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Fechamento de academias gera protestos na França

Restrição é válida por pelo menos 15 dias em cidades com mais reincidência de casos de coronavírus

As salas de yoga, que muitas vezes funcionam em pequenas salas, se sentem prejudicadas pelas medidas impostas pelo governo - Foto: AFP
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Praticar esportes e yoga em ambientes fechados favorece a transmissão do coronavírus? Para o governo francês, sim. Diante da expansão da epidemia no país, o Ministério da Saúde anunciou no dia 25 de setembro que academias, salas e ginásios esportivos, por serem considerados locais de alto risco de contaminação, deverão permanecer fechados por pelo menos 15 dias em regiões em alerta vermelho, ou seja, onde o vírus circula ativamente. Para contornar o fechamento temporário, muitos empresários e associações esportivas estão recorrendo à justiça.

As novas medidas restritivas anunciadas pelo governo francês atingem várias regiões metropolitanas da França, como Bordeaux, Lille, Rennes, Toulouse e a capital Paris, onde a taxa de contaminação é de 263 casos para cada 100 mil habitantes.

As novas regras, que devem ser estabelecidas por autoridades locais, surpreenderam praticantes de esportes indoor e de yoga, mas principalmente gerou uma onda de revolta e indignação nos empresários do setor.

 

Elodie Garamont, dona de escola de yoga em Paris, expressou toda sua revolta em mensagem de grande repercussão nas redes sociais, dirigida ao ministro da Saúde, Olivier Verán. “O que me deixou revoltada foi a falta de discussão tanto sobre a forma quanto sobre o conteúdo. Nada foi antecipado e não há nenhum critério objetivo que justifique esse fechamento arbitrário. Sabemos que as salas de esportes não são um local de contaminação. As estatísticas mostram que há menos de 0,1% de contaminação”, disse Elodie em entrevista à imprensa francesa.

“É preciso saber que nosso segmento teve que se adaptar a medidas drásticas de proteção sanitária para acolher de volta nossos clientes. Foram medidas muito caras. E além do mais, investimos dinheiro em comunicação e marketing para atrair ainda novos clientes. E as medidas adotadas permitem uma traçabilidade dos casos. O que vai acontecer? Vamos fechar e todas essas pessoas vão buscar outros lugares menos protegidos e que não poderão garantir essa traçabilidade. Ou seja, só mudaram o problema de lugar, isso é um absurdo”, reclamou.

Desde a primeira quarentena que vigorou entre março e maio na França, associações, academias e salas de esportes têm feito um enorme esforço para se adaptar às exigências sanitárias e resgatar a clientela, já que muitos ainda hesitam em voltar a praticar atividades físicas em ambientes fechados.

No caso da yoga, Elodie afirma ainda que houve forte recuo da presença de praticantes e as estimativas dos profissionais do setor é de uma queda no faturamento estimada entre 30 e 70%. “Voltar a fechar as salas é assinar um atestado de morte para esse setor. Se elas continuarem vazias, em seis meses vai haver uma hecatombe”, prevê.

Outro argumento dos profissionais do setor para mostrar o que consideram uma incoerência das autoridades, são os benefícios de uma atividade física em um momento de pandemia e de crise sanitária.

“Todos os estudos de neurociência provam que a prática de esporte permite uma prevenção de saúde e que melhora nossa defesa imunológica. Sabemos dos efeitos do esporte para o corpo, mas além do aspecto físico, tem também o aspecto de prevenção da saúde mental. Estamos em um momento complicado, que gera muita ansiedade. O que as pessoas vão fazer se não puderem praticar esporte, se não puderem fazer nada? Nós fazemos yoga, oferecemos tranquilidade, serenidade às pessoas. É um absurdo esse fechamento dessas salas para essas atividades”, completa e professora de yoga.

