram, bem como 600 jornalistas credenciados, para ouvir Macron delinear seu programa, cuja medida mais contestada promete outra tentativa de aumentar a idade de aposentadoria na França para 65 anos. O presidente falou durante duas horas, pedindo aos eleitores que compareçam e não acreditem em “quem diz que a eleição está decidida”. “Você quer uma França mais forte? Então junte-se a nós”, concluiu.
“Estou muito feliz por, finalmente, ver nosso candidato. Faz várias semanas que estamos em campanha e panfletagem, e não tivemos reuniões e comícios com ele porque está ocupado com a Ucrânia, então será um bom momento para nós”, disse Janvier. “Estamos ansiosos para conhecer seu estado de espírito e ouvi-lo explicar seu projeto para os próximos cinco anos.”
Macron esteve em Pau e Anjou no mês passado e viajou para Dijon recentemente, mas, para desespero de parlamentares como Janvier e seus apoiadores, suas aparições na campanha foram poucas e distanciadas. A mente do presidente tem estado em outros assuntos, incluídas as tentativas de mediação entre o líder russo, Vladimir Putin, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que desviaram seu olhar do jogo presidencial.
A alta da inflação, derivada da invasão da Ucrânia, afeta a popularidade do presidente
Depois de um aumento inicial no apoio a Macron após a invasão da Ucrânia pela Rússia, as consequências domésticas do conflito – especialmente o aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos – começam a afetar a sua popularidade, e pesquisas sugerem que Marine Le Pen, da extrema-direita, tem se aproximado do até então favorito. Uma pesquisa da Elabe publicada no sábado 2 mostrou Macron com 28,5% e Le Pen, do Reagrupamento Nacional, com 22%. Jean-Luc Mélenchon, do La France Insoumise, de esquerda, com 15%, seguido por Éric Zemmour, de extrema-direita, e Valérie Pécresse, dos Republicanos, de direita.
Os temores de que os eleitores que acreditam que o resultado seja inevitável fiquem em casa ou usem sua cédula no primeiro turno como “voto de protesto”, ou para apoiar um dos vários candidatos azarões, têm, no entanto, promovido uma crescente inquietação de que qualquer coisa pode acontecer.
Jérôme Fourquet, do instituto de pesquisas Ifop, disse: “As pesquisas não são previsões, as intenções de voto são apenas isso. É o que os eleitores dizem que pretendem votar, mas será que realmente o farão? Tentamos tomar precauções com nossa metodologia, mas até no último minuto eles podem mudar de ideia. Em uma eleição presidencial, a taxa de abstenção costuma ser relativamente baixa… mas, se estivermos numa situação de alta abstenção, teremos um problema real. É como uma foto: torna-se embaçada e complicada”.
Janvier decidiu deixar seu emprego em 2016 para se juntar a Macron e ao En Marche!, partido mais tarde chamado La République en Marche (LREM). Seu marido, consultor agrícola, concordou em cuidar de seus três filhos, então com 7, 5 e 2 anos, num arranjo temporário que se tornou permanente desde a eleição dela para o Parlamento. Sua vitória como novata política foi ainda mais notável, dado que seu distrito eleitoral, Loiret, que inclui a cidade histórica de Orléans, viu Le Pen bater Macron por pouco no primeiro turno da Presidência de 2017, com 23,53% dos votos (perdendo no segundo, quando Macron obteve 63,16%). Uma segunda parlamentar de Loiret, a médica Stéphanie Rist, também estava entre os quase 150 “novatos” da sociedade civil pró-Macron candidatos ao Parlamento nas eleições gerais daquele ano.
“Terceira via”. Mélenchon, com 15%, é o mais bem colocado candidato da esquerda – Imagem: Redes sociais/LFI
“É a primeira vez que me envolvo em política, e é porque me envolvi com o projeto de Emmanuel Macron”, disse Janvier em 2017. “Sim, muitos se perguntam se seríamos fortes o suficiente para desafiar o governo, impulsionar seus projetos e dar voz às suas demandas, porque não temos experiência, mas queremos muito fazer a mudança acontecer. Podemos ainda não ter habilidades parlamentares, mas somos decididos e enérgicos.”
Hoje, ela é ainda mais apaixonada pela política e planeja se candidatar novamente às eleições legislativas em junho. “Estou muito orgulhosa do que conseguimos fazer individual e coletivamente nos cinco anos difíceis com os protestos dos Coletes Amarelos, a situação sanitária e, agora, a guerra na Ucrânia. Cometemos alguns erros e talvez nós, os novos deputados, tenhamos sido um pouco arrogantes no início, pensando que iríamos abalar a vida política no país, mas, se não éramos tão bons em estilo, éramos bons em substância.” Janvier prossegue: “Pessoalmente, respeitei meu engajamento político com meus eleitores e fiz o que eu disse que faria. Às vezes consegui, às vezes não, mas tentei”.
A campanha tem o potencial de aumentar a fratura na sociedade francesa
A parlamentar admitiu que o LREM teve dificuldade para criar raízes no campo, onde os Republicanos, de direita, e o Partido Socialista, que foram canibalizados em nível nacional por Macron em 2017, permaneceram relativamente fortes nas eleições locais. Analistas políticos sugeriram que o LREM durará tanto quanto Macron – que está constitucionalmente impedido de concorrer a um terceiro mandato consecutivo. “Este é todo o desafio político para nós, fazer do LREM, ou como for chamado até o fim de seu segundo mandato, uma força política real, com uma doutrina clara e apoio local”, acrescentou Janvier. “É verdade que a situação é menos sólida para nós localmente do que nacionalmente, mas acredito que leva ao menos 15 anos para estabelecer um partido, e se nem os Republicanos nem os Socialistas estiverem no segundo turno desta eleição, acho que veremos uma estratégia diferente de seus apoiadores e talvez mais vontade de criar alianças.”
Fourquet disse que a parte mais difícil para Macron não é a sua reeleição, mas o que acontece depois. “Se, no primeiro turno, Emmanuel Macron e Marine Le Pen tiverem 50% dos votos, isso significa que 50% do país não o apoia”, disse Fourquet. “E se ele for eleito no segundo turno contra uma Le Pen que se saia bem, ele terá conseguido esmagar a direita, mas herdou um país fraturado e difícil de administrar. Vale lembrar que um litro de gasolina está em mais de 2 euros, e custava 1,40 euro quando tivemos a crise dos Coletes Amarelos. A última vez que Macron tentou reformar as aposentadorias, tivemos 55 dias de greves ininterruptas. Há tensões potencialmente poderosas no país.” •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Macron sai da toca”
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