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Fim de uma era
A controversa Estação Espacial Internacional, há 25 anos em órbita, será desativada


A Estação Espacial Internacional está prestes a ultrapassar um marco notável. Em novembro, fará um quarto de século que a enorme nave espacial voa na órbita do nosso planeta. Nesses 25 anos, centenas de astronautas a transformaram em lar temporário, enquanto outros visitantes incluíram sapos, vermes, mariscos e borboletas: cada um deles foi objeto de experiências destinadas a descobrir os efeitos da falta de peso, da radiação e de outros fenômenos extraterrestres nas criaturas vivas. Além disso, os astronautas realizaram estudos sobre a matéria escura, os raios cósmicos e as camadas de ozônio da Terra.
Agora, os dias desse gigante de 100 metros de comprimento, que começaram em 20 de novembro de 1998, quando seu primeiro segmento, o módulo russo Zarya, foi colocado em órbita, estão contados. A estação opera há uma década a mais do que o planejado e sofre cada vez mais vazamentos de ar, falhas nos propulsores e outros acidentes que se intensificam à medida que é aquecida e resfriada 16 vezes por dia, enquanto gira ao redor da Terra a 28 mil quilômetros por hora. As vibrações das ancoragens das naves espaciais e dos movimentos da tripulação só aumentam esses problemas, bem como seus equipamentos envelhecidos, quase obsoletos.
Como resultado, a Nasa decretou que a EEI, que hoje consiste em 16 módulos pressurizados, será encerrada e enviada em espiral para o oceano Pacífico em 2031. A agência espacial insiste que os riscos para os humanos representados pela nave de 400 toneladas ao atingir nosso planeta serão mínimos.
A iminente destruição da Estação Espacial Internacional levanta perguntas fundamentais. Valeu os 120 bilhões de libras gastos para construir e operar? O que aprendemos nos últimos 25 anos que justifique esse esforço incrível? O que a substituirá e quem pagará a conta?
A primeira pergunta é a mais controversa. Muitos cientistas salientam que a EEI forneceu informações valiosas sobre como viver e trabalhar na gravidade zero, conhecimento crucial à medida que a humanidade se prepara para regressar à Lua e iniciar viagens de longa duração a Marte e mais além. Graças à estação espacial, aprendemos que os humanos podem construir casas no espaço exterior, e esta é uma lição crucial, afirmam.
Outros discordam, argumentando que o dinheiro gasto teria sido mais bem investido em outros projetos. Na década de 1990, quando começou o planejamento da EEI, os Estados Unidos, principais financiadores da estação internacional, consideravam dois grandes projetos científicos rivais. O primeiro era a EEI. O segundo, um acelerador de partículas, o Superconducting Super Collider. Ambos tinham preços colossais e o Congresso dos EUA decidiu que o país só poderia fornecer dinheiro para um. Principalmente por razões políticas, escolheu a EEI e cortou o financiamento do supercolisor.
A decisão deixou a Europa à vontade para construir seu próprio acelerador de partículas, o Grande Colisor de Hádrons (LHC), no Cern, em Genebra, onde a investigação rendeu uma série de prêmios Nobel. Em contraste, os EUA acabaram com um “peru orbital”, como o falecido físico norte-americano Steven Weinberg, premiado com o Nobel, descreveu a EEI. “A única tecnologia real que a estação espacial produziu está ligada a manter os humanos vivos no espaço, o que é um processo circular e sem sentido, se percebermos que não faz sentido ter humanos no espaço”, argumentou.
Os cientistas dividem-se sobre os benefícios das estruturas fixas no espaço
As estações espaciais não estão, porém, prestes a desaparecer do céu noturno. A EEI pode estar destinada ao encerramento em alguns anos, mas os Estados Unidos, a Europa, o Japão, o Canadá e a Índia revelaram planos para lançar e construir novos laboratórios em órbita, enquanto a China construiu sua própria estação com tripulação permanente, a Tiangong. Agora programada para sobreviver à EEI, a Tiangong deverá ser equipada com módulos extras para dobrar seu tamanho atual em um futuro próximo.
Os Estados Unidos, por sua vez, em parceria com a Europa, o Japão e o Canadá, planejam construir o Gateway, versão menor da EEI que seria então colocada na órbita da Lua. A estação seria visitada por grupos de astronautas, inicialmente durante semanas e depois durante meses consecutivos. A partir daí eles dirigirão naves robóticas que explorarão a superfície da Lua e ajudarão a preparar a construção de uma base tripulada permanente.
A chegada de empresários privados deverá, no entanto, transformar o mercado, com um interveniente-chave. A empresa norte-americana Axiom ganhou manchetes recentes com o anúncio de um acordo com a Agência Espacial do Reino Unido para enviar quatro astronautas britânicos em uma missão de duas semanas na estação espacial em um futuro próximo. A Axiom está programada para adicionar quatro novos segmentos, ou hábitats, como os chama, à EEI, com primeiro lançamento previsto para 2026, disse Michael Baine, engenheiro-chefe da empresa. “Cada hábitat apoiará quatro astronautas, que serão patrocinados por um país individual ou por uma empresa privada, e farão pesquisas e trabalhos significativos em órbita.” Este não será um empreendimento turístico, em outras palavras.
Segundo Baine, os quatro módulos seriam lançados em foguetes de propriedade privada, como o lançador Falcon Heavy da SpaceX. Uma vez montados na estação, os módulos seriam posteriormente separados como uma única nova estação espacial antes de a EEI ser retirada de órbita e enviada para a queda no Pacífico. A estação surgiria das cinzas da antiga, em suma. “Cada módulo foi projetado para durar 15 anos ou mais, possivelmente 30, e pretendemos aumentar consideravelmente a capacidade ao longo dos anos”, acrescentou. “Existem muitos produtos biológicos e farmacológicos que podem ser fabricados no espaço, além de cristais, fibras ópticas e metalurgia. Todos têm um forte potencial de receita e pretendemos explorar isso.”
Outras operações privadas apoiadas pela Nasa incluem empresas norte-americanas, como a Orbital Reef e a Starlab, com a primeira a descrever sua estação espacial planejada como “um parque empresarial no espaço”. “Vemos as futuras estações espaciais como uma combinação de fábricas de gravidade zero e laboratórios de pesquisa. Esse é o potencial que elas oferecem”, acrescentou Baine. •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1284 de CartaCapital, em 08 de novembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fim de uma era’
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