“Queremos trabalhar”

A brasileira Elaine Alves Garcia,  professora de yoga há 14 anos na França, é uma das vitimas colaterais da pandemia. Ela trabalhava em um centro de yoga em Paris com 10 professores, e todos foram demitidos ao final da primeira onda da Covid-19. Durante a pandemia, a escola se adaptou, ofereceu cursos por vídeo, mas quando as atividades presenciais foram liberadas, as restrições sanitárias limitaram o acesso de alunos, e tornaram o local pouco rentável.

“Em uma sala para 22 pessoas só podíamos colocar nove. Ficou impraticável financeiramente e a escola fechou as portas definitivamente. Não era mais rentável. Nós trabalhamos com material humano, bem estar, mas as empresas pensam como empresas. Tem a sobrevivência. Eles tiveram que fazer escolhas e fechar”, conta Elaine.

As novas medidas adotadas pelo governo, que visam fechar temporariamente as salas que buscam sobreviver em meio a tantas dificuldades, dificultam o trabalho de muitos profissionais que buscam se manter ativos no mercado. Elaine participa de vários fóruns e grupos de discussão reunindo profissionais de yoga e o clima é de indignação.

“Gostaríamos de continuar aplicando as medidas sanitárias, redução de número de pessoas, modificando horários de cursos para que as pessoas não se cruzem, continuar aplicando as medidas e poder trabalhar”, diz.

Segundo ela, muitos profissionais estão procurando contornar as medidas de restrição, mesmo sob o risco de serem sancionados. “Algumas pessoas da minha área estão procurando soluções. Precisa haver mais diálogo com cada categoria. Acho injusto ser considerado atividade esportiva, claro que envolve esforço, mas não é o mesmo que um esporte. Mas poderíamos nos adaptar, deveria ter mais diálogo e discussão sobre isso”, estima

A mesma incompreensão é manifestada pelos empresários que dirigem centros esportivos de lazer. Já bastante atingidos pelo fechamento forçado entre  março e maio, muitos deles se adaptaram aos protocolos sanitários, mas a nova interrupção temporária, traz o risco de fechamento definitivo e novas demissões.

Joseph Vieville, fundador de uma rede com mais de 40 unidades para praticantes de futebol de 5 e pádel, um tipo de tênis indoor, diz que as restrições impostas para controlar a pandemia já atingiram 50% do faturamento da empresa. O sócios pediram 6 milhões de euros para enfrentar o impacto da crise. Mesmo assim, tiveram que fechar 3 dos 40 complexos e demitir 10 funcionários.

À espera de novas medidas de apoio financeiro do governo, ele e os sócios decidiram abrir os centros esportivos para associações caritativas, acolhendo crianças gratuitamente, respeitando sempre as medidas de proteção. Se forem obrigados a continuar fechados aos clientes, Joseph Vieville vê um cenário sombrio para o futuro de seus negócios.

“Acho que vamos passar dois ou três anos, se não fecharmos as portas antes, é claro,  tentando cobrir o rombo financeiro correspondente à quarentena do mês de março. E não estou falando desse fechamento de agora. Não teremos recursos financeiros para continuar o funcionamento dos nossos centros como gostaríamos. Vai ser complicado, vamos ver. Vai depender se teremos uma compensação financeira se um novo fechamento for imposto”, afirma.

Apelo à justiça

Para contornar a determinação do governo de fechar as salas e complexos esportivos, muitas empresas acionaram a justiça, alegando atentado à liberdade de comércio, situação financeira catastrófica e até tratamento diferenciado do governo em relação a bares e restaurantes. Em Rennes, donos de academias conseguiram reverter a decisão de fechamento até dia 10 de outubro e ganharam o direito de manter os espaços abertos. Já em Bordeaux, o tribunal manteve o fechamento, pois considerou a medida do governo justificada devido à crise sanitária.

Em Paris, empresários entraram com uma ação e o tribunal administrativo deu um prazo para que a Secretaria de Segurança Pública decida nesta segunda-feira, 5, quais salas de esporte e ginásios fechados devem permanecer fechados e quais poderão reabrir, dando um fôlego de esperança a empresários e praticantes de atividades físicas.

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