Mundo

assine e leia

Falador passa mal

Após fracassar em acordo com Putin no Alasca, Trump recorre a novas sanções contra a Rússia, até aqui inócuas

Falador passa mal
Falador passa mal
Sem avanços. Trump estendeu o tapete vermelho a Putin, mas o líder russo demonstra o mesmo desdém que dispensa aos europeus – Imagem: Daniel Torok/Casa Branca Oficial e Sergei Supinsky/AFP
Apoie Siga-nos no

Em agosto, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estendeu um tapete vermelho para receber seu homólogo russo, Vladimir Putin, no Alasca, com a promessa de encerrar a guerra na Ucrânia num piscar de olhos. O diálogo não produziu resultado algum. Mesmo assim, o líder norte-americano classificou o encontro como “extremamente produtivo”. Sem um acordo de paz, um cessar-fogo ou sequer uma trégua, Trump posou de estadista, celebrando a si mesmo, como se tivesse, de fato, resolvido um impasse que se arrasta desde 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia.

Passados pouco mais de 70 dias do encontro no Alasca, não há o mais pálido sinal de arrefecimento no front ucraniano. A guerra não apenas não retrocedeu desde então como, ao contrário, tornou-se ainda mais destrutiva e ameaçadora para a população civil dos dois países, com os drones sendo transformados na ponta de lança de um método de combate ainda mais pernicioso que os tanques e mísseis do início da invasão russa, em 2022.

Desde então, Trump nem sequer chegou perto de demover Putin de seus objetivos na Ucrânia. Nada emergiu dessa reunião no Alasca que pudesse sinalizar uma distensão entre o presidente russo e o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky. Ao contrário da Faixa de Gaza, onde Trump figurou como arquiteto de um cessar-fogo que resultou na libertação de prisioneiros palestinos e civis israelenses, na Ucrânia sua influência foi, até agora, nula.

Trump passou recibo do fracasso ao anunciar, em 22 de outubro, a aplicação de sanções contra duas das principais petrolíferas russas. A Rosneft e a Lukoil, juntamente com suas numerosas subsidiárias e filiais, estão proibidas de realizar qualquer transação que envolva instituições financeiras norte-americanas. Além disso, a medida abre espaço para que os EUA condenem outros países que insistirem em comprar petróleo russo – como ocorreu com a Índia, punida em agosto com a imposição de uma sobretaxa de 25% sobre seus produtos por manter negócios com Moscou nos últimos anos.

Ambas as empresas exportam atualmente mais de 3 milhões de barris de petróleo por dia. A Rosneft responde, sozinha, por metade de toda a produção russa e por 6% do óleo comercializado no mundo. “Estamos impondo sanções massivas contra as duas maiores petrolíferas russas, que figuram entre as maiores do planeta”, disse Trump a jornalistas no Salão Oval da Casa Branca. “Esperamos que isso torne (Putin) razoável. E que torne ­Zelensky razoável também. Como diz o ditado, é preciso dois para dançar um tango.” O líder ucraniano elogiou a medida, enquanto o russo parece não dar a mínima para os embargos impostos ao seu país há anos.

A União Europeia seguiu a mesma ­toa­da dos EUA e, no mesmo dia, anunciou que também vai sancionar empresas de petróleo e gás russos, além de operações que envolvam criptomoedas, como forma de tentar sufocar o financiamento da guerra por Moscou. Se essas medidas fossem efetivas, já teriam mostrado resultado antes, pois essa foi a 19ª rodada de sanções anunciadas pela Europa contra a Rússia nos últimos três anos.

No tom habitualmente superlativo de Trump, as novas sanções são “tremendas”. É a primeira vez que o atual presidente norte-americano tenta castigar a economia russa, o que, por si só, mostra que o clima pretensamente amistoso criado no Alasca, marcado por elogios ­mútuos e tapinhas nas costas, ficou no passado. “Toda vez que eu falo com Putin, temos boas conversas que, na sequência, vão a lugar nenhum”, lamentou Trump.

O presidente dos EUA celebrou o encontro como um passo decisivo para encerrar a guerra. Pura retórica

A verdade é que ninguém nunca soube ao certo quais foram os termos da chamada Cúpula de Anchorage, no Alasca e, portanto, não há indicadores aferíveis de avanços nessas negociações, restando a mera cessação do conflito como único indicativo de fracasso ou sucesso.

Em entrevista recente a uma emissora húngara, o chanceler russo, Sergei ­Lavrov, insinuou que Trump demonstrou certa flexibilidade diante da demanda de Moscou de consolidar a anexação de porções do território ucraniano onde a maioria da população é de origem russa. Segundo ele, “tudo foi confirmado” na ocasião, e a bola, desde então, estaria com os EUA.

“Em Nova York, recordei ao secretário de Estado, Marco Rubio, essa sequência de acontecimentos”, disse Lavrov, ao retomar os termos da conversa no Alasca e sugerir a existência de uma solução negociada, com implementação escalonada. De acordo com o chanceler, Rubio teria respondido: “Sim, ainda estamos considerando, estamos nos esforçando, estamos interessados”. Lavrov acrescentou ter informado a Marco Rubio que Moscou está “pronta para avançar no ritmo que seja confortável para os norte-americanos nessa negociação”.

A conversa entre ambos teria ocorrido em 20 de outubro. Dois dias antes, portanto, de os EUA anunciarem as sanções contra as petrolíferas Rosneft e Lukoil. A julgar pelas declarações de Trump e pelos embargos impostos por Washington, a sintonia fina à qual Lavrov se refere na relação com Rubio parece baixa, ou simplesmente inexistente.

Enquanto não chegam a um entendimento com os russos, os EUA mantêm o comércio de armas e munições com o lado oposto. A Ucrânia tenta permanecer irredutível na guerra, em busca não apenas de apoio político, mas sobretudo de suprimentos militares no exterior. As vendas norte-americanas não são feitas diretamente a Zelensky, para evitar atritos frontais com Moscou. Por isso, essas operações passam, na prática, pelas potências europeias, que triangulam a transação e atuam como fiadoras do negócio.

Dessa forma, a guerra na Ucrânia continua sendo uma boa oportunidade para a indústria armamentista dos EUA, ainda que, do ponto de vista da mediação, seja, na verdade, um fracasso adornado por uma retórica hiperbólica e autoindulgente de Trump. •

Publicado na edição n° 1386 de CartaCapital, em 05 de novembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Falador passa mal’

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo