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Filme busca raízes do mal ao analisar pelotões nazistas

Diretor Stefan Ruzowitzky tenta descobrir como jovens normais se tornam máquinas de matar

"Das radikal Böse" estreou em janeiro na Alemanha
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O cineasta austríaco Stefan Ruzowitzky (vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2008 com Os falsários) ousa se equilibrar numa tênue linha entre a explicação e a acusação, tentando tirar lições para nossa sociedade atual.

Das radikal Böse (“O mal radical”, em tradução livre) é uma espécie de ensaio cinematográfico documental, que se propõe desvendar como homens psiquicamente saudáveis podem se tornar verdadeiras máquinas de matar.

Neste caso, os objetos da pesquisa são os membros dos chamados Einsatzgruppen (“forças-tarefa”) grupos paramilitares comandados pelas SS, que durante a Segunda Guerra assassinaram cerca 2 milhões de pessoas, na maioria judeus, nos territórios do Leste Europeu ocupados pela Alemanha.

O filme mostra entrevistas com historiadores e psicólogos, busca respostas em diários, trechos de cartas, registros de tribunal. Cenas históricas não são propriamente encenadas: a maior parte do tempo o espectador vê rostos de atores desconhecidos, em plano próximo, com as vozes sempre em off.

Experimentos reveladores
Ruzowitzky encena experimentos famosos, como o de aprisionamento de Stanford ou o de Milgram, em que os pesquisadores comportamentais testaram a disposição dos voluntários de torturar outras pessoas, supostamente obedecendo a uma ordem superior. A maioria dos participantes aceitou torturar o próximo, e o fato de as cenas serem apresentadas de forma estilizada e distanciada não contribui para amortecer o devastador efeito sobre o espectador.

O longa-metragem apresenta com explicitude incômoda aquilo que geralmente nos recusamos a admitir: os membros dos Einsatzgruppentinham, sim, uma alternativa. Eles podiam perfeitamente ter recusado as ordens superiores para matar, sem correr risco de vida. Só arriscariam ser transferidos ou a ficar de fora na próxima rodada de promoções hierárquicas.

“A única restrição era quanto ao motivo”, observa o historiador Andrei Angrick, que há anos pesquisa os Einsatzgruppen. “Era possível ao soldado argumentar que não fora para a frente de batalha para matar mulheres e crianças, mas sim para lutar. Entretanto, um argumento de fundo ideológico poderia se tornar um problema para ele.” Quem se recusava a participar de esquadrões da morte era transferido para realizar outras tarefas. Angrick confirma que o soldado não precisava temer ser excluído nem punido.

Para os soldados no filme, a primeira participação num pelotão de fuzilamento representa grande sofrimento emocional. Em seguida, porém, processos de dinâmica de grupo e pressão social à conformidade passam a agir, aliviando a carga psicológica. A doutrinação propagandística faz o resto: no fim, o assassinato em massa passa a ser apenas um trabalho sujo que precisa ser feito, para que um objetivo maior seja alcançado.

“No Estado nazista, a utopia germânica era uma promessa de felicidade, de uma sociedade perfeita”, explica Andrej Angrick. “Os judeus não foram mortos porque eram judeus, mas porque eles e as outras vítimas da perseguição nazista eram estorvos para se atingir um ‘Jardim do Éden Ariano’, segundo os nazistas. A guerra de extermínio foi uma guerra de utopia, em cujo final estava a promessa de salvação para todos os que participavam dela.”

Risco de “compreender demais”
O título do filme de Stefan Ruzowitzky provém de um texto do alemão Immanuel Kant, do final do século 18. De forma simplificada: nele o filósofo argumenta que a predisposição para violar normas e padrões morais repousa em cada um de nós.

O famoso psiquiatra nova-iorquino Robert Jay Lifton fala no filme do “potencial humano” para fazer o mal que está em todos. Mas e quando esse mal irrompe, quando ultrapassa as fronteiras do moralmente aceitável? Lifton vê a solução na cultura política, que forneceria ao indivíduo limites para a sua ação.

O historiador alemão Andrej Angrick discorda: para ele, a influência maior é do contexto social. “Acredito que, numa outra sociedade, 95% dos membros dos Einsatzgruppen não se tornariam criminosos extremos. Cultura política por si só não ajuda. São necessárias elites com boa formação.”

Ele também considera fundamental o papel da Justiça. “O Estado deve não só ameaçar com punições, mas também fazer valer limites.” Além disso, uma sociedade não deve cometer o erro de desenvolver o que ele chama de “cultura do diálogo compreensivo demais”. Um exemplo disso seria a forma como se lida com os neonazistas na Alemanha. “A compreensão das circunstâncias sempre traz em si o risco da exoneração de culpa, do perdão e, com isso, também da aprovação.”

O filme de Ruzowitzky não cai na armadilha de perdoar e aprovar. No final, fica claro que os assassinos não podem alegar falta de alternativa, nem delegar a culpa a um Estado nazista abstrato. Eles são, sim, pessoalmente responsáveis pelos seus atos.

  • Autoria Birgit Görtz (md)
  • Edição Augusto Valente

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